Juan Carlos Já passavam das oito horas da manhã quando finalmente cheguei em casa. O peso do cansaço estava sobre mim como uma âncora. Meus músculos estavam tensos, minha cabeça latejava, e meu corpo clamava por descanso depois de 48 horas diretas no hospital, sobrevivendo apenas à base de café.Nem tive forças para ir até o quarto. Simplesmente me joguei no sofá, ainda de roupa, sentindo o alívio momentâneo de estar em um lugar familiar. O cansaço me venceu em segundos.Quando acordei, o céu já estava tingido de tons alaranjados. O relógio marcava pouco mais de dezoito horas. O corpo ainda doía, mas agora a fome gritava tão alto quanto o esgotamento.Caminhei até a cozinha, já pensando em pedir uma pizza, quando meus olhos pousaram em um bilhete preso na geladeira. Reconheci a caligrafia de Rosa de imediato."Acredito que você está morto de fome. Não peça pizza, eu fiz uma lasanha à bolonhesa para você. É só colocar no forno. Tem suco de maracujá com hortelã na geladeira. E não se p
Juan Carlos Era bom estar com a Rosa. Eu não entendia o poder que ela tinha de me fazer sentir tão bem, tão em paz. Era como se, ao seu lado, o peso do mundo ficasse mais leve, como se as preocupações se dissipassem por um tempo.Deitado ali, com a cabeça repousando em seu colo, sentia seus dedos deslizarem suavemente entre meus cabelos, um carinho quase instintivo, mas que me acalmava de uma forma que eu não conseguia explicar. Fechei os olhos por um instante, aproveitando aquela sensação rara de tranquilidade.Mas, de repente, senti seu corpo se mover sutilmente, uma tensão quase imperceptível em seus músculos. Me ergui um pouco, observando seu rosto.— Você está bem? — perguntei, notando o jeito que ela franzia a testa.Ela soltou um pequeno suspiro, mas sorriu de leve para me tranquilizar. Então, com movimentos ágeis, levantou um pouco a barra da calça e retirou a prótese da perna, colocando-a cuidadosamente ao lado.— Agora pode deitar. Vai ser mais confortável assim — disse, da
Rosa FernándezA terça-feira começou como qualquer outro dia na escola. Minha aula foi produtiva, e no intervalo, ao invés de ir para a sala dos professores, fiquei em minha mesa, organizando algumas atividades. Durante o almoço, aproveitei para trabalhar com gibis da Turma da Mônica em espanhol. O ambiente estava tranquilo, e eu estava imersa no meu material até que a senhorita Grey entrou e se sentou à mesma mesa.Tínhamos um horário vago, já que as meninas estavam na aula de balé. Continuei focada nos gibis, escrevendo algumas anotações, quando meu celular vibrou. Ao ver o nome de Juan na tela, um sorriso involuntário surgiu em meu rosto.É engraçado… Nunca tive muitos amigos, e, por mais que estivesse rodeada de pessoas, sempre me senti sozinha. Mas com Juan e Nina, tudo era diferente. Com eles, eu sentia um pedaço de algo que já não existia há muito tempo: família.Ligação ON— Oi — atendi, minha voz saindo baixa, mas carregada de carinho.— Oi, Roseta. Você poderia ficar com a N
RosaEu ainda sentia a raiva queimando dentro de mim quando me deitei, mas o cansaço venceu rápido. Em pouco tempo, o peso do dia me arrastou para o sono, e a escuridão me envolveu como um abraço silencioso.A manhã de quinta passou num piscar de olhos, entre as tarefas do dia e os cuidados com Nina. Juan me avisou que teria que fazer plantão no hospital, e, como já era de se esperar, minha pequena não ficou nada feliz com a notícia. Mesmo assim, depois de muita brincadeira e uma chamada de vídeo com o pai, ela acabou pegando no sono, agarrada ao meu braço como se eu pudesse impedir o mundo de tirá-lo dela.Na sexta, assim que acordou e soube que o pai teria outro plantão, Nina ficou completamente desanimada. Ela passou a manhã toda largada no sofá, abraçada a um dos seus ursinhos, o olhar perdido na TV, sem realmente prestar atenção no desenho que passava.Aproximei-me e sentei ao seu lado, passando a mão delicadamente em seu cabelo.— Meu amor, você quer brincar? — perguntei com um
Rosa O dia amanheceu tranquilo, com o sol entrando pelas frestas da cortina e aquecendo suavemente o quarto. A primeira coisa que fiz foi pegar o celular e mandar mensagens de bom dia. Primeiro para Juan, avisando que sairíamos, depois para minhas irmãs e para Christopher. Assim que terminei, me levantei e comecei a me arrumar.Nina e eu saímos cedo e fomos a uma loja adorável de roupinhas infantis. O lugar era um verdadeiro mar de fofura, com vestidos minúsculos pendurados em cabides delicados e sapatinhos brilhantes expostos em prateleiras. A decoração suave, em tons pastéis, parecia saída de um conto de fadas.Enquanto caminhávamos entre os corredores, Nina, com seus olhinhos atentos, pegou um vestido vermelho lindo e me olhou com expectativa.— Mamãe, experimenta um também! — pediu, com a voz doce e animada.Fiquei um pouco desconfortável. Usar vestidos nunca foi um problema, mas a insegurança me invadia sempre que minha prótese ficava à mostra.Você não é mais aquela garota esco
Juan Carlos HernándezAcordei com risadas e uma pequena bola de energia pulando na minha cama.— Papito, acorda! — a vozinha animada de Nina encheu o quarto, e antes que ela pudesse fugir, puxei-a para perto, enchendo-a de beijos. Ela gargalhava, debatendo-se entre risos enquanto eu fazia cócegas nela.— Papito, para, por favor! — pediu entre soluços de riso.— Tá bom, tá bom, parei! — falei rindo junto com ela.Levantei-me e, no mesmo instante, ela pulou nas minhas costas, me fazendo de cavalinho até a sala. A risada dela era música para os meus ouvidos, um som que eu nem sabia que sentia tanta falta até tê-la novamente comigo. Coloquei-a no sofá, fui buscar nossa tigela de cereal e voltamos para assistir Os Padrinhos Mágicos. Às vezes, acho que sou mais criança que ela, mas quem se importa?O tempo passou rápido, e quando vi já era quase dez horas. Dei banho na Nina, tomei o meu e fui para a cozinha decidir o que faríamos para o almoço. Enquanto isso, ela brincava no tapete da sala.
RosaVer Nina correr até a casa da Rosa fez meu peito se aquecer. Mas o sorriso em meu rosto morreu quando a lembrança do pedido dela voltou à minha mente."Papito, posso convidar o tio Christopher para o meu aniversário?"Respirei fundo. Ter outro homem na vida da minha filha não era nada fácil de imaginar. Não porque eu nao quisesse que Rosa fosse feliz em nenhum momento, pensei nisso, mas porque, por tanto tempo, fui o único homem presente na vida dela. E agora, outro estava entrando nesse espaço, tornando-se familiar para Nina, alguém que ela queria ter em um momento especial.Sacudi a cabeça, afastando esses pensamentos, e fui para a cozinha preparar o jantar. Liguei o som, deixando a música preencher o ambiente, e comecei a cortar os legumes, movendo o corpo no ritmo da melodia. Cozinhar sempre me ajudava a relaxar.O celular vibrou ao lado da pia. Peguei-o e franzi a testa ao ver uma mensagem de um número desconhecido. Mas, ao abrir a conversa e ver a foto, sorri. Era Naomi.Na
Rosa FernándezSaí do apartamento do Juan me sentindo péssima. O jeito como ele olhou para mim antes de eu sair... Ele é um pai maravilhoso, e vê-lo se sentindo impotente por não conseguir acalmar a própria filha partiu meu coração.Entrei em casa e fui direto para o chuveiro. Não sei bem o motivo, mas, assim que a água quente deslizou pelo meu corpo, as lágrimas vieram sem aviso. Chorei. Chorei por Nina, por Juan, por mim. Passei boa parte da noite pensando neles, até que o cansaço me venceu.Na manhã seguinte, acordei atrasada. Xinguei mentalmente o despertador e me apressei para sair.— Apareceu a margarida.Revirei os olhos ao ouvir a voz do professor que parecia ter prazer em me provocar. Apenas entrei na sala e me sentei em silêncio. Ele me lançou um olhar crítico antes de continuar a aula.No final, ele me chamou.— Gostei que não trouxe a criança para minha aula.Cruzei os braços, sentindo o sangue ferver.— Se eu trouxe minha filha para aula, foi porque não tinha com quem dei