RosaO despertador vibrou discretamente ao meu lado, e eu abri os olhos devagar. O quarto ainda estava escuro, mas minha mente já estava desperta, tomada por uma inquietação familiar.Hoje não era um dia qualquer.Passei a mão pelo lençol antes de alcançar minha prótese, sentindo o peso frio do metal contra a pele. Mesmo depois de anos, a primeira coisa que fazia todas as manhãs era sentir a ausência.Mas hoje não era dia para me prender a isso.Levantei-me, ajustando a prótese com movimentos rápidos e precisos. Peguei minha bolsa e saí para o apartamento de Juan. O ar da manhã estava fresco, e a rua ainda silenciosa, como se o mundo inteiro estivesse respirando fundo antes de um grande momento.A porta estava encostada, como sempre. Entrei sem fazer barulho, e o ambiente familiar me acolheu. A mesa da sala ainda tinha alguns brinquedos espalhados, e um cobertor infantil estava esquecido no sofá. Pequenos detalhes que me lembravam que, por mais que eu tentasse manter o controle, minha
Rosa Fomos andando com a Nina no meio de nós dois. O caminho até a escola era curto, e a brisa da manhã parecia mais fria contra minha pele do que o normal. Talvez fosse o nervosismo. Meu primeiro dia como professora naquela escola e, apesar da experiência, uma insegurança antiga me rondava. Mantive a postura firme, como se fosse apenas mais uma manhã comum.Quando chegamos ao portão da escola, abaixei-me para dar um beijo na testa da Nina. Juan, sempre com seu jeito protetor, segurou minha mão e a beijou de leve, como se quisesse me passar confiança.— Meu amorzinho, preciso ir até a diretoria primeiro. Você e o Juan vão para o pátio descobrir em qual turma você ficou. Eu te amo muito. — Depositei mais um beijo nela, tentando esconder o aperto no peito.— Boa sorte, Rosa. — Juan me lançou um sorriso de lado e soprou um beijo no ar. — Vai dar tudo certo. Você é ótima, tenho certeza de que vai se dar bem com seus alunos. E, por favor, se acontecer qualquer coisa, me ligue.— Obrigada.
RosaSaí da escola exausta. O dia tinha sido longo, e o peso do cansaço pressionava meus ombros. Mas assim que entrei na sorveteria e os vi sentados na nossa mesa, alguma coisa dentro de mim se acalmou. Como se, mesmo sem perceber, eu estivesse prendendo a respiração o dia inteiro e só agora conseguisse soltar o ar.Cheguei por trás devagar, observando os dois sem ser notada por alguns segundos.A cena diante de mim era estranha e, ao mesmo tempo, acolhedora. Nina, com as perninhas balançando de um lado para o outro, falava animadamente sobre algo para Juan, que, embora parecesse meio perdido na conversa, sorria e concordava com tudo que ela dizia. Era... confortável demais para algo que não era real.Isso me assustava.Ainda assim, não consegui conter o sorriso. Ver eles depois de um dia cansativo me trazia uma luz, uma felicidade que nem sei explicar direito. Era como se existisse um fio invisível me puxando para perto deles. Um laço antigo.— Oi, meus amores — falei, e Nina imediat
Juan Carlos HernándezA semana passou rápido, e quando percebi, já era sexta-feira. Desde que o cirurgião Martins voltou das férias, ele tem tentado assumir todas as cirurgias, como se fosse o único médico capacitado do hospital. Além disso, sua arrogância quase me tira do sério. Estou à beira da loucura com esse cara.Tive que levar ao hospital os papéis do cartório, o que para meus chefes foi uma verdadeira carta branca para me sobrecarregarem com plantões. Afinal, para eles, agora eu sou "casado", mesmo que isso esteja longe de ser verdade.Após uma cirurgia bem-sucedida, me vi preso em mais um plantão noturno. Liguei para o colégio e, em seguida, para Rosa. Falando nela, parece que ela está quase namorando aquele cara. Ou pelo menos eu acho, já que ele a convida para sair o tempo todo. Não posso dizer que estou confortável com isso, mas não há nada que eu possa fazer. No fim das contas, a nossa união estável não passa de um papel – um que meu advogado sabe exatamente como usar par
Juan Carlos Já passavam das oito horas da manhã quando finalmente cheguei em casa. O peso do cansaço estava sobre mim como uma âncora. Meus músculos estavam tensos, minha cabeça latejava, e meu corpo clamava por descanso depois de 48 horas diretas no hospital, sobrevivendo apenas à base de café.Nem tive forças para ir até o quarto. Simplesmente me joguei no sofá, ainda de roupa, sentindo o alívio momentâneo de estar em um lugar familiar. O cansaço me venceu em segundos.Quando acordei, o céu já estava tingido de tons alaranjados. O relógio marcava pouco mais de dezoito horas. O corpo ainda doía, mas agora a fome gritava tão alto quanto o esgotamento.Caminhei até a cozinha, já pensando em pedir uma pizza, quando meus olhos pousaram em um bilhete preso na geladeira. Reconheci a caligrafia de Rosa de imediato."Acredito que você está morto de fome. Não peça pizza, eu fiz uma lasanha à bolonhesa para você. É só colocar no forno. Tem suco de maracujá com hortelã na geladeira. E não se p
Juan Carlos Era bom estar com a Rosa. Eu não entendia o poder que ela tinha de me fazer sentir tão bem, tão em paz. Era como se, ao seu lado, o peso do mundo ficasse mais leve, como se as preocupações se dissipassem por um tempo.Deitado ali, com a cabeça repousando em seu colo, sentia seus dedos deslizarem suavemente entre meus cabelos, um carinho quase instintivo, mas que me acalmava de uma forma que eu não conseguia explicar. Fechei os olhos por um instante, aproveitando aquela sensação rara de tranquilidade.Mas, de repente, senti seu corpo se mover sutilmente, uma tensão quase imperceptível em seus músculos. Me ergui um pouco, observando seu rosto.— Você está bem? — perguntei, notando o jeito que ela franzia a testa.Ela soltou um pequeno suspiro, mas sorriu de leve para me tranquilizar. Então, com movimentos ágeis, levantou um pouco a barra da calça e retirou a prótese da perna, colocando-a cuidadosamente ao lado.— Agora pode deitar. Vai ser mais confortável assim — disse, da
Rosa FernándezA terça-feira começou como qualquer outro dia na escola. Minha aula foi produtiva, e no intervalo, ao invés de ir para a sala dos professores, fiquei em minha mesa, organizando algumas atividades. Durante o almoço, aproveitei para trabalhar com gibis da Turma da Mônica em espanhol. O ambiente estava tranquilo, e eu estava imersa no meu material até que a senhorita Grey entrou e se sentou à mesma mesa.Tínhamos um horário vago, já que as meninas estavam na aula de balé. Continuei focada nos gibis, escrevendo algumas anotações, quando meu celular vibrou. Ao ver o nome de Juan na tela, um sorriso involuntário surgiu em meu rosto.É engraçado… Nunca tive muitos amigos, e, por mais que estivesse rodeada de pessoas, sempre me senti sozinha. Mas com Juan e Nina, tudo era diferente. Com eles, eu sentia um pedaço de algo que já não existia há muito tempo: família.Ligação ON— Oi — atendi, minha voz saindo baixa, mas carregada de carinho.— Oi, Roseta. Você poderia ficar com a N
RosaEu ainda sentia a raiva queimando dentro de mim quando me deitei, mas o cansaço venceu rápido. Em pouco tempo, o peso do dia me arrastou para o sono, e a escuridão me envolveu como um abraço silencioso.A manhã de quinta passou num piscar de olhos, entre as tarefas do dia e os cuidados com Nina. Juan me avisou que teria que fazer plantão no hospital, e, como já era de se esperar, minha pequena não ficou nada feliz com a notícia. Mesmo assim, depois de muita brincadeira e uma chamada de vídeo com o pai, ela acabou pegando no sono, agarrada ao meu braço como se eu pudesse impedir o mundo de tirá-lo dela.Na sexta, assim que acordou e soube que o pai teria outro plantão, Nina ficou completamente desanimada. Ela passou a manhã toda largada no sofá, abraçada a um dos seus ursinhos, o olhar perdido na TV, sem realmente prestar atenção no desenho que passava.Aproximei-me e sentei ao seu lado, passando a mão delicadamente em seu cabelo.— Meu amor, você quer brincar? — perguntei com um