Valentim
Uma palavra era mais que suficiente para me irritar naquele momento. Não, talvez nem precisasse ser uma mera palavra; uma respiração acelerada ou só a presença de alguém que me incomodasse teria o poder necessário para tirar minha paz — e isso era só porque o fim de semana havia chegado sem ver Laura depois do nosso beijo. Imagina se não fosse?Balancei minha cabeça, incapaz de esquecer dos acontecimentos que tiraram minha paz por uma noite toda — e vinha me incomodando desde o dia que a vi pela última vez. Não precisava dizer alguma coisa para lembrar do frescor que senti enquanto os lábios de Laura estavam pressionados contra os meus, me fazendo crer que era muito necessário tê-la para mim o mais rápido possível, senão pirar de vez era uma realidade e, não, uma opção.Levei minha mão até minhas têmporas, as apertando em um movimento lento e contínuo. Por mais que eu quisesse, não estava sendo fácil ignorar a porta trancada que me separava de LauValentim— Desculpe o atraso, mas acabei tendo que resolver alguns assuntos e… — Vicente falou, assim que terminara de se aproximar de nós, me fazendo trincar o maxilar. E o pior era saber que ninguém ali sabia o porquê do meu ódio teoricamente repentino por ele.— E quem disse que nós estávamos te esperando? — falei, interrompendo-o. Ele apenas arqueou uma sobrancelha, como quem não ligasse para minhas palavras. Maldito de um figa!— Que eu saiba, estávamos, sim — H comentou, como quem não entende o que é e o que significa sarcasmo. Revirei meus olhos, lançando um olhar de "você entendeu, não se finja de otário" para ele.— Ok, já chega disso — Mary falou, como quem é a voz da razão. Suspirei, concordando de forma relutante com ela. — Agora só falta o cara dos fetiches, né?— Sim — confirmei, balançando minha cabeça de um jeito afirmativo. — E espero que ele chegue logo. Tenho compromissos importantes para essa noite, por isso, não tenho
LauraSe me perguntassem o que eu mais odiava de fazer quando chegava o momento de sair, com certeza eu diria que era a escolha da roupa; não por ser algo chato — embora trabalhoso, esse rito tinha, sim, seu charme —, o problema, na verdade, estava no fato de eu ter que assumir um estilo que não condizia com o meu na maioria das vezes.Naquele dia isso não era diferente. Depois do beijo quente com Valentim, constatei que eu precisava esconder meu corpo com mais firmeza para não acabar em uma situação onde as feridas presentes nele fossem reveladas mais cedo do que eu gostaria. Além disso, eu já tinha certeza do estilo que eu adotaria para sair naquela noite: seria um look que deixaria o dono do morro encantado e, ao mesmo, não colocaria o que eu escondia debaixo da minha roupa em risco, algo que ele sequer poderia imaginar.Sorri, molhando meu corpo com a água morna do chuveiro. No quarto, uma discussão acalorada entre Emily e Isabel sobre o que eu vestiri
LauraEnquanto as duas mulheres mantinham sua atenção presa nas roupas sobre a cama, minha mente começou a vagar por locais que eu não esperava ir até então. Por um mero segundo, esses devaneios — onde me via em paz pela primeira vez em muito tempo — soaram tão tentadores que quase abdiquei de tudo por eles, mas foi só um quase.Logo a realidade bateu duramente em minha porta, me fazendo lembrar que, por mais que eu quisesse manter aquele sonho de viver amigavelmente com meus "inimigos" para sempre, isso não era possível, não possuía um jeito ainda. Na guerra silenciosa que travávamos todos os dias, só teria um vencedor; este poderia muito bem ser eu ou não. O que realmente iria definir o ganhador seria quem tivesse a capacidade de domar o outro primeiro, e eu, depois de tudo, já me sentia perto de cair nesse abismo profundo chamado de amizade.E eu não poderia permitir isso, por mais que uma parte de mim desejasse tanto.— O que tanto perna, Laur
ValentimSe tem uma coisa que eu aprendi a entender com o tempo era, nunca, em hipótese alguma, questionar uma mulher sobre o tempo que ela irá gastar se arrumando. Por isso, quando Isa me mandou uma mensagem avisando que eu poderia chegar mais tarde, já que elas iriam atrasar, nem me dei ao trabalho de questionar. Só mandei um "ok" e esperei que isso fosse suficiente para não parecer alheio demais, embora já tivesse minhas dúvidas muito antes de clicar para enviar.Por isso, eu me encontrava sentado sobre minha cama macia, me perguntando quanto tempo ainda eu teria que esperar. Dez, vinte, trinta minutos? Talvez mais, talvez menos. Eu não tinha certeza de nada, e isso começava a tirar minha paciência recém adquirida, mesmo que eu tenha a recuperado só após um delicioso banho.Não queria ter que tomar outro para reavê-la novamente.Suspirando, me ergui da cama e olhei para meu quarto. Não era um lugar muito decorado, apenas mantinha-se combinando
LauraTudo era uma questão de interpretação. Essas palavras resumiam muito bem o que qualquer um pensou assim que me viu pisar na boate mais frequentada da Rocinha junto de Valentim, Isabel, Emily e Marcelo. Quem olhasse, podia apenas imaginar que éramos amigos de longa data, conversando e se divertindo como se nada demais estivesse acontecendo por trás dos panos, onde, na realidade, tudo era muito mais complicado do que aparentava ser, por mais infeliz que essa realidade me fizesse ficar.Suspirei, o mais discreta possível. Com meus olhos atentos, tentei procurar por rostos conhecidos em meio às pessoas — principalmente o de Lopes — mas não vi ninguém que merecesse minha atenção. Eram só estranhos, que, hora ou outra, tentavam se aproximar para jogar uma conversa fora, com palavras mais vazias do que qualquer outra que eu já tivesse dito antes — ou quase isso.Balancei minha cabeça, focando minha atenção em só continuar andando. Querendo ou não, isso era
LauraAssim que pisamos na pista de dança, todos se voltaram para nós, deixando meu ego ainda mais inflado do que ele já era. Sorri, passando minhas mãos pelos ombros de Valentim, entrando assim no ritmo da música, que agora não passava de apenas uma batida muito envolvente aos nossos ouvidos.Ele sorriu para mim, um sorriso de lado, safado e muito atraente. Não sei se estava me desafiando com aquele olhar intenso, mas senti até que tentava me induzir a cair de cabeça na dança, por mais diferente que fosse do que eu havia me acostumado nos seis últimos anos. E eu, como nunca rejeitava um bom desafio, comecei a seguir os passos que conhecia — ora rebolando, ora dançando colado a ele. Vez ou outra, mexia em meus cabelos, os jogando de um jeito que sempre capturava o olhar intenso de Valentim para mim, e isso me fazia lembrar da última vez que o tive tão perto e quase acabei jogando a promessa com minha mãe fora.Estar ali, colada a ele, era perigos
LauraBalancei minha cabeça, erguendo meus olhos para encarar um Valentim tão afetado quanto eu. Percebi naquele momento que, como da última vez, nós dois não podíamos ficar no mesmo lugar — sozinhos — ao mesmo tempo. Era um perigo, tanto para minha sanidade quanto para a dele. Por isso, não hesitei em dar alguns passos para trás, com uma ideia tomando controle de minha mente tão rápido quanto a duração do nosso beijo doce e proibido.— Eu preciso de um ar — murmurei, me afastando ainda mais dele. Sem esperar uma resposta, me virei e corri rumo a saída, embora não soubesse se estava mesmo indo na direção certa.As pessoas com quem eu me esbarrava resmungavam, ora xingando ou pedindo por mais cuidado. Em nenhum momento, cogitei pedir desculpas. Não tinha tempo para isso; eu realmente precisava fugir daquilo tudo que estava preso dentro de mim e ousava querer sair.Na verdade, eu só precisava de um motivo para fugir dali, e nunca tivera que ser muit
LauraA primeira coisa que notei após ouvir um tiro sendo disparado em minha direção fora o corpo de um dos meus capangas caindo, sem vida, em direção ao chão; a segunda, por sua vez, foi o ferimento em meu braço, que reluzia escarlate em meio à pouca luz; e, por fim, a cruel verdade que se esfregava na minha cara sobre aquele lugar: ele já não era mais meu lar, e minha cabeça realmente estava a prêmio.Olhei para os lados à procura do atirador, mas a única coisa que meus olhos eram capazes de notar era o líquido rubro que começava a escorrer até meus pés e manchava meus sapatos bejes.Não sei dizer ao certo o que senti naquele momento. Era uma onda de fúria que surgia do meu interior e me fazia ficar vermelha; espanto, dor, incredulidade. Sentimentos e emoções diversas que me faziam querer destruir tudo e a todos, até descobrir o que caralhos estava acontecendo ali.— Mas que…Não consegui terminar a frase. Outro disparo foi ouvido e por pouco não acertou minha perna esquerda. Em um