Valentim
Meu banho nunca fora tão rápido após eu conquistar a glória que conquistei. Por algum motivo desconhecido por mim, eu me sentia novamente um menino, muito animado para ganhar um presente após obedecer sua exigente mãe. E isso soava tão engraçado ao meus ouvidos que não consegui evitar soltar um riso, mesmo que abafado pelo som da água do choveiro.Laura não era minha mãe, não era nada de mim além de minha inimiga mortal. Mas alguma coisa me fazia querer obedecer ela e ver até onde isso poderia me levar. Mesmo que fosse muito bizarro pôr em palavras, isso já estava se tornando um costume que eu tinha certeza que iria abolir da minha vida assim que conseguisse ela na minha cama, bem deitadinha do meu lado — embora a mesma parte que gostava de obedecê-la quisesse continuar com isso sempre um pouquinho mais.Será que eu curtia essas coisas estranhas e não sabia? Estava começando a considerar esse fato.Suspirei, desligando o chuveiro e me seLauraDois longos dias haviam se passado. Os mais parados e sem emoções desde o momento que entrei nesta casa pela primeira vez? Talvez. Não tinha como negar que não havia muito a ser contado sobre esses dias além do segundo sumiço repentino de Lopes. Sim, ele havia desaparecido mais uma vez e eu não sabia se era coisa do Valentim ou se ele estava sendo proibido de vir até a casa principal para me visitar depois de termos sido pegos conversando do lado de fora, em uma cena que poderia ser facilmente mal interpretada.Ah, e por falar naquele dia…Sem conseguir evitar, minha mente vagou pelos acontecimentos posteriores ao meu último encontro com Lopes, indo diretamente para a parte que estava roubando meu sono nos últimos dias, não por ser um problema difícil de resolver, mas, sim, pelo teor indecente que as coisas haviam tomado naquela noite, em meu quarto, na minha cama.Fora por pouco. Eu quase me deixei levar pela química existente entre nós doi
Laura— Eu ainda não estou entendendo — falei depois de um tempo, com a testa franzida. Isabel suspirou, junto de Emily, parecendo pedir em silêncio por paciência para conseguir lidar comigo.— Sério, Laura? Quando você tira para ser sonsa, mesmo que inconscientemente, você se torna um purgante — Isabel resmungou, cruzando os braços com uma expressão descontente em seu rosto.— Nesse ponto eu tenho que concordar — Emily falou, sorrindo de lado. Me senti, por um momento, pega bem no meio de um complô feito exclusivamente para me ferrar.— Vocês estão tentando refrescar minha memória ou o quê? — questionei, perdendo o resto de paciência que possuía. Elas riram, como se meu pequeno ataque de raiva não importasse, algo que provavelmente era verdade.E isso só me fazia querer xingá-las.Mas que filhas da…— Não nos culpe, afinal, você não está colaborando muito aqui — Emily pediu, sorrindo. Senti uma vontade grande de retruca
ValentimUma palavra era mais que suficiente para me irritar naquele momento. Não, talvez nem precisasse ser uma mera palavra; uma respiração acelerada ou só a presença de alguém que me incomodasse teria o poder necessário para tirar minha paz — e isso era só porque o fim de semana havia chegado sem ver Laura depois do nosso beijo. Imagina se não fosse?Balancei minha cabeça, incapaz de esquecer dos acontecimentos que tiraram minha paz por uma noite toda — e vinha me incomodando desde o dia que a vi pela última vez. Não precisava dizer alguma coisa para lembrar do frescor que senti enquanto os lábios de Laura estavam pressionados contra os meus, me fazendo crer que era muito necessário tê-la para mim o mais rápido possível, senão pirar de vez era uma realidade e, não, uma opção.Levei minha mão até minhas têmporas, as apertando em um movimento lento e contínuo. Por mais que eu quisesse, não estava sendo fácil ignorar a porta trancada que me separava de Lau
Valentim— Desculpe o atraso, mas acabei tendo que resolver alguns assuntos e… — Vicente falou, assim que terminara de se aproximar de nós, me fazendo trincar o maxilar. E o pior era saber que ninguém ali sabia o porquê do meu ódio teoricamente repentino por ele.— E quem disse que nós estávamos te esperando? — falei, interrompendo-o. Ele apenas arqueou uma sobrancelha, como quem não ligasse para minhas palavras. Maldito de um figa!— Que eu saiba, estávamos, sim — H comentou, como quem não entende o que é e o que significa sarcasmo. Revirei meus olhos, lançando um olhar de "você entendeu, não se finja de otário" para ele.— Ok, já chega disso — Mary falou, como quem é a voz da razão. Suspirei, concordando de forma relutante com ela. — Agora só falta o cara dos fetiches, né?— Sim — confirmei, balançando minha cabeça de um jeito afirmativo. — E espero que ele chegue logo. Tenho compromissos importantes para essa noite, por isso, não tenho
LauraSe me perguntassem o que eu mais odiava de fazer quando chegava o momento de sair, com certeza eu diria que era a escolha da roupa; não por ser algo chato — embora trabalhoso, esse rito tinha, sim, seu charme —, o problema, na verdade, estava no fato de eu ter que assumir um estilo que não condizia com o meu na maioria das vezes.Naquele dia isso não era diferente. Depois do beijo quente com Valentim, constatei que eu precisava esconder meu corpo com mais firmeza para não acabar em uma situação onde as feridas presentes nele fossem reveladas mais cedo do que eu gostaria. Além disso, eu já tinha certeza do estilo que eu adotaria para sair naquela noite: seria um look que deixaria o dono do morro encantado e, ao mesmo, não colocaria o que eu escondia debaixo da minha roupa em risco, algo que ele sequer poderia imaginar.Sorri, molhando meu corpo com a água morna do chuveiro. No quarto, uma discussão acalorada entre Emily e Isabel sobre o que eu vestiri
LauraEnquanto as duas mulheres mantinham sua atenção presa nas roupas sobre a cama, minha mente começou a vagar por locais que eu não esperava ir até então. Por um mero segundo, esses devaneios — onde me via em paz pela primeira vez em muito tempo — soaram tão tentadores que quase abdiquei de tudo por eles, mas foi só um quase.Logo a realidade bateu duramente em minha porta, me fazendo lembrar que, por mais que eu quisesse manter aquele sonho de viver amigavelmente com meus "inimigos" para sempre, isso não era possível, não possuía um jeito ainda. Na guerra silenciosa que travávamos todos os dias, só teria um vencedor; este poderia muito bem ser eu ou não. O que realmente iria definir o ganhador seria quem tivesse a capacidade de domar o outro primeiro, e eu, depois de tudo, já me sentia perto de cair nesse abismo profundo chamado de amizade.E eu não poderia permitir isso, por mais que uma parte de mim desejasse tanto.— O que tanto perna, Laur
ValentimSe tem uma coisa que eu aprendi a entender com o tempo era, nunca, em hipótese alguma, questionar uma mulher sobre o tempo que ela irá gastar se arrumando. Por isso, quando Isa me mandou uma mensagem avisando que eu poderia chegar mais tarde, já que elas iriam atrasar, nem me dei ao trabalho de questionar. Só mandei um "ok" e esperei que isso fosse suficiente para não parecer alheio demais, embora já tivesse minhas dúvidas muito antes de clicar para enviar.Por isso, eu me encontrava sentado sobre minha cama macia, me perguntando quanto tempo ainda eu teria que esperar. Dez, vinte, trinta minutos? Talvez mais, talvez menos. Eu não tinha certeza de nada, e isso começava a tirar minha paciência recém adquirida, mesmo que eu tenha a recuperado só após um delicioso banho.Não queria ter que tomar outro para reavê-la novamente.Suspirando, me ergui da cama e olhei para meu quarto. Não era um lugar muito decorado, apenas mantinha-se combinando
LauraTudo era uma questão de interpretação. Essas palavras resumiam muito bem o que qualquer um pensou assim que me viu pisar na boate mais frequentada da Rocinha junto de Valentim, Isabel, Emily e Marcelo. Quem olhasse, podia apenas imaginar que éramos amigos de longa data, conversando e se divertindo como se nada demais estivesse acontecendo por trás dos panos, onde, na realidade, tudo era muito mais complicado do que aparentava ser, por mais infeliz que essa realidade me fizesse ficar.Suspirei, o mais discreta possível. Com meus olhos atentos, tentei procurar por rostos conhecidos em meio às pessoas — principalmente o de Lopes — mas não vi ninguém que merecesse minha atenção. Eram só estranhos, que, hora ou outra, tentavam se aproximar para jogar uma conversa fora, com palavras mais vazias do que qualquer outra que eu já tivesse dito antes — ou quase isso.Balancei minha cabeça, focando minha atenção em só continuar andando. Querendo ou não, isso era