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01 - Escolhas são pessoais

TAMARA

A brisa fria da madrugada bateu contra o meu rosto e eu puxei o capuz para o topo da minha cabeça, e com as mangas do moletom abraçando o meu corpo eu fechei o zíper a fim de me manter aquecida mesmo vestindo um shorts jeans.

A rua estava deserta e estranhamente calma, quando na verdade o movimento constante de motos e homens andando por entre os becos e vielas enchiam esse silêncio que agora era presente. Em uma outra comunidade isso poderia parecer algo bom, mas aqui não era. Aqui o silêncio significava perigo e sair agora seria insano, e loucamente suicida, mas eu estava disposta a correr o risco, porque o meu futuro dependia dessa insanidade.

Então eu respirei fundo, tranquei a porta atrás de mim e passei pelo pequeno portão que dividia a fachada da casa com o corredor estreito do beco, onde saímos para a rua principal. Assim que fechei o portão desci pelo corredor que ainda estava um pouco escuro com apenas frestas do quase amanhecer iluminando o muro, e segui em frente parando na saída.

Observei a rua com atenção e guardei meu celular em um dos bolsos do moletom, jogando o molho de chaves dentro de um deles também. E permanecendo com as minhas mãos escondidas, eu virei para a direita, incerta de que caminho tomar. Eles poderiam estar em qualquer lugar.

Quando eu finalmente estava pronta para enrolar a esquina e subir a rua a minha esquerda, pela primeira vez em toda a minha vida eu odiei o fato de estar certa e odiei mais ainda quando o cano gélido de uma arma foi colocada contra o meu quadril, me fazendo erguer os braços em rendição.

— Qual foi, garota, tá panguando no beco porque? — perguntou puxando o meu capuz de um jeito agressivo, brusco, parecendo disposto a qualquer coisa para não me deixar ir muito longe.

Eu não estava com medo. Mas o receio de não conseguir cumprir com o meu objetivo em encontrar um dos amigos do meu irmão era maior do que qualquer coisa, e então, com cautela eu virei para encarar o homem que me mantinha na mira de uma arma de fogo.

— Eu preciso falar com o Darlan, é importante — pedi com a esperança de que ele pudesse me levar até lá, mas ao contrário do que eu esperava ele deu uma risada rouca e logo levantou a balaclava que antes cobria o seu rosto.

— O que é tão importante assim pra tu sair de madrugada atrás de um bandido? — questionou com deboche, e eu acabei me dando conta que estava falando com quem eu procurava.

Já fazia um tempo, e com certeza ele não se lembrava de mim. Mas o fato de eu não ter reconhecido ele foi o seu rosto ter envelhecido, e as novas tatuagens que circulavam os seus braços fortes e se estendiam sobre os seus ombros largos. Ele estava diferente.

— Eu tenho algo a te oferecer, e talvez isso seja do seu interesse... — falei, e ele me encarou erguendo as sobrancelhas parecendo interessado, ou duvidando de que uma garota como eu tivesse algo que o interessasse ao ponto de fazê-lo desperdiçar alguns minutos de sua vida na entrada de um beco qualquer, na madrugada mais obscura da comunidade.

— Eu espero que seja mesmo interessante para mim, ou eu vou ser obrigado a ter que te mandar de volta para casa — pressionando ainda mais o cano contra o meu quadril, ele parou ao meu lado colocando a mão que estava livre no meu ombro, passando o braço pelo meu pescoço — e isso não vai ser nada legal, entendeu?

E eu assenti, engolindo a seco todo o pavor e o desespero que era estar na mira de uma arma.

— O que você acha sobre expandir as vendas para fora da comunidade? — limpando a garganta, eu questionei fazendo ele me olhar de soslaio. E parando no meio fio, ele girou e tirou o braço que estava em volta do meu pescoço, afastando o cano gélido para longe do meu corpo.

— Bom. Você conseguiu chamar a minha atenção, mas ainda não o meu interesse — ele guardou a pistola no coldre e cruzou os braços acima do peitoral — se quer que eu responda a tua pergunta, é melhor ir direto ao ponto. Eu não gosto de joguinhos! — disse, e com um aceno de cabeça ele me fez perceber que não estávamos mais sozinhos.

Em cada laje havia um soldado, os pontos eram estratégicos e eu não teria nenhuma dúvida de que um deles estava com a mira bem no meio da minha cabeça. Eu era um puta alvo humano, e isso não mudaria até que eu o convencesse a ouvir o que eu tinha para dizer.

Eu não queria pagar para ver, então como ele mesmo havia sugerido eu fui direto ao ponto, sem hesitar.

— Eu faço faculdade, e todo final de semana os alunos sempre fazem uma resenha privada — comecei e ele me encarou com os olhos semicerrados — e tudo o que acontece lá dentro, fica lá dentro. Eles são playboys, Darlan, gostam de gastar e pagariam qualquer valor para fugirem da realidade de merda que eles vivem! Imagina o quanto você iria fazer no final de semana, além dos bailes?! — e no final, eu havia deixado ele pensativo com a idéia de dobrar, ou até triplicar o dinheiro do tráfico.

— Tranquilo. Mas e aí, eu vou fazer isso como? — perguntou depois de um tempo, demonstrando interesse em sua postura.

— É por isso que eu estou aqui, quero fazer parte disso. Eu preciso do dinheiro — falei.

Sua expressão de interesse se desmanchou em um sorriso ladino, irônico demais para quem parecia estar levando a sério a minha oferta. Um sorriso zombeteiro, de alguém que estava julgando a minha aparência frágil, que de frágil não tinha nada.

— Não é da minha conta, mas eu não posso deixar de fazer esse comentário — com um aceno de cabeça a ordem foi clara.

Em questão de segundos todos os fuzis estavam fora do meu campo de visão, descansando ao lado dos soldados como um sinal de passividade. Eu não era mais considerada um "problema", agora estava mais para uma solução e pelo visto, ele estava adorando isso.

— Essa não é uma escolha inteligente, sabe disso não é?! — questionou — De universitária rebaixada a traficante de drogas, isso cabe no teu currículo? — ele zombou.

— Você tenta fazer todos os outros desistirem também? — perguntei descendo para o meio da rua — Se eu não soubesse, eu estaria aqui de qualquer forma. Mesmo que algumas sejam ruins, escolhas são pessoais. E você não tem o poder de opinar.

— Sua família deve estar orgulhosa... — zombou mais uma vez, e eu fui obrigada a respirar fundo para não assinar o meu atestado de óbito em um impulso nada inteligente.

— A única pessoa que deveria ter orgulho de mim está morta. Então não, a minha família não está orgulhosa... — e eu parei na sua frente, percebendo como ele queria tirar o foco da minha atenção — Não tenta mudar de assunto, você vai ou não me colocar nisso?!

— Primeiro você consegue o convite, universitária, e depois eu penso numa segunda conversa.

Ele piscou, e com um aceno de mão juntou todos os soldados que estavam espalhados, formando um bondão e sumindo dali por entre os becos da rua a minha direita. E eu havia ficado sozinha, me odiando por não ser firme o bastante para dobrar essa situação ao meu favor.

Eu estava dependendo da boa vontade de um bandido de humor duvidoso e temperamental, e isso pra mim era o fim da picada.

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