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03 - O convite

TAMARA

Com a minha proposta e o seu interesse mútuo ele me conduziu para além dos fundos do Campus, onde salas com obras inacabadas estavam todas enfileiradas uma ao lado da outra em um corredor extenso, como um novo bloco para um curso específico.

Tudo estava totalmente vazio. Materiais deixados ao relento, areia branca espalhada pelo corredor como a imitação barata do calçadão da praia de Ipanema, e de uma forma inusitada, samambaias crescem em cascatas por algumas janelas de vidro no alto das paredes, sinalizando entradas de ar.

Eu nunca tinha ido para além do gramado, mesmo estando com o Dibo, essa zona parecia ser proibida para qualquer pessoa, — nos anos que passei aqui isso tinha sido algo em que eu havia reparado — e quando eu falo qualquer pessoa, quero dizer que os menos favorecidos não passavam do gramado, e isso incluía a mim. A bolsista favelada que não merecia estar aqui, no meio de tantas pessoas de famílias influentes.

A Universidade Castilho & Melo tinha lá as suas preferências e os seus favoritos. O programa da bolsa era só mais uma das cotas, e eu não fiquei tão surpresa quando fui aceita.

Eu não estava mentindo quando disse que não fazia parte dessa sociedade, e que a Drika era como todos os outros.

O único fato de ter conseguido chegar até aqui, além do gramado, foi ter me marginalizado. Com isso, eu acabei pegando um estereótipo que criaram e generalizaram e vesti ele até o último botão, aquele que chega até a gola e te sufoca porque o tamanho daquela camisa não era o seu.

Eu não tinha sido obrigada a nada, estava por minha conta. E se eu havia começado, eu iria até o fim. Mesmo que significasse fazer isso até uma certa senhora aparecer com uma foice, um caderno com todos os meus pecados e um termo para assinar confirmando a minha descida para o inferno. 

Seria ótimo se ela quisesse mesmo avisar, ao menos antes de te golpear e te arrastar com ela para uma viagem sem a passagem de volta.

— O que viemos fazer aqui? — perguntei, no momento em que ele parou na minha frente, bloqueando a passagem.

Ele me olhou de soslaio e o sorriu, a fumaça saindo de suas narinas enquanto o cigarro queimava a medida que ele puxava e soltava o ar, fazendo com que o Marlboro fosse reduzido a uma pequena ponta, pronta para ser apagada com a sola do seu sapato.

— O convite. É o que nós viemos fazer aqui. Não achou que seria tão fácil assim, achou?! — ele virou de frente para mim com as sobrancelhas erguidas observando o meu rosto à procura de alguma expressão que fosse covarde. Receio ou medo, ele não encontrou nenhum deles. Eu estava disposta a fazer isso desde o início, amarelar agora faria de mim uma covarde. 

Afinal, a pior parte eu já tinha enfrentado. O que seria falar com o Giovani, levando em consideração que eu vi a minha vida inteira passar em um loop na minha cabeça quando um fuzil de longo alcance foi posto a mira bem no meio da minha testa?! 

— A parte difícil foi chegar a um acordo com um traficante. Quem o Giovani é na fila do pão?! — questionei, meu tom de voz soando deboche.

Com uma expressão quase sombria, o Dibo me encarou — Ele não é o tipo de quem espera na fila, Tamara. É um sádico filho da puta — e jogando a ponta do cigarro no chão, continuou — e se acha que eu sou o diabo, é porque não conheceu quem realmente é mal de verdade.

A convicção em sua fala me fez ter calafrios. E por um momento eu pensei em desistir de conhecer os segredos mais obscuros que havia do outro lado, apenas para conservar o bem que eu conhecia. Mas desistir iria significar abandonar a faculdade, a chance de ter uma vida melhor, e a oportunidade de saber o que realmente aconteceu com o meu irmão. E eu não poderia jogar tudo isso para o alto, e esquecer que um dia eu fui corajosa ou maluca o suficiente para tal insanidade, quando eu já estava a um passo de ter tudo isso nas minhas mãos.

— Pode desistir se achar que não consegue segurar a onda. Ainda não avançamos a linha... — ele disse dando um passo à frente, chamando a minha atenção — mas quando passarmos daqui, tudo vai mudar. Inclusive a sua vida aqui.

Era insignificante para alguns, mas no chão, uma linha preta dividia o corredor extenso como uma espécie de alerta. E o que mais parecia uma piada, se tornou algo sombrio quando a última porta do corredor bateu em um estrondo horroroso.

Alguém havia sido arremessado porta à fora, atingindo o chão como uma fruta podre, estragada ou madura demais para sustentar o próprio peso.

— Talvez essa seja a nossa deixa, M&M. — ele me olhou dando mais um passo à frente, entrando no território que até então era proibido para mim e me estendeu a mão — Você vem?

Olhei em direção a porta. 

Era simples, começaria por partes e a primeira eu havia acabado de fazer.

Cruzei a linha duvidosa sobre o piso branco.

(...)

— Outro trote que não deu certo, Giovani? — o Dibo surpreendeu o amigo assim que avançamos o corredor extenso até a última sala, onde um dos calouros estava caído no chão com o nariz estourado por um soco cruel.

Era difícil dizer em que momento o Giovani apareceu ali e saiu daquela sala. Quando ultrapassei a linha e atravessei o corredor foi como se tudo estivesse parado, e por uma fração de segundos, tudo virou um borrão na minha cabeça. Eu só estava ali, no meio daquela confusão.

— Se manda daqui, ou eu vou quebrar muito mais que um nariz! — a última frase do Giovani foi clara, e não precisou ser repetida outra vez para que o calouro saísse cambaleando para fora da área proibida.

Observando o garoto sair, o Giovani direcionou o olhar para o Dibo e com um largo sorriso limpou os dedos sujos de sangue na própria camiseta estendendo a mão para um aperto.

— Não é como se fosse uma novidade, Jota. Eles são amadores, — disse, ainda não notando a minha presença ali — se tivessem um pouco da sua crueldade e do meu sadismo, eles já estariam na fraternidade.

— Ninguém é perfeito. — ironizou soltando a mão do Giovani, e ainda segurando a minha, ele me puxou para o campo de visão do moreno a nossa frente — Eu trouxe alguém. Você não vai se arrepender se der uma chance para ela se apresentar.

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