TAMARAA Fernanda me encarava com desconfiança, não só pelo fato que eu estou em uma crise, mas o João nunca fazia questão de andar comigo dentro da faculdade ou em falar com ela. E agora chama-lá para o shopping junto conosco era algo muito suspeito. O João nunca foi um bom mentiroso.— Tamara, você está bem? O que aconteceu? — ela perguntou diretamente a mim, ignorando o loiro que estava ao meu lado. Ela já havia percebido, eu não estava nada bem.A sensação era de que mãos grandes apertavam o meu pescoço de uma forma macabra, era sufocante, e saber que tudo aquilo ali era só a pontinha de um iceberg inteiro, era angustiante.Tudo parecia ser a coisa certa a se fazer, eu achei tudo tão certo no momento em que tomei aquela decisão. Mas agora eu não sei mais se é tão certo assim... porque tudo agora parecia ser tão errado, tão sujo, era humilhante e vergonhoso. Tudo o que eu queria agora era desistir e jogar todas essas coisas para o ar, e sumir. Sumir para todos os outros problemas n
TAMARA— Ele não vai fazer nada com ela, M&M, relaxa! — o João falou assim que parou a moto no estacionamento do shopping, tirando o capacete e estendendo a mão para me ajudar a descer.Eu queria acreditar que sim, que isso seria verdade. Mas foi o João quem disse que o Giovanni era um grande filho da puta, e acreditar que ele não faria nada era o mesmo que acreditar no papai Noel, ou que a fada do dente existe. E ser ingênua não era o meu forte.— Não é legal dizer algo que você não sabe, Dibo. — saltei da garupa sem sua ajuda, e ele soltou um suspiro pesado levando umas das mãos livres para o cabelo loiro, bagunçando o mesmo — E você pode ter certeza que se ele ousar fazer algo com a Nandinha, eu posso ferrar com a vida dele deixando ela mais fodida que a minha.Era uma promessa, e eu esperava não ter que cumprir ela.— Uau, isso me deixou com medo — o loiro foi irônico, o que me fez virar os olhos e ele rir.Tirei o capacete jogando em seu peitoral e o seu sorriso se desfez, dando l
TAMARAO João parou a moto algumas ruas antes da minha, e eu agradeci por não ter ninguém do movimento na rua, naquela hora.Era melhor assim, porque com isso eu evitaria perguntas intimidadoras que fariam o loiro ter mais coragem do que aparentava ter, e o rosto angelical que ele exibe por todo o campus continuaria intacto, já que ele não era do tipo que levava desaforo para casa, seja ele de quem fosse. — Tem certeza que não quer a minha carona? — perguntou pegando o capacete de volta das minhas mãos, disposto a ser o meu motorista particular por mais algumas horas daquele dia.Sem dizer nada, me afastei de sua moto com a sacola em um dos meus braços e segui a rua larga. Eu queria ignorar ele, apesar dele já ter tido uma resposta, mas a insistência era o seu sobrenome. E eu sabia que ele não iria desistir e simplesmente ir embora, como eu esperava que fosse.— Qual é, Tamara, vai mesmo me deixar falando sozinho? — virei para encarar o loiro. Ele estava relaxado sobre a moto, tirando
TAMARAObservei o Darlan sair do meu campo de visão ao descer pela escadinha em frente a casa onde ele estava com os outros dois deixando apenas um dos três que o acompanhavam comigo, e sumir por uma das vielas que desembocavam nas próximas ruas a nossa frente ligando umas as outras. E quando os meus olhos não o alcançaram mais, eu soltei todo o ar preso em meus pulmões como quando a válvula de um cilindro de oxigênio é girada repetidas vezes, para salvar a vida de alguém.— Ele não iria querer te ver aqui. E você sabe disso, não é? — o homem ao meu lado proferiu, agora sem expressar nenhuma emoção ao me encarar com suas íris pretas, não me deixando ver sua dilatação.Seu corpo era alto e esguio, com tatuagens espalhadas por seus braços e ombros largos. Seu pescoço também era tatuado, com um desenho mórbido de uma imensa aranha que descansava em sua teia, a espera de uma presa fácil.Eu queria conseguir respondê-lo, usar a mesma confiança que usei com o Darlan para não transparecer a
TAMARA Acompanhei cada passo seu até ele chegar ao final do corredor estreito, onde o beco que dava acesso à minha casa terminava. Talvez ele estivesse certo. Mas a vingança não traria o meu irmão de volta, assim como não mudaria o fato de que eu já estava condenada a viver o resto da minha vida no submundo do crime, ou à morte de qualquer forma, no momento em que aceitei o acordo que eu mesma propus para o Darlan. Eu não queria admitir que isso havia passado pela minha cabeça, e que, por um mísero segundo, eu pensei em estar aqui só para me vingar de qualquer um que fez o meu irmão sofrer, porque era mais fácil admitir que eu estava precisando de dinheiro do que querer uma vingança que no final seria algo totalmente suicida. Eu não era tão tola, no final das contas. Parado na entrada do beco, ele nem se deu ao trabalho de olhar para trás. Apenas observou ambos os lados da rua e sumiu entre uma esquina e outra, com a missão de me buscar na noite de amanhã para dar início a um cam
Talvez se eu começasse com uma "linda manhã onde eu acordaria com a luz do sol no meu rosto porque esqueci de fechar a janela ontem a noite", a minha história poderia parecer um pouco menos caótica. Mas a verdade é que, a minha realidade estava longe de ser menos. Tudo nela era "mais", e o universo não me poupava da intensidade dos acontecimentos.Tudo começou quando o meu irmão foi encontrado morto numa das valas mais fundas da comunidade. Sem camisa, descalço, e com um tiro certeiro na cabeça. Essa foi a cena que eu presenciei quando precisei ir até lá para a minha ficha cair.Na época, eu ainda fazia o ensino médio e nem sonhava em fazer faculdade. Mas aí o meu irmão apareceu com um panfleto de uma universidade que estava abrindo um programa para bolsistas e insistiu que eu participasse da seleção porque não queria que eu acabasse como ele. Naquele dia, eu não havia entendido o que ele queria dizer. Mas a resposta veio logo depois das suas saídas durante a madrugada, do dinheiro s
TAMARAA brisa fria da madrugada bateu contra o meu rosto e eu puxei o capuz para o topo da minha cabeça, e com as mangas do moletom abraçando o meu corpo eu fechei o zíper a fim de me manter aquecida mesmo vestindo um shorts jeans.A rua estava deserta e estranhamente calma, quando na verdade o movimento constante de motos e homens andando por entre os becos e vielas enchiam esse silêncio que agora era presente. Em uma outra comunidade isso poderia parecer algo bom, mas aqui não era. Aqui o silêncio significava perigo e sair agora seria insano, e loucamente suicida, mas eu estava disposta a correr o risco, porque o meu futuro dependia dessa insanidade.Então eu respirei fundo, tranquei a porta atrás de mim e passei pelo pequeno portão que dividia a fachada da casa com o corredor estreito do beco, onde saímos para a rua principal. Assim que fechei o portão desci pelo corredor que ainda estava um pouco escuro com apenas frestas do quase amanhecer iluminando o muro, e segui em frente pa
TAMARA— Caralho, você está mesmo na merda! Se meter com traficante... jura, Tamara?! — a Drika reprovou na hora a minha escolha, antes mesmo que eu pudesse terminar de contar como foi ter uma arma apontada e engatilhada, pronta para estourar a minha veia femoral.— Não é como se ela tivesse assinado o atestado de óbito, Dri! — a Nandinha interviu, me lançando um olhar solidário.Ela era como eu. Mas, a única diferença era que o irmão dela estava vivo, pagando o curso e todos os materiais possíveis até para uma segunda formação, ou uma segunda pessoa. E o que era irônico demais, era a insistência dela em querer dividir tudo comigo desde o momento em que eu perdi o meu emprego. Eu poderia aceitar só para não fazer desfeita? Sim. Mas eu sempre fui orgulhosa, e quando o meu irmão morreu, o meu orgulho virou uma parede de aço. Impenetrável a qualquer gentileza, e seja ela de onde fosse, a minha resposta sempre era um não. Agora não se tratava mais das passagens ou só dos materiais, era a