Capítulo 3

Luciana entrou apressada na academia. Estivera estudando a lista de passageiros inscritos para a viagem ao Pantanal e o tempo voara.

Era um grupo de trinta pessoas e Luciana tinha que tomar as providências para solicitações especiais. Dois casais, por exemplo, viajavam com os filhos. Ela ia levar alguns lápis de cor e livrinhos de colorir, para distraí-los na longa viagem rodoviária. Como estavam programadas paradas longas, em restaurantes de estrada, valia a pena levar também jogos como dominó e damas. Embora as crianças tivessem seus próprios entretenimentos, como jogos no celular, sempre havia a chance de acabar a bateria. Era bom estar preparada para esses imprevistos.

Um casal de idosos pedira alimentos veganos e algumas pessoas precisavam de um local adequado para guardar seus remédios. Por sorte, o ônibus era bem equipado. Novo, espaçoso, muito seguro, fora a última aquisição da agência. Seu Artur considerava essencial prover um transporte de primeira.

Agora, feliz por não ter se atrasado, Luciana se concentrava nas instruções de Renato, para sua primeira aula de Corpus Body. Nossa, que voz envolvente. Ela não tirava os olhos dele nem por um segundo.

— Esta aula é para iniciantes, então vocês podem utilizar os pesos de dois quilos e depois vão aumentando. Deixem o colchonete e os pesos ao seu lado, para não precisar ir buscar no meio da aula. São quarenta minutos seguidos. Só bebam água no intervalo entre as músicas. Entendido?

— Sim — é a resposta entusiasmada da classe. Parecia um show de rock, pois o Renato contagiava a todos, fazendo com que batessem palmas ao ritmo da música, socassem o ar animados, corressem em volta da sala, enfim, suassem a camisa mesmo.

Depois da terceira música, Luciana não conseguia nem se mexer. Sentou-se no colchonete, sentindo-se destruída.

Renato, que ficava num pequeno elevado à frente da sala, desceu rápido para falar com ela.

— Primeira aula?

— Sim.

— Procure ficar em pé. Se não aguentar fazer os movimentos completos, caminhe ao longo do colchonete e respire fundo. Mas evite sentar — ela só movimenta a cabeça concordando e agarra a mão dele, que a levanta como uma pluma. É a primeira vez que seus olhos se encontram, assim de perto. Ele parece que não vai soltá-la, então sorri largo para ela e volta para a aula.

...

— Então, Lu. Já faz uma semana que você está com seu bonitão na academia. Conte os progressos.

Marina interroga a amiga durante o almoço de domingo, na praça de alimentação do shopping Stores. O estágio dela era em uma companhia aérea localizada dentro do shopping. Por isso fizera boas amizades com outros comerciantes de lá e tinha descontos excelentes. Hoje estavam experimentando umas novidades do restaurante chinês.

— Marina, eu mal vejo o Renato, apenas quando ele está dando a aula, sem qualquer atenção particular a mim.

— Já falou com ele? Contou dos sonhos?

— Nem pensar. O que eu poderia dizer? Avisá-lo de que ele é meu namorado nos meus sonhos? Seria ridículo. Além disso, ele nunca está sozinho. Tem um grupo de umas cinco ou seis pessoas que o segue por toda parte.

— Ah, não pode ser.

— Acho que ele nem percebe a atração que exerce nas pessoas. Não fica nem um minuto sozinho. Eu observei. Principalmente as moças.

— Você tem que entrar nessa competição. Pena que meu estágio é à noite. O shopping fecha às dez, senão eu me matriculava na Sweat Drop para te dar uma força.

— E você ia fazer o que? Me jogar em cima dele?

— No mínimo isso, né amiga? — Marina mexe com ela, enquanto se levantam e se dirigem ao cinema. Iam assistir à matinê e depois passar o fim da tarde arrumando o cabelo uma da outra, na casa da Luciana.

— Ma, falando sério, meu corpo todo dói. Parece que despertei músculos que nem sabia que existiam. Ainda bem que decidi entrar em forma, senão iria passar esse mal-estar lá no meio do Pantanal. O Helinho avisou que tem umas trilhas super puxadas. A Neuraci me disse que meu corpo vai se acostumar dentro de umas quatro semanas.

— Eu não vejo a hora de ver as fotos da minha melhor amiga no meio das onças pintadas.

— Aí seria uma despedida, né Ma? Eu no meio das onças, teria um fim bem trágico.

Riem como sempre, de suas próprias piadas e gracinhas, enquanto entram no cinema que já estava quase cheio.

...

— Sabe que eu não canso de te beijar?

— Bom, você tem um ótimo preparo físico, não é? — brinca Luciana, o que apenas serve para provocar um novo beijo.

— Adoro seu perfume.

Um sacolejo do ônibus, acorda Luciana do cochilo. Percebe que pela primeira vez sonhava com a voz do Renato. Talvez porque agora soubesse reconhecer a voz dele. Desce no ponto mais próximo da Sweat Drop e encontra Renato na entrada da academia.

— Oi — É o máximo que consegue dizer, enquanto encara aqueles lábios, aos quais só tinha acesso nos sonhos.

—- Oi Luciana — Ele sabia seu nome. Queria gritar, dançar, mas estava paralisada de alegria. — Perfume gostoso.

Minha nossa! Como no sonho. Só faltando os beijos. Claro, falta pouco. Ela ri de si mesma e segue atrás dele e de uma turma de fãs, para a aula de Corpus Body. Pelo menos agora ela já conseguia fazer todos os movimentos da aula.

Embora a sala estivesse abarrotada de alunos e Luciana, como sempre, ficasse no fundo para não atrapalhar os mais adiantados, tinha a impressão de que Renato olhava para ela fixamente. Mas não era possível. Ele se movimentava muito, falava com todos, brincava, incentivava. Devia ser impressão sua, influenciada pelos sonhos e tinha que admitir, por sua “paixonite”. Tinha 23 anos e se sentia com 15.

Já tivera namorados antes e não ficara nervosa desse jeito.

Terminada a aula foi até a lanchonete. A mãe ia trabalhar até mais tarde hoje. Preferia comer um lanche na academia, do que jantar sozinha em casa.

Renato aproximou-se do balcão e pediu uma água tônica. Ele estava abraçado a duas garotas e rodeado por mais três, que faziam de tudo para chamar sua atenção.

Foi só o tempo de Luciana dar uma mordida em seu sanduíche e ouviu a voz estridente de uma das garotas abraçada a ele.

— Tem gente que faz aula só para abrir o apetite. Aí fica com uma fome de elefante e devora tudo que aparece pela frente.

Foi uma risada geral. Todos, até os de fora do grupinho a encaravam.

— Depois a gordura acumula naquelas áreas indesejadas. Aí comem em pé, porque não cabem mais nas cadeiras.

Outra explosão de risos. Renato até se dobrava de tanto rir.

Então Lu reparou que as pessoas estavam apenas bebendo isotônicos e mordiscando umas bolachinhas estilo cracker. Só ela devorava um sanduíche enorme.

Saiu de perto deles com calma e sentou-se a uma mesinha de canto. Continuou comendo seu lanche e bebeu todo o suco de laranja. Nunca tivera um problema com seu peso e não ia começar agora.

Tinha uma meta para sua saúde, sua viagem que estava próxima e mesmo para sua sanidade mental.

Não ia se arrastar para esse mundo de condenação às partes do corpo humano e o ódio aos alimentos. Nem dava valor à opinião de pessoas que publicamente ridicularizavam os outros.

Tinha gente assim por toda parte, na faculdade, no shopping, no clube. Não era só ali. Faria o que sempre fez. Ficaria na sua. Porque no fundo, isso se chamava bullying. Pessoas que o praticavam, jogavam baixo, implicavam com qualquer coisa que lhes viesse à cabeça. Luciana, com paixonite ou sem, tinha maturidade para lidar com isso.

No entanto, no fundo, sentia uma decepção com o Renato. Esperava mais dele. Só que a verdade é que ela não o conhecia. Nem superficialmente. Não sabia os fatos mais básicos sobre ele.

Nossa! Como era difícil confessar a si mesma que fora uma tola completa. Terminou o sanduíche, que agora parecia ter ficado com gosto de papel e foi para casa.

...

O dia amanheceu com um sol fortíssimo, típico dos verões brasileiros.

Luciana se espreguiça de leve e encosta no corpo de Renato.

Ele a abraça forte, ainda com os olhos fechados.

— Bom dia, amor. Dormiu bem?

Luciana olha para ele assustada e se afasta na cama.

— Renato, você estava rindo de mim. Me humilhando.

— Eu, amor? Impossível.

— Estava sim, Re. Abraçado a umas garotas, rindo de mim.

— Nunca na minha vida. Vem aqui — abraça-a novamente. — É muito cedo, vamos dormir mais um pouquinho — ele vai falando ternamente, embalando Luciana e limpando as lágrimas que ela não percebera ter chorado silenciosamente, no sono. Ele mexe nos seus cabelos desenrolando os cachinhos.

— Adoro seus cabelos... Filha, o travesseiro está molhado. Você estava chorando? — dona Cida pergunta admirada.

Luciana percebe que a conversa com Renato acontecera apenas no sonho. A realidade era mais cruel, onde ele não se desculpara.

— Acho que estava suando, mãe.

— Pode ser uma gripe. É melhor você tomar um banho quentinho, enquanto preparo leite com mel para o seu café da manhã. Hoje não tenho pressa para chegar ao trabalho. Vim te acordar para avisar que posso te deixar na escola. Ontem quando cheguei, você já estava dormindo. Quero me organizar melhor para termos mais tempo de conversar.

— Obrigada, mãe. — Embora não quisesse deixar a mãe preocupada, contando detalhes de seus desapontamentos amorosos, era reconfortante tê-la sempre tão próxima e carinhosa.

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