Há dois dias o Nicolau, pai do Antony, foi enterrado com honrarias de um homem bom. Nicolau foi o homem que salvou Giovana das maldades de Irma, quando ela ainda era uma adolescente. Essa era uma história que Giovana não conseguiria explicar direito, por achar ironia demais do destino ou sorte, mas sabia que antes do seu pai morrer, fez o Nicolau prometer que cuidaria dela e que daria a própria vida para salvá-la das maldades da própria mãe. E foi o que ele fez em memória e respeito ao melhor amigo. Apadrinhou Giovana, colocou ela para estudar em uma das melhores faculdades e a deu paz e dignidade. Mas a grande surpresa viria depois. Nicolau fez um pedido inusitado a Giovana, que por gratidão, não teve como recusar:
— Case-se com o meu filho Antony – dizia ele.
Na época, Giovana mal conhecia Antony, apenas por fotos ou histórias que o próprio Nicolau contava sobre ele. Antony residia nos Estados Unidos há mais de cinco anos. Estudava engenharia em uma da melhor faculdade daquele país, mas se tinha algo que Giovana sabia bem sobre o rapaz é que era de uma frieza incalculável e uma soberba sem fim.
Nicolau havia salvado Giovana, para que no final Giovana salvasse o filho dele. O propósito desse casamento arranjado era somente esse, e Giovana não recusou o pedido. Casou-se com um homem que também não queria se casar com ela.
Aquilo tinha tudo para dar errado. Antony sabia que para ser o único herdeiro da fortuna de Nicolau, precisaria aceitar o acordo. E ali estavam eles, dois anos depois, prontos para acabar com tudo isso.
— Antony pedirá o divórcio assim que o testamento for lido – Tania, a governanta da casa, que era a mais próxima de Giovana na mansão, a alertou assim que ela pisou na casa, – Esteja preparada, minha querida. Antony não medirá esforços para se livrar de você.
Mas Giovana vinha se preparando para esse momento há muito tempo. Desde quando Nicolau havia ficado doente, ela já sabia que o dia do divórcio se aproximava. Essa não era a primeira vez que ele falaria do disso com ela. Pelo menos as poucas vezes em que conversavam, ele deixava claro o quanto a desprezava. Não havia mais motivos para eles ficarem juntos, a única razão que os uniu estava morta: Nicolau.
— Não se preocupe comigo – disse ela a empregada, – talvez seja até melhor assim.
— A senhora poderá perder tudo e sair desse casamento sem absolutamente nada.
— Não me casei com o Antony por dinheiro – desviou o olhar para o corredor que dava acesso ao escritório, – sendo assim, nada disso me fará falta.
Caminhou apressada pelo corredor, parando bem em frente à porta do escritório de Antony. Desde quando se casou com ele, havia entrado ali apenas duas vezes. Antony não gostava de vê-la andando pela mansão, sempre a recriminava por isso. Sempre fez ela se sentir como se não fizesse parte da sua vida e como se nada daquilo a pertencesse. Seu corpo tremia, apesar do calor que fazia naquele dia. Giovana respirou fundo, tomou coragem e entrou na sala.
Giovana avistou a expressão de Antony se fechar assim que ela cruzou a porta.
— Vamos acabar logo com isso – Antony disse isso sem olhar nos olhos dela.
Giovana queria que aquilo fosse o mais rápido possível. Enquanto o advogado lia o testamento, os pensamentos dela vagavam até o hospital, onde Gina estava, e orava para a irmã resistir até ela voltar.
— Concordamos, senhorita Lens? – A voz aguda do advogado a trouxe de volta, mas Giovana não havia escutado absolutamente nada do que aquele homem havia dito.
— A senhorita Lens não tem que concordar com nada – tomou os papéis das mãos do advogado e os entregou até Giovana, – Apenas assine o divórcio.
Giovana deu um salto da cadeira, ficando tão próxima do marido como há muito tempo não ficava.
— Você me chamou até aqui para a leitura do testamento – indagou ela.
— O que acabou de ser feito – Antony ajeitou o terno, – Nicolau se foi e levou com ele esse casamento. Será que eu já não deixei claro o suficiente que eu não quero mais estar ao seu lado?
— Eu sabia que esse dia chegaria – seus olhos caíram sobre os dele, agitados.
— Você não quer permanecer casada com um homem que você odeia – as palavras de Antony soaram indiferentes e não mostravam nenhum sinal de preocupação, – Vamos acabar logo com isso, Giovana.
Mas ela não odiava, mesmo que muitas vezes tenha dito isso. Sem ter ideia do que se passava na mente dele, Giovana considerou concordar, e mesmo que ela costumasse ser obediente a todas as ordens de Antony, embora discordasse do fundo do coração, aquela ordem ela se recusava a obedecer.
— Preciso voltar para o hospital – Antony mirou nos olhos dela, extremamente frios, e Giovana pôde sentir que algo muito ruim estava prestes a acontecer, – podemos deixar o divórcio para depois?
Ela virou as costas, coisa rara, e já estava pronta para ir embora, quando ele a segurou pelo braço com força e a puxou, fazendo Giovana se encolher de dor e medo.
— O que você quer ouvir? – Ele vociferou, zombado da fraqueza de Giovana, – Acha que eu não me divorciaria de você, por consideração ao Nicolau?
Essas palavras a atingiram com força. Giovana sabia que contrariá-lo o deixaria furioso, e ela conseguia ver isso no seu rosto sombrio e fechado.
— Eu não acho nada, Antony, eu… – ela se encolheu ainda mais, quando Antony enfim a soltou, – Gina não está bem, e ela precisa de mim agora.
— Giovana, não arrume mais desculpas – franziu a testa e estendeu novamente o papel do divórcio a ela.
O seu tom deixava claro que nenhuma negociação era permitida.
Antony realmente não tinha ideia de que a Gina estava em estado grave no hospital, esperando apenas uma transfusão de sangue de Giovana para ser salva. Ele não sabia e não tinha interesse em saber. Giovana tinha consciência que ficar ali gesticulando com ele, só a faria perder mais tempo, e a vida de Gina corria riscos.
Como um ato de desespero, Giovana, enfim, pegou os papéis e assinou o divórcio.
Ela só desejava voltar ao hospital e salvar a sua irmã.
Antony observou a assinatura dela, enquanto Giovana observava a reação dele. Seus olhos negros se estreitaram como se estivesse zombando do que havia acabado de fazer.
— Não foi tão difícil assim – essas duras palavras quase a deixaram sem rumo, – Agora saia daqui.
Giovana ficou atordoada. Antes que pudesse reagir, viu Antony sair do escritório. Só então ela pegou sua bolsa e saiu logo em seguida. Não tinha tempo para se lamentar nem para se arrepender do que acabara de fazer.
Caminhou apressada de volta para o prédio, onde a irmã estava internada. Olhou no relógio percebendo que três horas já haviam se passado desde que ela foi se encontrar com Antony. Será que era tarde demais?
Os pensamentos de que Gina não resistiria invadiram a sua mente. Enquanto caminhava de volta em direção ao quarto onde Gina estava, percebeu que Irma já não estava mais lá. O quarto estava vazio. Perguntou para a enfermeira que arrumava a cama para onde a paciente havia sido levada.
— Gina foi levada para a UTI – informou.
O coração dela explodiu mais uma vez. Giovana não queria vê-la morta. Correu pelos corredores do hospital, como se procurasse uma saída. Quando avistou Irma em desespero. Tinha as mãos repousadas no rosto e gritava desesperadamente.
— Onde está a Gina? – Sacudiu a mulher em uma reação de desespero, mas Irma não respondia, apenas berrava.
— Eu sinto muito – disse o médico que estava ao seu lado, mas que por algum motivo ela não havia percebido, – A Gina acabou de falecer.
O silêncio ensurdecedor foi o que a atormentou logo em seguida. Um pesadelo silencioso.
Gina morreu.
A culpa era toda de Giovana
Gina Morreu. Essas palavras pareciam o remédio perfeito para enlouquecer Giovanna de vez. Ela colocou as duas mãos na cabeça e sentiu como se aquilo não fosse real. Uma moça jovem, que tinha sonhos, se foi. E a culpa de tudo aquilo era apenas dela, e da sua incapacidade de enfrentar o próprio marido. Se tivesse sido só mais um pouco corajosa uma única vez, Gina ainda estaria viva. As lembranças de dois dias atrás, quando deu adeus ao Nicolau, invadiram a sua mente. A dor imensurável, a perda de um homem que havia lhe salvado, ainda destruía seu coração. Agora se misturavam com a dor de perder a irmã. — O que você tinha de tão importante para fazer, que não pode salvar a Gina? – Irma, agora com a maquiagem borrada, segurava pela blusa de Giovanna com força, mas o terror estava em seus olhos, – Por que você foge quando as pessoas mais precisam de você? Como se a dor a calasse, ela não conseguiu dizer mais nada. Irma ainda berrava, mas ela não era a única a se sentir assim. — Des
Era uma manhã chuvosa. Giovana estava parada na janela do hotel onde havia se hospedado no dia anterior. Por pior que pudesse estar se sentindo, ela sabia que precisava ser forte e encarar a realidade. Estava sozinha, sem marido e sem a única família que tinha. Gina estava partindo. Enquanto se vestia para ir ao funeral da sua irmã, imaginou encontrando-se com Antony no cemitério. Giovana já havia imaginado a cena em sua mente. Ele a surpreenderia diante do caixão, fingiria que não se importava, abraçaria Irma e partiria. Podia até sentir o desprezo correr pelas suas veias. Mas, no fundo, ela não acreditava que ele iria até lá. Antony nunca se importou com nada que envolvesse a vida dela durante aqueles três longos anos de casamento, certamente não se importaria agora. Os portões do cemitério estavam abertos. Ela correu os olhos por meia dúzia de veículos estacionados, procurando pelo carro de Antony, e ficou sem fôlego quando não o viu. Antony não estava ali. Pensou nos anos de s
Largando o celular no assento do sofá e jogando a cabeça para trás, Giovana mal conseguia acreditar naquilo que acabara de ler nos jornais. Seu rosto estava estampado em vários perfis de redes sociais como a ex-mulher do bilionário Antony. Muitos deles gesticulavam uma traição da parte dela. Aquilo fez o sangue de Giovana ferver. Já havia uma semana desde o divórcio, que ela havia se enfestado na casa que Nicolau havia dado a ela, e não saiu de lá para quase absolutamente nada. Ainda sentia a dor da perda de Nicolau e Gina. Era como uma faca cravada no seu peito, que doía, mas não sangrava. Os armários estavam cheios de comida. Xavier o havia entregado uma casa limpa, organizada e abastecida para dois meses no mínimo. Giovana certamente não teria muito com o que se preocupar, mas a sua paz havia terminado naquela manhã. Sua reputação estava em jogo. Além das notícias de que ela era uma traidora, ainda circulava pela internet um depoimento da própria Irma, acusando-a de assassinar a
— Você tem alguma notícia da Giovana? – Antony direcionou a palavra até a governanta, sempre com um tom autoritário. — Não, senhor – abaixou a cabeça “desde quando ela se foi, nunca mais conversamos”. — Eu espero que você não esteja mentindo para mim, Tania – com um olhar gélido e um tom de voz seco, ele comunicou – eu não terei nenhum receio em demiti-la. Aquelas palavras fizeram a governanta estremecer. Ela até tentou jurar pela própria mãe que falava a verdade, mas com uma arrogância que poucas vezes ela havia visto em alguém, foi deixada para trás, falando sozinha. O que fez a empregada entrar em desespero. Antony se trancou no escritório. Sua cabeça doía todas às vezes que ele pensava nos problemas que Giovana vinha lhe trazendo depois da separação. Ele jamais imaginou que Nicolau conseguisse oferecer cinquenta por cento das ações da empresa a ela e fazer isso se tornar público só depois que ele já havia assinado o divórcio. Era como se Nicolau previsse os passos de Antony. C
Matteo disse alguma coisa e Giovana sorriu, as palavras se perderam no rumor. Ao fundo, por cima dos ombros dela, viam-se apenas algumas pessoas caminhando pelas calçadas. A presença de Matteo trazia tanta paz, que Giovana até havia se esquecido que estava gravida. Droga, eu estou gravida! Ela se lembrou. Esse fato quase estragou o resto. — O que você disse? – Ela realmente não havia escutado as palavras dele. — Se gostaria que eu a acompanhasse até em casa. O que pareceu uma oferta irresistível para Giovana, mas arriscada demais. — Não quero parecer intrometido – ele sorriu – mas estou realmente querendo ser gentil e me certificar que você chegará bem em casa. Será que aquilo era real? Giovana indagou. Quem encontraria um homem bonito e romântico assim, solto pelas ruas? Matteo era certamente casado, e Giovana estava fugindo de problemas. — Eu agradeço a sua preocupação Matteo – ele suspirou – mas não precisa. Ela o avaliou com cuidado e percebeu que Matteo não usava uma ali
Antony ordenou a secretária:— Marque uma reunião com a Giovana.Valéria usava um terno cinza que deixava a cor do seu batom em contraste. A mulher franziu o cenho, confusa e irritada com aquele pedido.— Não entendi, Senhor – fez-se de desentendida.— Qual foi a parte de marcar uma reunião com a Giovana que você não entendeu? – o tom de voz seco constrangeu a mulher.— O que eu não entendi é como eu vou achá-la, senhor – limpou a garganta, abaixando o olhar. Era incapaz de olhar nos olhos de Antony por muito tempo –, eu não entendo o que a sua ex-mulher teria a ver com a empresa.— Você não é paga para entender as minhas decisões, precisa apenas obedecê-las – se levantou e pegou um cartão, entregando à mulher – Ligue para o Xavier e marque a reunião com ele. Xavier sabe onde encontrar a Giovana.Valeria segurou o cartão confusa e, ao mesmo tempo, furiosa. Quem olhasse para ela e analisasse bem seu comportamento diante de Antony, perceberia imediatamente que a secretária era apaixonad
Giovana acordou com o vibrar insistente do celular sobre a cabeceira da cama. Aquela já era a terceira vez que a ligação estava sendo ignorada. Quando, enfim, decidiu atender, se arrependeu imediatamente quando ouviu o que Xavier tinha para te dizer.— Peça ao Antony ir para o inferno.Era claro que os seus insultos não eram direcionados ao Xavier, mas quando ela encerrou a ligação brutalmente, acabou ofendendo-o também.Quando indelicadeza da parte dela.Levantou-se sentindo que o seu dia não seria dos melhores. Sentia-se extremante irritada com a insistência de Antony em vê-la. Quando estavam casados, Oliver raramente direcionava palavras a ela. Mantinha-se sempre distante e inalcançável. Agora que ela finalmente estava livre dele, ele a procurava incansavelmente.Mas Giovana sabia que esse momento chegaria. O reencontro com Antony deveria acontecer. Ela só queria um pouco de tempo para se preparar.Enchia uma xícara com café quando o celular vibrou novamente. Grunhiu desapontada. P
O aroma do ambiente ainda era o mesmo. A música que tocava ao fundo trouxe com suas notas musicais a nostalgia que quase nocauteou Giovana. Seu corpo estava rígido e seu coração acelerava a cada passo que ela dava em direção à mesa. As veias azuis na testa de Giovana latejavam. Naquele momento ela percebeu que ainda amava Antony, e o pior de tudo foi perceber que sentia falta dele.Com um sorriso frio no rosto, Giovana olhou para Matteo que puxava uma cadeira para que ela se acomodasse. Logo o gerente do restaurante apareceu sorridente, feliz por ver Giovana novamente.— Estou muito feliz em revê-la senhora, – era claro que ele tentava ser discreto, mas acabou falhando miseravelmente, – achei que nunca mais a veria depois do divórcio.Com isso, ela olhou involuntariamente para os olhos brilhantes de Matteo, sabendo que ele podia ver o terror no seu semblante. Matteo podia ler cada movimento sutil dela. Giovana apenas sorriu e olhou para cima, na direção do gerente.— Estou feliz em re