Ingênua

Chiara

Hoje, percebo o quanto fui ingênua e negligente durante todos esses anos, desfrutando das benesses sem sequer considerar de onde vinham ou por quê. Agora, as respostas que eu nunca busquei estão sendo jogadas na minha cara, e eu me sinto completamente perdida.

Meu celular tocou, exibindo o número de Rafael. Se fosse em qualquer outra circunstância, eu teria atendido a ligação ansiosamente. Porém, agora, eu apenas assisti a chamada se transformar em caixa postal. Eu não sabia o que dizer a ele.

Seguir em frente com meu desejo de me casar com Rafael significaria abrir mão de minha estabilidade financeira. Poderia fazer isso, mas tínhamos planos de construir um negócio juntos. Apenas pensar nisso apertava meu peito, uma dor profunda.

Rafael, meu amor. Ele era lindo, gentil e carinhoso, tudo o que eu sempre sonhei. Após anos de solidão, apenas com Henriqueta ao meu lado, ele preencheu os vazios em minha vida.

A raiva tomou conta de mim novamente. Vittorio Castellani, o homem que eu desprezava, estava mais uma vez desfazendo meus sonhos e planos. Recordar que, quando o conheci aos dezesseis anos, achei-o fascinante e imponente, deixou-me com um gosto amargo.

Eu aguardei ansiosamente por seu retorno, mas ele não apareceu nos três anos que se seguiram. Ele foi designado para cuidar de mim, mas não se importou em verificar pessoalmente como eu estava. Acompanhei-o pela mídia, sempre cercado por mulheres bonitas. Vittorio era um mulherengo, e eu não passo de um estorvo para ele.

A frustração e a raiva dentro de mim atingiram um ponto de ebulição. Sem pensar duas vezes, levantei-me da cama e entrei em meu closet com uma determinação furiosa. As roupas penduradas e arrumadas cuidadosamente em cabides pareciam zombar de mim. Com um movimento de desafio, arranquei as peças uma a uma, lançando-as desordenadamente no chão.

Fui implacável, agarrando cada peça de roupa, cada lembrança de minha vida privilegiada, e jogando tudo no chão com uma mistura de desespero e rebeldia. Camisetas, vestidos, calças caras e sapatos elegantes formaram uma confusão caótica em torno de mim. 

Mas, no meio desse caos, uma ideia começou a se formar em minha mente. A raiva e a determinação se transformaram em um plano ousado. Peguei uma mala do canto do closet e comecei a selecionar algumas peças de roupa com uma intensidade fervorosa. Cada peça escolhida representava minha independência e minha vontade de tomar minhas próprias decisões.

Enquanto dobrava minhas roupas selecionadas e as colocava na mala, minha mente estava tomada por uma clareza impressionante. Eu não iria me submeter às ordens de Vittorio Castellani, um homem que não tinha nenhuma relação real comigo, exceto pelo fato de ser o responsável legal que apareceu do nada. Ele não tinha o direito de governar minha vida e minhas escolhas.

Eu estava decidida a agir. Peguei meu celular e disquei o número do Rafael. Ele atendeu após alguns toques, sua voz me acalmando instantaneamente.

—Meu amor, estava com saudades de ouvir a sua voz — Rafael disse em tom carinhoso

— Precisamos conversar. Agora — declarei, minha voz soando firme e decidida.

—Claro, onde você está? Eu vou até aí — ele respondeu prontamente.

— Não, Rafael. Eu vou até você. Estarei aí em breve — respondi, minha determinação refletida em cada palavra

Desliguei o telefone e fechei a mala com um estrondo. Meu coração estava acelerado, mas eu me sentia viva. Peguei a mala e saí do quarto, descendo as escadas com uma determinação que eu nunca havia sentido antes.

Henriqueta me olhou com surpresa quando passei por ela em direção à porta da frente. 

— Onde você está indo, Chiara? — ela perguntou, preocupada.

— Vou sair por um tempo, Henriqueta. Não se preocupe, eu estarei bem — respondi, tentando acalmar sua preocupação.

Eu não tinha certeza de como tudo isso iria se desenrolar, mas uma coisa era certa: eu não iria mais ficar à mercê das decisões de Vittorio. Eu estava determinada a reivindicar minha independência e a lutar pelo meu próprio destino.

— Essa não é uma boa ideia — Henriqueta parecia realmente acreditar que não — Não pode desafiar o senhor Castellani dessa forma, menina.

— Se você tem medo dele, eu não tenho nenhum pouco. Até mais.

Fui até a garagem e escolhi um dos carros que estavam disponíveis. A minha mãe colecionava carros e tínhamos seis carros, algo que sempre me chamou atenção. Sem falar no fato de ela sempre estar trocando de modelo. As cores também, sempre eram bastante variadas. Eu até mesmo cheguei a comentar que ela parecia estar tentando enganar algum investigador, mas ela apenas riu e eu não pensei mais sobre esse assunto. Agora aquele detalhe novamente estava em minha mente.

Pensava sobre isso quando cheguei ao enorme portão da propriedade e aguardei que um dos guardas liberasse a minha saída, algo que não aconteceu. Esperei cinco minutos contados. Abri a janela, mas nenhum deles parecia notar a minha presença.

— Qual o problema? — Perguntei em voz alta, me fazendo ouvir mesmo a distância — Por que ainda não abriram o portão?

— Ordens do senhor Castellani. 

Não é possível! Vittorio não tem palavra? Ele disse que eu poderia tomar as minhas próprias decisões e agora pretende me prender dentro da propriedade?

— Ele não pode me prender aqui! — Gritei com descontrole — Isso é cárcere privado!

Além do guarda que expôs as ordens do seu patrão, também estavam mais dois homens; Um deles se aproximou mais do veiculo e me encarando com uma expressão de seriedade extrema, ele explicou:

— Na verdade, o senhor Castellani não proibiu a sua saída, senhorita. Pode sair quando desejar. Mas…

— Então abram o portão! — Gritei, o interrompendo.

O homem mostrou o seu desagrado com a interrupção, me encarndo com um olhar visivelmente contrariado. Somente neste momento me dei conta do quanto os seguranças da casa parecem… perigosos.

— A senhorita pode sair. Os carros, não.

Encarei o guarda com incredulidade. Então, eu não posso usar nem mesmo um dos carros? Haha! Se Vittorio pensa que isso me fará mudar de ideia, ele está muito enganado. 

— Não tem problema — falei para os homens, já descendo do carro e pegando a mala no banco de trás — Eu vou chamar um táxi.

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