"Maila"
Já é quase meia noite e estou treinando na academia da famiglia. Isso mesmo treinando. Acho que faço isso quase todas as noites por falta de sono desde meus quinze anos quando tudo aquilo aconteceu na minha vida me levando a ter essa vida de coruja.
Pego a toalha que está em cima do braço da cadeira de descanso e seco o suor que escorre pelo meu rosto depois de tantos chutes e socos no saco de areia.
Nao adianta, por mais que tente sorrir e parecer normal na frente das pessoas que amo, nunca mais fui normal depois daqueles dias infernais.
Esses pesadelos me assombram todas as noites, mesmo com os remédios pra dormir ou o cansaço acumulado, quase nunca tenho uma boa noite de sono, e quando tenho é porque estou muito bêbada ou quando estou com ele.
Subo as escadas para dar uma corrida nas esteiras antes de encerrar a noite. Olho as outras pessoas na academia e sorrio quando me cumprimentam, antes fazer isso era tão simples, mas agora parece uma coisa boba e sem motivo. Se sou falsa? Não.
Mas as vezes quero não ter que olhar pras pessoas ou corresponder suas expectativas, mas o mundo parece sempre esta olhando pra mim e isso me cansa.
Ter essa dor dentro de mim me faz pensar que os outros nunca vão me compreender, não importa o que eu faça ou deixe de fazer, mas isso não me da motivos para descontar nos outros ou ficar com raiva de tudo e do mundo, só que isso passa pela minha cabeça de vez em quando.
Saio da esteira depois de mais dez minutos correndo, subo as escadas que dão para a sala principal da sed da máfia e dou de cara com Maick sentado no grande sofá da primeira sala.
Passo por ele indo pegar algo diferente pra beber, abro o pequeno frigobar pegando uma garrafa pequena de suco, quando vou passar por ele de novo escuto sua voz e paro.
-Sabia que ia te encontrar aqui. -ele sorri de lado, esse sorriso me mata. -Sua mãe está doida atrás de você.
-Disse que ia vim malhar. -passo por ele que segura meu pulso me puxando de volta para que eu olhe pra ele.
-Não precisa ficar com essa máscara fria pra mim. Nos dois sabemos o motivo de você estar aqui. -ele me puxa para seus braços me fazendo sentar em seu colo e sinto o cheiro gostoso do seu perfume uma mistura doce, que me deixa desnorteada e confortável.
-Isso é uma merda. -murmuro mas sei que ele ouviu pois começa a fazer carinho em meus cabelos que estão soltos em minhas costas.
-Porque minha vida não podia ter sido um pouco normal? Será que é pedir muito? -sussurro comigo mesma, e enlaço meus braços em sua cintura.
-Calma, vai ficar tudo bem bonequinha. -o apelido que ele me deu quando eu era criança sempre me deixa sem graça, mas me faz bem quando ele me chama assim.
Antigamente podia até dizer que me parecia com uma boneca mas agora acho que estou mais para algo bem mais cabuloso, um espantalho velho e desarrumado.
Meus cabelos loiros avermelhados estão mal cortados e emaranhados, minhas roupas são dois números maiores que meu corpo, roupas masculinas para ser mais exata e faz anos que não cuido da pele.
-Vem, vou te colocar pra dormir. -ele se levanta e me puxa rumo aos quartos que tem aqui, esses quartos são para quem vem de missões e acaba por ficar aqui por algum motivo.
Raramente acontece das pessoas saírem daqui pra falar a verdade, aqui é praticamente a segunda casa de todos. Como posso dizer um abrigo para quem está desesperado? Acho que posso colocar dessa forma. É pra cá que sempre venho quando não consigo dormir por causa dos pesadelos.
Na grande maioria das vezes quem me resgata dos meus pesadelos é Maick, isso desde que Diogo desapareceu e Seb casou com Laura.
Quando eu saio de casa tarde da noite sem avisar ninguém, sempre é pra ele que eu ligo primeiro, pra ir me buscar em algum lugar aleatório que fui parar depois de andar sem rumo.
Mas nos últimos tempos minha mãe que corre atrás dele para saber de mim, ou pede que ele fique de olho em mim para que eu não faça nenhuma besteira como a da última primavera.
-Você precisa de um banho e depois cama. -ele diz já tirando meu blusão pela minha cabeça sem nenhuma dificuldade, ele já me me deu banho várias vezes nesses últimos cinco anos.
-Toma banho comigo hoje? -pergunto e ele só concorda sem nem pensar duas vezes.
É sempre assim, ele cuidando de mim e eu sempre fugindo dele logo em seguida, desde quando aconteceu todas aquelas coisas não consigo mais te-lo para mim, mesmo querendo muito não acho que posso tê-lo.
Me sinto quebrada demais para ficar com ele, talvez nunca va me sentir bem novamente para ficar junto dele.
Terminamos de tirar as roupas e entramos no banheiro ele liga o chuveiro e a água quente cai no chão fazendo um vapor subir e finalmente encaro seus olhos.
-Somente nos dois para sempre. -digo levantando o dedinho no ar como fazia quando pequena, ele sorri de lado e levanta o dedinho enlaçando no meu.
-Somente nos dois para sempre. -diz, é sempre bom escutar ele falando isso, mesmo que amanhã eu queira ouvir de novo e de novo, porque eu o amo mais que a mim mesma, mais que meu coração possa aguentar.
Mas sei que se ele ficar comigo só vou magoa-lo com esse meu jeito quebrado de agir e pensar, mesmo que eu queira estar com ele sei que ele merece coisa melhor que eu, uma pessoa que está quebrada.
Não sei quando esse sentimento começou, mas sei que esta aqui tem muito tempo, um amor que jamais irei entender ou conseguir controlar, um que me domina por inteiro e me faz querer ficar longe.
Quando toda aquela situação aconteceu comigo cinco anos atrás ele foi o que mais se afastou de mim, talvez por se sentir culpado pelo ocorrido, mesmo não sendo culpa dele.
Mas ele também foi quem mais me ajudou na minha recuperação depois do incidente, quando eu não quis que ninguém me visse daquele jeito ele me escondeu e cuidou de mim com todo zelo e carinho.
Fiz de tudo para mante-lo por perto naquela época porque ele era meu seguro, por um tempo eu consegui, mas de um tempo para cá ele tem me afastado cada vez mais, principalmente depois que Diogo foi dado como morto. Ou sera que sou eu que estou me afastando cada vez mais? Nem mesmo eu sei dizer o que tem acontecido.
Não consigo entender, se ele me ama porque me afastar, porque?
O banho não demora muito, ele me lava com carinho e quando terminamos me seca, não consigo falar ou olhar para ele, mesmo que queira perguntar tudo que esta entalado na garganta, não consigo.
Tudo que consigo sentir é vergonha desse meu corpo, um corpo imperfeito, cheio de falhas, vergonha de tudo que me tornei depois daquele incidente.
-Vamos para a cama... -ao invés de me deixar ir andando me pega no colo e caminha comigo de volta ao quarto, ambos pelados.
Por mais que tenha vergonha, não há mais nada para esconder, ele já me viu por inteira e ja sentiu cada parte de mim. Nos tornamos um e depois nos separamos.
Ele me coloca na cama grande e se afasta até o armário no canto da parede pegando uma camisa grande, fico observando suas costas largas, as cicatrizes que ele conseguiu por minha causa.
Engulo em seco, não consigo mais conter as lágrimas que teimam em descer pelo meu rosto. O que me mais me machuca é saber que depois daquele fato todos me tratam como se eu fosse quebrar a qualquer momento, o que pode ser verdade.
Mas talvez eu nunca tenha sido concertada para poder quebrar. Pois talvez eu ainda esteja completamente quebrada e sem nem ao menos saber por onde começar a consertar.
-Ei, estou aqui com você... -sinto seus dedos secando minhas lágrimas, em seguida beijos por meu rosto, olho dentro dos seus olhos.
A minha salvação foi saber que ele estava comigo mesmo que eu esteja quebrada, destruída. Somente saber que ele ainda está aqui me deixa de alma e mente limpa.
-Eu... -se dizer isso agora, irá fazer alguma diferença? Ele irá parar de me afastar? Iremos nos entender? Acho que não. Engulo minhas palavras mais uma vez.
-Vem, irei ficar com você até que durma. -ele veste a camisa em mim e me puxa para junto do seu corpo nos deitando na cama, minha cabeça apoiada em seu peito, rodeio seu pescoço com meus braços para impedir que ele se afaste.
O lugar onde sempre consigo ter paz, escutando essas batidas lentas se acelerando com meus toques, o lugar para o qual sempre volto após uma longa batalha interna e um cansaço sem fim.
É aqui que quero ficar para sempre, mesmo que ele não me queira mais, mesmo que isso me cause dor. Sempre irei procurar por seu carinho, seu olhar, seus braços, sempre irei procurar por ele, mesmo que essa procura nunca acabe.
Não porque preciso de proteção, mas sim porque preciso sentir algo alem de dor, preciso sentir o amor que sei que ele tem por mim, mesmo que seja um amor de irmão.
Preciso saber que ainda consigo viver, somente por escutar essas batidas lentas se acelerando, saber que ainda sou amada por alguém alem de minha família.
Mesmo que me falte um pedaço, mesmo que eu nunca mais seja a mesma, só quero senti-lo por perto. Tê-lo em meus braços somente mais um pouco antes que possa estar longe, tão longe que ninguém consiga me alcançar.
✔♥✔
"Maila"Olho a claridade entrando pela janela, passo o braço pela cama e sinto o vazio, ele já foi embora. Me sento na cama passando a mão nos cabelos frustrada, sempre assim, sempre vai embora sem se despedir, me deixando um vazio no peito e na alma.Me levanto indo até a janela, o movimento lá embaixo já é frenético, viro a cabeça para olhar a hora, dez em ponto, vou ao banheiro para escovar os dente e dar um jeito em meu cabelo rebelde, nem quero arrumar, não estou no clima pra nada.Me olho no espelho vendo as olheiras em baixo dos olhos, as vezes eu acho que estou cada vez mais fundo dentro de mim, nem mesmo me reconheço mais, de uma menina cheia de vida e saúde, pra isso.Parando pra pensar, já fui muito mais feminina, mas agora, cada vez que me visto de forma feminina e atraente, vejo aqueles olhares me olhando, me sinto como um pedaço de carne ambulante.Não sei se isso começou na primeira vez que fui sequestrada ou se foi na segunda, mas desde
"Maick"Sempre que a vejo forçando um sorriso me quebro por dentro. Aquela menina feliz e brincalhona já não existe mais, tudo que vejo é uma casca vazia que anda por aí sem rumo ou direção.Ela dorme em meus braços, seu rosto parece tão magro, sem sinais de que tem se cuidado direito, mais uma vez ela está se afastando de todos e se afundando em si própria.Quando isso vai parar? Já faz cinco anos, talvez até mais. Quando você vai voltar a ser minha menina travessa, aquela que nunca deixa ninguém em paz ou que some e aparece cheia de presentes.Porque aquilo tinha que acontecer? Porque não consegui protege-la?Respiro fundo e tiro ela dos meus braços lentamente, seu corpo magro e cheio de cicatrizes, seu rosto pálido de feição abatida, talvez eu nunca mais verei um sorriso verdadeiro nele.Me levanto indo para o armário e pegando uma camisa, olho mais uma vez para a cama vestindo uma camisa, parece que dessa vez ela conseguirá dormir até umas onz
"Maick"Assim que Maila acordou sai do hospital, não quis ficar para olhar ela sorrir falsamente para todos e fingir que tudo está bem, ou só inventar alguma desculpa de que não comeu porque saiu cedo e esqueceu.Sempre que algo assim acontece ela coloca um sorriso falso no rosto e tenta se fazer de forte para todos, mas isso não cola comigo, nunca colou e nem nunca vai colar.Eu sempre sei qual é seu sorriso verdadeiro e qual é falso, sempre sei qual olhar é real e qual é só uma imitação do que um dia foi real, ela está tão quebrada emocionalmente que nem mesmo eu sei o que fazer a respeito.Ou melhor dizendo eu finjo não saber o que fazer, quando na verdade só estou sendo egoísta e tentando tê-la só pra mim e sempre mentindo sobre tudo, somente porque sou egoísta mas isso está fazendo ela se matar aos poucos.-Eai cara, vai pra onde? -a voz me tira de meus pensamentos bagunçados, levanto o olhar.-Não sei, só não consigo mais olhar pra ela
"Maick"Sentado de frente com a senhora Sara penso em tudo que tenho que dizer e travo no lugar. Como explicar pra ela que sua filha está doente e precisa de ajuda urgente.Como dizer para minha futura sogra ou não, que Maila tem reprimido um segredo que é quase uma mentira e que a culpa dessa mentira que ela acha que é verdade é toda minha.-Bom, por onde devo começar? -pergunto mais para mim mesmo do que para ela.-Vai devagar e com calma, temos tempo. -diz com sua calmaria de sempre.Desde que conheço a senhora Sara, ela nunca mudou sempre tem um rosto calmo e uma voz que nos deixa calmos, acho que por que ela ja foi enfermeira ela tem as manhas. Sempre resolve os conflitos quando o clima fica tenso, ou coloca ordem na bagunça quando os outros não conseguem.-Vou começar por cinco anos atrás então. -penso bem em como colocar em palavras, todos os sentimentos, as angústias, os medos e inseguranças. Sinto sua mão em meu ombro e vejo ela sentada e
"Maick" 〰〰〰〰 Lembranças contadas 〰〰〰〰Sinto alguém me chacoalhar e intininstintivamente pego minha faca levantando no ar, abro os olhos vendo Ruan sorrindo de forma zombeteira olhando pra mim.-Se fosse alguem te atacando você já estaria morto garoto. -diz rindo. -O jantar está pronto, não quis te chamar durante o dia porque você parecia muito cansado, e também o melhor horário pra gente trabalhar é a noite.-Obrigada por me deixar dormir, acho que vai fazer um tempo que não relaxo assim e durmo. -digo me espreguiçando.-Você me lembra seu pai quando era jovem, pegou essa mania dele, de dormir com uma faca na mão. -diz indo em direção a cozinha, escuto as risadas e brincadeiras.-Você conhece meu pai? -pergunto o seguido de perto.-Claro, antes de sair eu era muito amigo do seu pai, crescemos juntos mas aquela vida nunca foi pra mim. -diz já na cozinha, os meninos ficam quietos escutando a conversa.-Você sabe que não sou filho
"Maick"-Está na hora, deixa que eu dirijo, conheço melhor as ruas por aqui. -pego a chave do carro entregando para o senhor Ruan, nós passamos umas três horas fazendo planos, em nenhum momento paramos, quer dizer nenhum momento antes de bater fome.Agora sabemos por onde começar, vamos agir durante a noite que é quando as ruas estão mais vazias, além de que assim não vamos expor nossa localização ou rostos.-Primeiro vamos retirar essa placa. -diz quando chega perto da minha caminhonete, ele pega uma chave e tira a placa, jogando a mesma dentro da caixa de ferramentas no meio das chaves e parafusos.-Pai, você vai mesmo com a gente? Pode só esperar aqui. -diz Gael com rosto preocupado.-Não vou sair do carro, só irei dirigir, não se preocupe. -entramos os quatro no carro, eu não frente com o senhor Ruan e os gêmeos atrás, junto com as armas necessárias e o mapa marcado a caneta.Estamos levando somente o essencial, pistolas, facas, explosiv
"Maick"Depois da visita repentina do cara querendo comprar a casa o clima ficou tenso, depois de almoçar e comprar algumas coisas nos voltamos pra casa rápido.Mexemos mais um tempo com motores para o caso de estarmos sendo observados e depois entramos quando o senhor Ruan começou a se sentir mau.Quando Gael e Douglas chegaram ele começou a nos ensinar sobre armas, formas de defesa contra armas, até mesmo sobre como desarmar bombas caseiras.Passamos o resto do dia até algumas horas antes de iniciar a próxima etapa do plano de busca, que vai ser em mais ou menos uma hora.-Posso falar com você rapidinho? -olho para a porta vendo Gael vestido em roupas pretas, algumas peças são de couro como as luvas e jaqueta.-Claro entra ai. -ainda estava me trocando, mas tem problema não, ele entra e fecha a porta atrás de si, vai ate a cama se sentando.-Queria fa
' Por outros olhos '-O que diabos aconteceu Ribeiro? -o homem grita furioso com o mais jovem.-Era de sua responsabilidade cuidar da menina sequestrada, mas ela sumiu? Como isso é possível? Ainda por cima mataram três dos nossos.-Sai para pegar os suprimentos, mas quando voltamos para a base estavam todos mortos e a menina sumida. -diz o mais jovem, agora sentado com as mãos apoiando o rosto.-Só procure pela cidade. -o homem diz enquanto encara o teto nervoso.-Hoje está sendo um dia difícil, quero que achem ela o mais rápido possível Ribeiro. -diz e se levanta. -Ter ela em nossas mãos é essencial para o plano do grande chefe.Ele caminha até o canto da sala e olha pela janela, o sol começa a aparecer atrás da neblina densa no fim do horizonte, a casa pequena está preenchida com a fumaça de cigarros e o silêncio medonho. Nu