"Maila"
Olho a claridade entrando pela janela, passo o braço pela cama e sinto o vazio, ele já foi embora. Me sento na cama passando a mão nos cabelos frustrada, sempre assim, sempre vai embora sem se despedir, me deixando um vazio no peito e na alma.
Me levanto indo até a janela, o movimento lá embaixo já é frenético, viro a cabeça para olhar a hora, dez em ponto, vou ao banheiro para escovar os dente e dar um jeito em meu cabelo rebelde, nem quero arrumar, não estou no clima pra nada.
Me olho no espelho vendo as olheiras em baixo dos olhos, as vezes eu acho que estou cada vez mais fundo dentro de mim, nem mesmo me reconheço mais, de uma menina cheia de vida e saúde, pra isso.
Parando pra pensar, já fui muito mais feminina, mas agora, cada vez que me visto de forma feminina e atraente, vejo aqueles olhares me olhando, me sinto como um pedaço de carne ambulante.
Não sei se isso começou na primeira vez que fui sequestrada ou se foi na segunda, mas desde então não consigo me sentir eu mesma nem quando tento ser eu.
-Maila? Cadê você? -escuto e me viro olhando para dentro do quarto, só tem poucas pessoas que me chamam pelo nome ou que entram no quarto que durmo, sim tenho um quarto só meu aqui na sed.
-Estou no banheiro, espera um pouco Camilo. -esse é um cara de ouro, quando conheci Camilo morria de medo da cara dele, mas depois vi o quão doce ele pode ser, um cara grande de coração mole.
-Sua mãe me mandou te levar pra casa, parece que sua cunhada finalmente acordou. -diz e volto correndo pro quarto ainda com a escova na boca, passo por ele.
-Sério? -digo já abrindo o armário e vestindo um short. -Então vamos logo.
Ele me olha boquiaberto, balança a cabeça e aponta pro meu cabelo e rosto, olho no espelho do quarto me vendo, a grande juba atrás de mim que eu chamo de cabelo e a boca com pasta dental escorrendo pelos lados.
-Vou te esperar lá em baixo. -diz saindo do quarto me deixando sozinha.
Suspiro e começo a arrumar meu cabelo, esse cabelo sempre foi rebelde, mas de uns tempos pra cá parece que só tá piorando, levo a boca e devagar faço tudo que tenho de fazer com calma.
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Depois de alguns minutos saio do quarto, as pessoas que passam por mim me cumprimentam com um aceno de cabeça e só aceno de volta. Assim que chego no estacionamento vejo Camilo parado encostado em sua moto monstro, eu amo muito esse cara.
Principalmente sua moto super estilosa, claro que ele não deixa quase ninguém tocar nela, mas eu sou uma exceção.
-Nem pense nisso mocinha, nós vamos de carro. -diz assim que me vê pegando o capacete da moto já me preparando pra uma aventura pelas ruas.
-Qual é? Você sabe que essa moto sua me deixa fascinada. -digo fazendo bico e tentando soar fofa.
-Sabe que estamos em alerta máximo, nada de moto pra você. -diz já entrando no carro ao lado, suspiro sabendo que essa batalha já foi perdida, quando esse homem coloca algo na cabeça, não tem Santo que o faça tirar, pior ainda de se for uma ordem de alerta máximo.
Dou a volta no carro entrando na frente ainda emburrada, sento passando o cinto de segurança, olho de lado para Camilo que tem um sorriso no rosto em aprovação.
Acho que Camilo vê em mim a imagem de sua falecida filha, cuida de mim como se eu fosse ela, por isso temos essa forte ligação, somos mais que amigos quase família.
Tenho essa ligação com poucas pessoas, prefiro não me ligar muito com os outros agora, não depois daquele dia.
-No banco de trás tem uma coisa pra você. -diz assim que o carro começa a andar, olho pra trás vendo dois pacotes do que parece ser uma padaria.
-Que isso? -falo levantando uma sobrancelha e olhando pra ele.
-Maick deixou pra tu, só quero saber quando é que vai parar de enrolar o menino. -diz em tom de zombaria, nós temos esse tipo de relação, ele fala tudo e eu também. Quer dizer quase tudo.
-Nunca. -repondo brincando e pego os sacos curiosa, porque fome eu não estou sentindo. Olho dentro vendo um iogurte, dois sanduíches e um suco de uva, ele deixou um café da manhã pra mim? Sério mesmo?
Agora me diz, como não ser apaixonada por um homem desse? Aaah eu vou enlouquecer de indecisão. Deixo o iogurte cair quando o carro da uma acelerada de repente, olho pelo retrovisor vendo dois carros pretos.
-Mas que merda! -esclamo baixo e Camilo começa a fazer várias manobras rápidas na pista pra tentar despista-los.
-Calma aí princesa, logo vamos estar no condômino e eles não vão poder fazer mais nada. -diz, sei que isso é pra me confortar mais meu pânico começa a crescer, meu coração acelera.
Isso é igual a três anos atrás, a perseguição, o carro batendo, as luzes, a tortura. Começo a respirar devagar pra tentar me acalmar, as lembranças vem em borrões em minha mente, Camilo trás a mão até minha cabeça pra vê se me acalma.
Sempre que tenho crises de pânico como essas, tem somente quatro ou cinco pessoas que realmente conseguem me acalmar. Uma esta no carro agora mas parece bem ocupado pra tentar algo.
Acho que de todas as pessoas que podem me ajudar em minhas crises a primeira que penso é em Maick todas as vezes, com isso pego meu celular com as mãos trêmulas.
Respiro fundo enquanto digito o número dele que sei desde sempre, coloco pra chamar, três toques, são sempre três toques antes que ele atenda.
-Oi, acordada boneca? -diz sua voz grossa do outro lado da linha.
-Maick. -minha voz sai baixa e trêmula.
-Ei, ei, ei, o que tá rolando? Onde você tá? -pergunta e respiro fundo pra tentar me acalmar e explicar.
-Carro, estou com Camilo, mas estamos em problemas. -digo devagar, Camilo faz sinal pra que eu entregue o celular pra ele, com as mãos tremendo passo o telefone pra ele e fecho os olhos com força com o barulho.
Escuto mais uma vez o barulho de tiros e tampo os ouvidos com as mãos, hoje não, hoje não, hoje não, minha mente começa a girar, os barulhos são incômodos de mais.
Alto demais, muito barulho, claro demais, muito claro, não quero, não gosto disso.
Respiro pesado, sinto um movimento estranho no carro mas não consigo pensar bem, minha mente parece fechada nas lembranças.
-Maila! -escuto mas não sei dizer de onde vem a voz, tudo parece escuro e sem sentido.
-Boneca, olha pra mim, eu estou aqui. -sinto alguém levantar minha cabeça e finalmente vejo aqueles olhos, meu coração bate forte.
Levanto os braços tentando me acalmar, sinto seu rosto com minha mão e percebo que não é uma ilusão minha, ele esta aqui bem na minha frente.
Me jogo em seus braços chorando, porque hoje? Porque eu tenho que ser assim? Choro sem ver mais nada ao redor, até sentir meu corpo totalmente sem forças.
Os braços fortes de Maick me envolvem enquanto choro de medo. Sinto um cansaço absurdo, um leve cheiro de lavanda e um lugar fofo e macio toca minhas costas, fecho os olhos me acalmando, me aconchego e deixo a escuridão me levar para o inconsciente, um lugar que talvez me mantenha sã, ou me enlouqueça de vez.
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"Maick"Sempre que a vejo forçando um sorriso me quebro por dentro. Aquela menina feliz e brincalhona já não existe mais, tudo que vejo é uma casca vazia que anda por aí sem rumo ou direção.Ela dorme em meus braços, seu rosto parece tão magro, sem sinais de que tem se cuidado direito, mais uma vez ela está se afastando de todos e se afundando em si própria.Quando isso vai parar? Já faz cinco anos, talvez até mais. Quando você vai voltar a ser minha menina travessa, aquela que nunca deixa ninguém em paz ou que some e aparece cheia de presentes.Porque aquilo tinha que acontecer? Porque não consegui protege-la?Respiro fundo e tiro ela dos meus braços lentamente, seu corpo magro e cheio de cicatrizes, seu rosto pálido de feição abatida, talvez eu nunca mais verei um sorriso verdadeiro nele.Me levanto indo para o armário e pegando uma camisa, olho mais uma vez para a cama vestindo uma camisa, parece que dessa vez ela conseguirá dormir até umas onz
"Maick"Assim que Maila acordou sai do hospital, não quis ficar para olhar ela sorrir falsamente para todos e fingir que tudo está bem, ou só inventar alguma desculpa de que não comeu porque saiu cedo e esqueceu.Sempre que algo assim acontece ela coloca um sorriso falso no rosto e tenta se fazer de forte para todos, mas isso não cola comigo, nunca colou e nem nunca vai colar.Eu sempre sei qual é seu sorriso verdadeiro e qual é falso, sempre sei qual olhar é real e qual é só uma imitação do que um dia foi real, ela está tão quebrada emocionalmente que nem mesmo eu sei o que fazer a respeito.Ou melhor dizendo eu finjo não saber o que fazer, quando na verdade só estou sendo egoísta e tentando tê-la só pra mim e sempre mentindo sobre tudo, somente porque sou egoísta mas isso está fazendo ela se matar aos poucos.-Eai cara, vai pra onde? -a voz me tira de meus pensamentos bagunçados, levanto o olhar.-Não sei, só não consigo mais olhar pra ela
"Maick"Sentado de frente com a senhora Sara penso em tudo que tenho que dizer e travo no lugar. Como explicar pra ela que sua filha está doente e precisa de ajuda urgente.Como dizer para minha futura sogra ou não, que Maila tem reprimido um segredo que é quase uma mentira e que a culpa dessa mentira que ela acha que é verdade é toda minha.-Bom, por onde devo começar? -pergunto mais para mim mesmo do que para ela.-Vai devagar e com calma, temos tempo. -diz com sua calmaria de sempre.Desde que conheço a senhora Sara, ela nunca mudou sempre tem um rosto calmo e uma voz que nos deixa calmos, acho que por que ela ja foi enfermeira ela tem as manhas. Sempre resolve os conflitos quando o clima fica tenso, ou coloca ordem na bagunça quando os outros não conseguem.-Vou começar por cinco anos atrás então. -penso bem em como colocar em palavras, todos os sentimentos, as angústias, os medos e inseguranças. Sinto sua mão em meu ombro e vejo ela sentada e
"Maick" 〰〰〰〰 Lembranças contadas 〰〰〰〰Sinto alguém me chacoalhar e intininstintivamente pego minha faca levantando no ar, abro os olhos vendo Ruan sorrindo de forma zombeteira olhando pra mim.-Se fosse alguem te atacando você já estaria morto garoto. -diz rindo. -O jantar está pronto, não quis te chamar durante o dia porque você parecia muito cansado, e também o melhor horário pra gente trabalhar é a noite.-Obrigada por me deixar dormir, acho que vai fazer um tempo que não relaxo assim e durmo. -digo me espreguiçando.-Você me lembra seu pai quando era jovem, pegou essa mania dele, de dormir com uma faca na mão. -diz indo em direção a cozinha, escuto as risadas e brincadeiras.-Você conhece meu pai? -pergunto o seguido de perto.-Claro, antes de sair eu era muito amigo do seu pai, crescemos juntos mas aquela vida nunca foi pra mim. -diz já na cozinha, os meninos ficam quietos escutando a conversa.-Você sabe que não sou filho
"Maick"-Está na hora, deixa que eu dirijo, conheço melhor as ruas por aqui. -pego a chave do carro entregando para o senhor Ruan, nós passamos umas três horas fazendo planos, em nenhum momento paramos, quer dizer nenhum momento antes de bater fome.Agora sabemos por onde começar, vamos agir durante a noite que é quando as ruas estão mais vazias, além de que assim não vamos expor nossa localização ou rostos.-Primeiro vamos retirar essa placa. -diz quando chega perto da minha caminhonete, ele pega uma chave e tira a placa, jogando a mesma dentro da caixa de ferramentas no meio das chaves e parafusos.-Pai, você vai mesmo com a gente? Pode só esperar aqui. -diz Gael com rosto preocupado.-Não vou sair do carro, só irei dirigir, não se preocupe. -entramos os quatro no carro, eu não frente com o senhor Ruan e os gêmeos atrás, junto com as armas necessárias e o mapa marcado a caneta.Estamos levando somente o essencial, pistolas, facas, explosiv
"Maick"Depois da visita repentina do cara querendo comprar a casa o clima ficou tenso, depois de almoçar e comprar algumas coisas nos voltamos pra casa rápido.Mexemos mais um tempo com motores para o caso de estarmos sendo observados e depois entramos quando o senhor Ruan começou a se sentir mau.Quando Gael e Douglas chegaram ele começou a nos ensinar sobre armas, formas de defesa contra armas, até mesmo sobre como desarmar bombas caseiras.Passamos o resto do dia até algumas horas antes de iniciar a próxima etapa do plano de busca, que vai ser em mais ou menos uma hora.-Posso falar com você rapidinho? -olho para a porta vendo Gael vestido em roupas pretas, algumas peças são de couro como as luvas e jaqueta.-Claro entra ai. -ainda estava me trocando, mas tem problema não, ele entra e fecha a porta atrás de si, vai ate a cama se sentando.-Queria fa
' Por outros olhos '-O que diabos aconteceu Ribeiro? -o homem grita furioso com o mais jovem.-Era de sua responsabilidade cuidar da menina sequestrada, mas ela sumiu? Como isso é possível? Ainda por cima mataram três dos nossos.-Sai para pegar os suprimentos, mas quando voltamos para a base estavam todos mortos e a menina sumida. -diz o mais jovem, agora sentado com as mãos apoiando o rosto.-Só procure pela cidade. -o homem diz enquanto encara o teto nervoso.-Hoje está sendo um dia difícil, quero que achem ela o mais rápido possível Ribeiro. -diz e se levanta. -Ter ela em nossas mãos é essencial para o plano do grande chefe.Ele caminha até o canto da sala e olha pela janela, o sol começa a aparecer atrás da neblina densa no fim do horizonte, a casa pequena está preenchida com a fumaça de cigarros e o silêncio medonho. Nu
"Maick"Ja faz um dia que ela está desmaiada, o senhor Ruan comprou soro e aplicamos nela para que talvez assim ela acordasse mais rápido. Parcialmente funcionou, a cor de suas bochechas está voltando aos poucos.-Maick... -abro meus olhos me levantando rápido da cadeira, ela sorri fraco e seus olhos enchem de lágrimas.-Estou aqui Maila. -pego em sua mão me ajoelhando ao lado da cama e olhando para ela que só esboça um sorriso triste e começa a chorar.-Eu achei que fosse morrer. -diz em meio às lágrimas e soluços. Meu coração dói junto com suas lágrimas que caem pelo seu rosto magro.-Se você moresse eu nunca iria me perdoar. -digo erguendo sua mão e encostando em meu rosto, vejo ela esboçar um pequeno sorriso em meio às lágrimas.-Eu estou com fome. -diz depois de um tempo em silêncio, n&o