Capítulo 2

"Maila"

Olho a claridade entrando pela janela, passo o braço pela cama e sinto o vazio, ele já foi embora. Me sento na cama passando a mão nos cabelos frustrada, sempre assim, sempre vai embora sem se despedir, me deixando um vazio no peito e na alma.

Me levanto indo até a janela, o movimento lá embaixo já é frenético, viro a cabeça para olhar a hora, dez em ponto, vou ao banheiro para escovar os dente e dar um jeito em meu cabelo rebelde, nem quero arrumar, não estou no clima pra nada.

Me olho no espelho vendo as olheiras em baixo dos olhos, as vezes eu acho que estou cada vez mais fundo dentro de mim, nem mesmo me reconheço mais, de uma menina cheia de vida e saúde, pra isso.

Parando pra pensar, já fui muito mais feminina, mas agora, cada vez que me visto de forma feminina e atraente, vejo aqueles olhares me olhando, me sinto como um pedaço de carne ambulante.

Não sei se isso começou na primeira vez que fui sequestrada ou se foi na segunda, mas desde então não consigo me sentir eu mesma nem quando tento ser eu.

-Maila? Cadê você? -escuto e me viro olhando para dentro do quarto, só tem poucas pessoas que me chamam pelo nome ou que entram no quarto que durmo, sim tenho um quarto só meu aqui na sed.

-Estou no banheiro, espera um pouco Camilo. -esse é um cara de ouro, quando conheci Camilo morria de medo da cara dele, mas depois vi o quão doce ele pode ser, um cara grande de coração mole.

-Sua mãe me mandou te levar pra casa, parece que sua cunhada finalmente acordou. -diz e volto correndo pro quarto ainda com a escova na boca, passo por ele.

-Sério? -digo já abrindo o armário e vestindo um short. -Então vamos logo.

Ele me olha boquiaberto, balança a cabeça e aponta pro meu cabelo e rosto, olho no espelho do quarto me vendo, a grande juba atrás de mim que eu chamo de cabelo e a boca com pasta dental escorrendo pelos lados.

-Vou te esperar lá em baixo. -diz saindo do quarto me deixando sozinha.

Suspiro e começo a arrumar meu cabelo, esse cabelo sempre foi rebelde, mas de uns tempos pra cá parece que só tá piorando, levo a boca e devagar faço tudo que tenho de fazer com calma.

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Depois de alguns minutos saio do quarto, as pessoas que passam por mim me cumprimentam com um aceno de cabeça e só aceno de volta. Assim que chego no estacionamento vejo Camilo parado encostado em sua moto monstro, eu amo muito esse cara.

Principalmente sua moto super estilosa, claro que ele não deixa quase ninguém tocar nela, mas eu sou uma exceção.

-Nem pense nisso mocinha, nós vamos de carro. -diz assim que me vê pegando o capacete da moto já me preparando pra uma aventura pelas ruas.

-Qual é? Você sabe que essa moto sua me deixa fascinada. -digo fazendo bico e tentando soar fofa.

-Sabe que estamos em alerta máximo, nada de moto pra você. -diz já entrando no carro ao lado, suspiro sabendo que essa batalha já foi perdida, quando esse homem coloca algo na cabeça, não tem Santo que o faça tirar, pior ainda de se for uma ordem de alerta máximo.

Dou a volta no carro entrando na frente ainda emburrada, sento passando o cinto de segurança, olho de lado para Camilo que tem um sorriso no rosto em aprovação.

Acho que Camilo vê em mim a imagem de sua falecida filha, cuida de mim como se eu fosse ela, por isso temos essa forte ligação, somos mais que amigos quase família.

Tenho essa ligação com poucas pessoas, prefiro não me ligar muito com os outros agora, não depois daquele dia.

-No banco de trás tem uma coisa pra você. -diz assim que o carro começa a andar, olho pra trás vendo dois pacotes do que parece ser uma padaria.

-Que isso? -falo levantando uma sobrancelha e olhando pra ele.

-Maick deixou pra tu, só quero saber quando é que vai parar de enrolar o menino. -diz em tom de zombaria, nós temos esse tipo de relação, ele fala tudo e eu também. Quer dizer quase tudo.

-Nunca. -repondo brincando e pego os sacos curiosa, porque fome eu não estou sentindo. Olho dentro vendo um iogurte, dois sanduíches e um suco de uva, ele deixou um café da manhã pra mim? Sério mesmo?

Agora me diz, como não ser apaixonada por um homem desse? Aaah eu vou enlouquecer de indecisão. Deixo o iogurte cair quando o carro da uma acelerada de repente, olho pelo retrovisor vendo dois carros pretos.

-Mas que merda! -esclamo baixo e Camilo começa a fazer várias manobras rápidas na pista pra tentar despista-los.

-Calma aí princesa, logo vamos estar no condômino e eles não vão poder fazer mais nada. -diz, sei que isso é pra me confortar mais meu pânico começa a crescer, meu coração acelera.

Isso é igual a três anos atrás, a perseguição, o carro batendo, as luzes, a tortura. Começo a respirar devagar pra tentar me acalmar, as lembranças vem em borrões em minha mente, Camilo trás a mão até minha cabeça pra vê se me acalma.

Sempre que tenho crises de pânico como essas, tem somente quatro ou cinco pessoas que realmente conseguem me acalmar. Uma esta no carro agora mas parece bem ocupado pra tentar algo.

Acho que de todas as pessoas que podem me ajudar em minhas crises a primeira que penso é em Maick todas as vezes, com isso pego meu celular com as mãos trêmulas.

Respiro fundo enquanto digito o número dele que sei desde sempre, coloco pra chamar, três toques, são sempre três toques antes que ele atenda.

-Oi, acordada boneca? -diz sua voz grossa do outro lado da linha.

-Maick. -minha voz sai baixa e trêmula.

-Ei, ei, ei, o que tá rolando? Onde você tá? -pergunta e respiro fundo pra tentar me acalmar e explicar.

-Carro, estou com Camilo, mas estamos em problemas. -digo devagar, Camilo faz sinal pra que eu entregue o celular pra ele, com as mãos tremendo passo o telefone pra ele e fecho os olhos com força com o barulho.

Escuto mais uma vez o barulho de tiros e tampo os ouvidos com as mãos, hoje não, hoje não, hoje não, minha mente começa a girar, os barulhos são incômodos de mais.

Alto demais, muito barulho, claro demais, muito claro, não quero, não gosto disso.

Respiro pesado, sinto um movimento estranho no carro mas não consigo pensar bem, minha mente parece fechada nas lembranças.

-Maila! -escuto mas não sei dizer de onde vem a voz, tudo parece escuro e sem sentido.

-Boneca, olha pra mim, eu estou aqui. -sinto alguém levantar minha cabeça e finalmente vejo aqueles olhos, meu coração bate forte.

Levanto os braços tentando me acalmar, sinto seu rosto com minha mão e percebo que não é uma ilusão minha, ele esta aqui bem na minha frente.

Me jogo em seus braços chorando, porque hoje? Porque eu tenho que ser assim? Choro sem ver mais nada ao redor, até sentir meu corpo totalmente sem forças.

Os braços fortes de Maick me envolvem enquanto choro de medo. Sinto um cansaço absurdo, um leve cheiro de lavanda e um lugar fofo e macio toca minhas costas, fecho os olhos me acalmando, me aconchego e deixo a escuridão me levar para o inconsciente, um lugar que talvez me mantenha sã, ou me enlouqueça de vez.

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