A secretária entrou na sala de Carla com uma expressão ligeiramente hesitante. Ela havia recebido um telefonema que a intrigava e não sabia como transmitir a mensagem. — Doutora Carla, acabei de receber uma ligação. Um senhor chamado Ronald quer marcar uma consulta com a senhora. Carla, que estava concentrada revisando alguns documentos, parou de imediato ao ouvir aquele nome. Ronald. O som ecoou em sua mente, trazendo lembranças e emoções que ela tentava, há anos, deixar no passado. Seus olhos fixaram na secretária, e por um instante, o ambiente pareceu congelar. — Ronald? — repetiu Carla, como se quisesse confirmar o que ouvira. — Qual o sobrenome dele? A secretária franziu a testa por um momento, folheando suas anotações. — Ele não mencionou o sobrenome, apenas Ronald, e disse que gostaria de uma consulta urgente. Me pareceu... aflito. Carla sentiu um frio percorrer sua espinha. Havia tantas possibilidades. Poderia ser apenas uma coincidência. Ronald não era um nome incomum.
Aquela noite parecia interminável tanto para Ronald quanto para Carla. Ambos se reviraram nas respectivas camas, tentando ignorar a ansiedade que latejava em suas mentes. O passado parecia querer ressurgir, trazendo emoções e dúvidas há muito enterradas. Ronald se perguntava se a médica que iria encontrar era a Carla, a mulher que havia transformado sua vida de uma maneira que ele nunca pôde esquecer. Carla, por outro lado, mal conseguia suportar a ideia de reencontrar o homem que, apesar de tudo, ainda mexia com ela de uma forma inexplicável. Quando a manhã finalmente chegou, nenhum dos dois tinha conseguido dormir direito, presos em um redemoinho de pensamentos e sentimentos. Ronald passou o dia inquieto. Na hora do almoço, decidiu sair da Belle Essenza mais cedo, avisando à sua secretária que não voltaria. Seu coração batia acelerado, como se ele estivesse prestes a enfrentar algo muito maior do que apenas uma consulta. Ao chegar em casa, encontrou Ingrid e Hermínio mais uma vez d
Carla cruzou os braços e encarou Ronald com uma expressão séria. As lembranças de seu passado na casa de Ronald ainda eram dolorosas, especialmente o dia em que Hermínio a havia expulsado de maneira tão cruel e humilhante. E agora, ali estava ela, frente a frente com Ronald, o neto daquele homem, pedindo ajuda para tratar a pessoa que a havia ferido tanto. — Ronald, você realmente acha que Hermínio vai aceitar ser atendido por mim? — a voz de Carla estava firme, mas havia uma pontada de mágoa. — Depois do que ele fez? Ele me expulsou da casa de vocês como se eu fosse nada. Ronald engoliu em seco. A lembrança daquele dia também era amarga para ele. Sabia o quanto Hermínio havia sido duro e injusto com Carla, e, naquele momento, a vergonha tomou conta de seu rosto. Ele abaixou os olhos, evitando o olhar penetrante de Carla, e suspirou profundamente. — Carla, eu... eu sinto muito — disse ele, com a voz baixa, mas cheia de sinceridade. — Você não merecia aquilo. Meu avô foi cruel, e eu
Carla acordou sentindo um leve aperto no peito. Hoje seria um dia bem difícil. Em duas horas, estaria frente a frente com Ronald e, mais complicado ainda, com Hermínio. Ela não sabia como o velho a receberia, mas algo dentro dela dizia que não seria fácil. — Vamos, Davi, é hora de levantar — disse ela, chamando o filho ainda meio adormecido. — Mamãe, só mais cinco minutinhos — respondeu ele, com aquela preguiça de sempre. — Não, meu amor. Você tem que ir para a escola. A mamãe já vai te deixar lá e tem muita coisa para fazer hoje. Com um suspiro, Davi se levantou e foi para o banheiro. Poucos minutos depois, já estava pronto, sentado à mesa tomando café da manhã. Carla observava o filho e não conseguia evitar a dúvida que rondava sua mente. O que Ronald e Hermínio fariam se descobrissem que Davi existia? Que Ronald, na verdade, tinha um filho de quase 4 anos, tão esperto daquele jeito. Em meio a esses pensamentos, Joaquim, o pai de Carla, entrou na cozinha com um sorriso e uma sac
No dia seguinte, Carla se preparava mentalmente para a segunda sessão de fisioterapia com Hermínio. Sabia que não seria fácil. Hermínio era conhecido por seu temperamento difícil, ainda mais agora, debilitado e com dores. — Está pronta para me torturar, doutora? — Hermínio resmungou, sem esconder a amargura. Carla sorriu de leve, colocando sua maleta de equipamentos sobre a mesa ao lado da cama. Não ia ser afetada pelos comentários dele. Já esperava esse tipo de recepção. — Vamos começar devagar, senhor Hermínio — disse Carla calmamente. — Quero primeiro alongar suas pernas para estimular a circulação. Sei que vai ser desconfortável, mas é necessário. Em poucos dias, o senhor vai notar a diferença. — Desconfortável? Isso é o que você chama de dor infernal? — retrucou ele, com a voz áspera. — Isso aqui vai ser um massacre. Carla ignorou a provocação e se ajoelhou ao lado da poltrona, começando a mover lentamente a perna de Hermínio para cima e para baixo. Ele fechou os olhos com
Ingrid passou os últimos dias com um aperto no peito. Desde que Carla começou a tratar Hermínio, ela notou mudanças significativas em Ronald. Ele, que sempre foi sério e metódico, agora parecia mais leve, quase irreconhecível. Ronald estava mais animado, fazia brincadeiras, e havia um brilho novo em seus olhos. O que mais a incomodava era o fato de que ele nunca assistia às sessões de fisioterapia com a doutora Marineuda, mas, com Carla, ele estava sempre presente. Além disso, Ronald, que antes tinha a pontualidade como uma regra inquebrável, agora só ia para a empresa após Carla deixar a casa. O carinho e a atenção que ele dedicava a Carla eram visíveis e dolorosos para Ingrid. Nunca, em todo o tempo em que estavam casados, ela sentiu essa mesma dedicação vinda dele. Ronald sempre foi distante, frio, cumprindo seu papel de marido sem muito envolvimento emocional. Mas agora, parecia que aquela barreira tinha caído — só que não por ela. Sentindo-se perdida, Ingrid decidiu visitar sua
Ingrid desceu do carro em frente à Belle Essenza com o coração acelerado. Era a primeira vez que visitava Ronald na empresa, uma decisão que nunca havia tomado antes. Não era o tipo de esposa que frequentava o ambiente de trabalho do marido, mas algo dentro dela havia mudado. A visita à sua mãe, Judite, lhe abrira os olhos para a realidade: se quisesse manter seu casamento, teria que agir. Precisava conquistar Ronald de uma forma que nunca havia tentado antes, e dar a Hermínio o tão desejado bisneto. Ao entrar no saguão da empresa, Ingrid sentiu os olhares de surpresa sobre si. As recepcionistas se entreolharam, confusas. Nunca a tinham visto ali. Ela sempre mantivera distância da rotina de Ronald e dos negócios. Havia um ar de curiosidade e especulação que a acompanhou enquanto se dirigia ao elevador. — Senhora Ingrid? — a secretária de Ronald perguntou, levantando-se apressada da mesa ao vê-la. — Eu... posso ajudar com algo? Ingrid forçou um sorriso,o tentando parecer natural, em
Hermínio entrou na sala de fisioterapia com uma postura diferente naquele dia. Sua expressão, antes carregada de irritação e reclamação, agora parecia mais tranquila. A doutora Carla, sempre profissional e paciente, já o aguardava ao lado dos aparelhos, pronta para mais uma sessão. Ela notou de imediato a mudança, mas preferiu não comentar. Sabia que a evolução de Hermínio não seria apenas física, mas também mental. — Bom dia, Hermínio. Hoje vamos focar em alguns exercícios de fortalecimento das pernas e em melhorar sua coordenação com o andador — disse Carla, com a habitual serenidade. Hermínio olhou para o aparelho com o qual já começava a se familiarizar, suspirou fundo e se posicionou. — Vamos lá, doutora. Estou pronto — respondeu ele, sem a resistência de costume. O dia começou com os alongamentos. A cada movimento, Hermínio se concentrava em seguir as instruções sem reclamar. Carla estava impressionada, mas manteve o ritmo. O progresso de Hermínio já era notável, mas naquele