Hermínio estava mais calado do que o habitual naquele almoço de domingo. Ronald notou a tensão no ar, mas tentou ignorar, ocupando-se com o que estava à sua frente. No entanto, de repente, Hermínio ficou visivelmente desconfortável, suas mãos tremiam levemente, e ele começou a suar frio. Sua expressão de severidade deu lugar a uma palidez preocupante. — Ronald... — Hermínio murmurou, com a voz falhando. — Me ajuda... chame meu médico... não me sinto bem. O corpo de Ronald congelou por um segundo, mas logo ele se levantou da cadeira com rapidez, correndo até o avô. Hermínio estava com a mão sobre o peito, a dor estampada em sua face, como se fosse insuportável. O coração de Ronald disparou, o medo tomando conta de seu corpo. — Zefa! — Ronald gritou, já segurando Hermínio pelos braços. — Ligue para o Dr. Marcelo, agora! Diga que é urgente! Zefa, sempre eficiente, correu para o telefone enquanto Ronald, com cuidado, carregava Hermínio até o sofá mais próximo. Ele deitou o avô gentilm
Depois de uma semana tensa no hospital, Hermínio finalmente começou a mostrar sinais de recuperação. Ele havia resistido à gravidade do AVC, mas as sequelas eram evidentes. O lado esquerdo de seu corpo estava paralisado, e o vigor de outrora parecia distante. Doutor Marcelo chamou Ronald para uma conversa franca no final da semana. — Hermínio está estável o suficiente para voltar para casa — disse o médico, o rosto sério, mas com um toque de otimismo. — Mas ele precisará de muito apoio. Infelizmente, ele perderá mobilidade e terá que usar uma cadeira de rodas permanentemente. Fisioterapia pode ajudar, mas devemos ser realistas: voltar a ser o homem que ele era antes será impossível. As palavras de Dr. Marcelo pesaram sobre Ronald. Por mais que o alívio de ver o avô vivo fosse enorme, a ideia de que ele nunca mais seria o mesmo deixava um vazio em seu peito. Ronald decidiu, sem hesitar, que Hermínio deveria ir morar em sua casa. Ele queria estar próximo, garantir que o avô tivesse o
Ronald estava à beira da exaustão. Nos últimos três anos, a saúde de seu avô Hermínio tinha sido uma montanha-russa emocional para todos na casa. Apesar dos esforços visíveis do avô e da atenção médica contínua, não havia progresso significativo desde o AVC que o debilitara. Ronald, conhecido por sua esforço e por ser um CEO implacável, agora sentia o peso de sua vida pessoal sufocar o equilíbrio meticulosamente construído entre trabalho e família. As discussões entre Hermínio e Ingrid eram cada vez mais frequentes e, com o tempo, haviam se tornado insuportáveis. Hermínio, com uma obstinação implacável, cobrava o nascimento de um bisneto, algo que ele via como sua última missão em vida. Ingrid, por sua vez, evitava a conversa, sempre encontrando desculpas para adiar o que sabia que seria uma decisão forçada. O casamento já não tinha brilho, e a pressão externa tornava o convívio ainda mais tenso. Naquela tarde, a visita de Dr. Marcelo, médico de confiança da família, era esperada co
A secretária entrou na sala de Carla com uma expressão ligeiramente hesitante. Ela havia recebido um telefonema que a intrigava e não sabia como transmitir a mensagem. — Doutora Carla, acabei de receber uma ligação. Um senhor chamado Ronald quer marcar uma consulta com a senhora. Carla, que estava concentrada revisando alguns documentos, parou de imediato ao ouvir aquele nome. Ronald. O som ecoou em sua mente, trazendo lembranças e emoções que ela tentava, há anos, deixar no passado. Seus olhos fixaram na secretária, e por um instante, o ambiente pareceu congelar. — Ronald? — repetiu Carla, como se quisesse confirmar o que ouvira. — Qual o sobrenome dele? A secretária franziu a testa por um momento, folheando suas anotações. — Ele não mencionou o sobrenome, apenas Ronald, e disse que gostaria de uma consulta urgente. Me pareceu... aflito. Carla sentiu um frio percorrer sua espinha. Havia tantas possibilidades. Poderia ser apenas uma coincidência. Ronald não era um nome incomum.
Aquela noite parecia interminável tanto para Ronald quanto para Carla. Ambos se reviraram nas respectivas camas, tentando ignorar a ansiedade que latejava em suas mentes. O passado parecia querer ressurgir, trazendo emoções e dúvidas há muito enterradas. Ronald se perguntava se a médica que iria encontrar era a Carla, a mulher que havia transformado sua vida de uma maneira que ele nunca pôde esquecer. Carla, por outro lado, mal conseguia suportar a ideia de reencontrar o homem que, apesar de tudo, ainda mexia com ela de uma forma inexplicável. Quando a manhã finalmente chegou, nenhum dos dois tinha conseguido dormir direito, presos em um redemoinho de pensamentos e sentimentos. Ronald passou o dia inquieto. Na hora do almoço, decidiu sair da Belle Essenza mais cedo, avisando à sua secretária que não voltaria. Seu coração batia acelerado, como se ele estivesse prestes a enfrentar algo muito maior do que apenas uma consulta. Ao chegar em casa, encontrou Ingrid e Hermínio mais uma vez d
Carla cruzou os braços e encarou Ronald com uma expressão séria. As lembranças de seu passado na casa de Ronald ainda eram dolorosas, especialmente o dia em que Hermínio a havia expulsado de maneira tão cruel e humilhante. E agora, ali estava ela, frente a frente com Ronald, o neto daquele homem, pedindo ajuda para tratar a pessoa que a havia ferido tanto. — Ronald, você realmente acha que Hermínio vai aceitar ser atendido por mim? — a voz de Carla estava firme, mas havia uma pontada de mágoa. — Depois do que ele fez? Ele me expulsou da casa de vocês como se eu fosse nada. Ronald engoliu em seco. A lembrança daquele dia também era amarga para ele. Sabia o quanto Hermínio havia sido duro e injusto com Carla, e, naquele momento, a vergonha tomou conta de seu rosto. Ele abaixou os olhos, evitando o olhar penetrante de Carla, e suspirou profundamente. — Carla, eu... eu sinto muito — disse ele, com a voz baixa, mas cheia de sinceridade. — Você não merecia aquilo. Meu avô foi cruel, e eu
Carla acordou sentindo um leve aperto no peito. Hoje seria um dia bem difícil. Em duas horas, estaria frente a frente com Ronald e, mais complicado ainda, com Hermínio. Ela não sabia como o velho a receberia, mas algo dentro dela dizia que não seria fácil. — Vamos, Davi, é hora de levantar — disse ela, chamando o filho ainda meio adormecido. — Mamãe, só mais cinco minutinhos — respondeu ele, com aquela preguiça de sempre. — Não, meu amor. Você tem que ir para a escola. A mamãe já vai te deixar lá e tem muita coisa para fazer hoje. Com um suspiro, Davi se levantou e foi para o banheiro. Poucos minutos depois, já estava pronto, sentado à mesa tomando café da manhã. Carla observava o filho e não conseguia evitar a dúvida que rondava sua mente. O que Ronald e Hermínio fariam se descobrissem que Davi existia? Que Ronald, na verdade, tinha um filho de quase 4 anos, tão esperto daquele jeito. Em meio a esses pensamentos, Joaquim, o pai de Carla, entrou na cozinha com um sorriso e uma sac
No dia seguinte, Carla se preparava mentalmente para a segunda sessão de fisioterapia com Hermínio. Sabia que não seria fácil. Hermínio era conhecido por seu temperamento difícil, ainda mais agora, debilitado e com dores. — Está pronta para me torturar, doutora? — Hermínio resmungou, sem esconder a amargura. Carla sorriu de leve, colocando sua maleta de equipamentos sobre a mesa ao lado da cama. Não ia ser afetada pelos comentários dele. Já esperava esse tipo de recepção. — Vamos começar devagar, senhor Hermínio — disse Carla calmamente. — Quero primeiro alongar suas pernas para estimular a circulação. Sei que vai ser desconfortável, mas é necessário. Em poucos dias, o senhor vai notar a diferença. — Desconfortável? Isso é o que você chama de dor infernal? — retrucou ele, com a voz áspera. — Isso aqui vai ser um massacre. Carla ignorou a provocação e se ajoelhou ao lado da poltrona, começando a mover lentamente a perna de Hermínio para cima e para baixo. Ele fechou os olhos com