Camilla
Já faz um tempo que a noite caiu.
Incrivelmente o movimento da cafeteria está bem calmo, mesmo sendo uma sexta feira a noite, o que não é nada normal.- Se bem que o Alessandro podia liberar a gente mais cedo hoje, né? Não tem nem alma penada entrando aqui.- Maria Luiza, minha colega de trabalho, comentou me fazendo rir.
O que ela disse realmente é um fato, faz mais de meia hora que o salão está vazio, mas não há possibilidade daquele velho nós liberar mais cedo. Esse lugar não vai parar nem no dia da morte dele.
- Mais fácil a rainha Elizabete aparecer
aqui e me dizer que eu sou a neta perdidadela.- Falei sendo irônica, nem tanto.Não deu dois segundos que estávamos conversando e o Alessandro saiu da sua salinha nós repreendendo, pra variar.
"Que homem insuportável"- Meu subcomandante gritou.
- O que as duas estão fazendo paradas aí? Tem muito trabalho a se fazer.- Ele gritou conosco como sempre.
O Alessandro é aquele típico patrão que adora humilhar os funcionários. Parece que ele faz por puro prazer, ainda mais quando tem clientes no salão. Aí que ele se aparece mesmo... Mas vai chegar um dia que eu vou achar algo melhor que isso, e eu vou falar tudo que tenho vontade pra ele.
- Mas Senhor Alessandro, nós já fizemos tudo e o salão está vazio.- Malu logo tratou de dar uma explicação.
- Então vão lavar uma louça, um banheiro ou limpar o salão. Só não fiquem paradas iguais duas estátuas, até porque eu não pago vocês pra isso.- Ele gritou bem na nossa cara.
Engoli seco, respirei fundo e apenas acenei com a cabeça... Mais um grito e eu juro que iria bater nesse velho.
Malu e eu logo fomos cumprir nossas tarefas e deixamos o salão impecável para não haver reclamações.
As dez em ponto fechamos a cafeteria e ao sair de lá Eloisa já me esperava em frente ao seu carro.
Eloisa passou a semana inteira me atazanando sobre um show de MPB que iria acontecer hoje e eu juro que esgotei todas minhas desculpas e ainda assim ela não desistiu, então praticamente fui coagida a sair hoje com ela.
Eu adoro a Eloísa, ela é uma das únicas pessoas que eu confio e posso chamar de amiga, mas eu não gosto de sair. Eu gosto de ficar em casa, de baixo das minhas cobertas e assitir minhas séries.Eu sou uma idosa presa no corpo de uma jovem, é isso.
- Eloisa? Achei que a gente iria se encontrar no clube.- Falei surpresa ao vê-la ali.
- Ahh, mas eu vim te buscar. Sabe por que? Porque aí a senhorita não arruma uma desculpinha pra me deixar na mão.- Ela falou me fazendo rir.
Era provável? Sim, então ela com a razão.
Da cafeteria até o clube demorou por volta de vinte minutos e ao chegarmos lá já estava um pouquinho cheio, mas conseguimos nos acomodar em um canto.
- Vamos pedir alguma coisa? Eu acho que eu vou querer uma cervejinha bem gelada e alguns petiscos... E você?- Eloisa questionou.
- Eu vou querer alguns desses mini hambúrguers e um suco de laranja.- Também fiz meu pedido.
- Amiga, você não vai beber? Hoje é sexta feira, se solta!- Elô falou animada.
Eu não tenho boas lembranças da
última vez que eu bebi. Eu não deveriater bebido, até porque eu nem tinha idade pra isso, tinha apenas dezeseis anos e quis me fazer de adulta. No fim carrega as marcas desse fatídico dia até hoje.- Não amiga, eu estou muito bem com meu suquinho. Obrigada!
Eloisa deu os ombros pegando seu copo de cerveja e me deixou em paz, pelo menos por momento.
O ambiente do clube é até que agradável. O espaço e grande, é parcialmente iluminado, a música que está tocando é calma e trás paz e as pessoas falam alto e se divertem. É o tipo de lugar que eu voltaria.
Eu não curto muita muvuca, então aprecio esse tipo de ambiente.
- Amiga, não olha agora, mas tem um gato que não tira o olho de você.- Eloisa se aproximou de mim e falou bem baixinho no meu ouvido.
Eu não me importo quem é ou o quão gato esse cara seja, eu não quero nem saber de homem nenhum.
Eu nunca me envolvi com homem nenhum desde que fui atacada no passado, e isso não vai mudar agora. Homens geralmente só querem uma coisa, e eu não quero e nem estou pronta para dar isso para ninguém... Pra ninguém.
- Aí meu Deus...- Reclamei.
- Aí Camilla, deixa de ser chata. Pelo menos olha pro cara, ele é um gato.- Ela insistiu quase me obrigando a olhar.
Esse homem pode ser o Thor, eu não quero saber de homem nenhum.
Virei na direção que ela citou e ao me deparar com o homem em questão senti meu coração vibrar.
"Aí, não é possível" - Pensei desacreditada.
O que esse homem está fazendo aqui? Meu Deus! Isso só pode ser perseguição... Ou seria o destino?
"Aí Camila, deixa de ser tola!" - Meu subconsciente me advertiu me fazendo acordar.
Esse Fernando nunca iria querer nada com uma mulher como eu, e mesmo se ele quisesse, ele deve ser exatamente igual a todos os outros caras.
- Amiga, j**a um charme pra ele. Sei lá, faz alguma coisa.- Eloisa falou.
- Eloisa, abaixa o faixo! Esse cara não tá nem olhando pra mim, é só impressão sua.- Falei tentando tirar sua atenção do Fernando.
Foi só eu fechar a boca e pude ouvir a voz dele atrás de mim. Merda!
- Camilla! Como vai?- Sua voz soou com uma certa calma e suavidade.
Eloisa me olhou com a testa franzida e com surpresa no olhar.
- Vocês já se conhecem?- Ela falou surpresa. - Quer saber? Eu tenho que ir no banheiro, com licença.- Ela falou e saiu rapidamente me deixando a sós com aquele babaca.
Respirei fundo, contei até dez e me virei em direção ao Fernando.
- Eu acho que o destino está brincando com a gente. Eu quase nunca saio para baladas, e quando saio te encontro.- ele falou com seus olhos sobre mim.
- O destino as vezes é um pouco inconveniente.- Fui franca.
Fernando sorriu de lado, sentou-se perto de mim e me olhou no profundo dos meus olhos... E isso me fez arrepiar.
- Eu preciso de confessar uma coisa.- Ele falou me deixando curiosa.
- O que?- Soltei ao menos sem pensar.
- Tem algo em você que me deixa tão confuso. Seus olhos... Seus olhos passam um ar de calmaria, mas tem algo lá no fundo de tão sombrio.- Ele falou.
O que há de errado com esse homem?
Não me diga que agora ele sabe ler mentes.- Você está vendo coisas demais. Não há nada demais no meu olhar.
Fernando ficou ainda mais próximo de mim e cerrou os olhos como quem tentava de desvendar.
- Por que você desmaiou aquele dia? Os médicos não explicaram uma causa. Eu queria saber.
Ao ouvir a pergunta do Fernando tudo aquilo me veio a tona... Minha respiração ficou ofegante, meu coração acelerou e senti meu corpo ficar fraco.
Eu odeio me lembrar daquelas cenas. E como se eu estivesse vivendo aquilo de novo, e de novo... Eu não aguento mais.
- Fernando, me deixa em paz!- Falei com a voz fraca e com os pensamentos confusos.
- Camilla...- Ele começou a falar, mas eu não o deixei terminar.
Levantei-me daquele lugar pegando minha bolsa, saí sem olhar para trás e pude ouvi-lo vindo atrás de mim... Eu só quero ficar só, é esse homem me persegue.
- Camila, calma! Eu só quero conversar.- Pude ouvir ele falar enquanto saia pela porta do clube.
Eu saí de lá sem olhar para trás e atravessei a rua sem ao menos olhar para o lado, e nesse exato momento ouvi um barulho de uma buzina bem em cima de mim... No segundo seguinte senti braços fortes me puxando, meu corpo foi aparado por ele e parece que o tempo parou.
Nesse momento Fernando esta me segurando forte, os seus olhos estão sobre mim e sinto meu coração ir a mil... O que acabou de acontecer aqui? Eu não sei, e nesse momento meu coração está preso em um empasse. Metade de mim quer que ele se afaste, e outra quer que ele nunca mais me solte.
Fernando Ouço o som do mar correndo agitado, vejo as pessoas sentadas na área clara da praia e sinto uma brisa leve tocando meu rosto.Nesse exato momento me encontro na sacada da minha cobertura fumando um cigarro pra me acalmar, mas ainda assim sinto um turbilhão de pensamento dentro da minha cabeça... Me sinto atordoado.- Doutor Castro, sua mãe está te ligando.- Maria, minha empregada avisou chegando na porta da sacada.- Diga que eu estou trabalhando.Não quero falar com ninguém hoje.- Avisei e ela prontamente concordou me deixando a sós novamente.A minha relação com a minha família é muito complicada e perturbada... Eu nasci em um lar muito pobre, precário e cheio de violência. Meus genitores são usuários de entorpecentes, eles usavam todo tipo de drogas e isso afetou muito minha infância.Eu cresci vendo meus "pais" acabarem com as vidas deles e consequentemente com as nossas vidas... Era muito difícil viver em uma casa de dois cômodos, apanhar todos os dias e nem ter o que
CamilaA voz do meu professor está ecoando lá no fundo do meu consciente, mas não consigo entender e muito menos filtrar nada do que ele está dizendo... Minha mente está longe, bem longe nesse momento.Eu realmente não sei por que, mas eu não consigo tirar aquele delegadinho babaca da minha cabeça... Eu passei minha vida toda tendo pavor de qualquer homem envolvido com a polícia devido ao que me aconteceu, mas com ele é tão diferente, mesmo sem ao menos conhece-lo eu não sinto medo dele.Ainda assim eu insisto em afasta-lo de mim. Eu não confio em homem nenhum e sei que um homem como ele não iria querer nada sério comigo... Apenas se divertir, então é melhor mantê-lo distante.- Amiga, você está prestando atenção na aula?- A voz da Eloísa me fez despertar.Virei-me em direção a ela, balancei a cabeça e forcei um leve sorriso.- Tô... Tô sim!- menti.Ando tão distraída ultimamente que não consigo me concentrar em nada... Tudo por culpa daquele maldito delegado, mas isso vai acabar. Vou
FernandoEu sempre fui a pessoa mais racional do mundo... Aliás, quando se trabalha para a polícia você PRECISA ser racional. Não tem essa história de agir com os sentimentos ou o coração, você age com a cabeça e com os seus extintos... Não sei o que bem o que tem acontecido comigo, mas ultimamente não tenho sido assim.- Solta o braço dela agora ou eu não me respondo por mim.- Eu falei os olhos fixos sobre aquele babaca.Já faz um tempo que venho frequentando esse "bar" que a Camila é garçonete e já deu pra reparar que esse imbecil do chefe dela é um grande babaca. Ele trata todas as suas funcionárias feito animais e isso é nojento.Eu sei que eu não deveria intervir no meio de um assunto deles, mas não vou deixa -lo maltratar a Camila e nenhuma das outras garotas dessa forma... Mas não vou mesmo.Aquele velho imbecil me fitou com irá no olhar, ele exitou, mas não a soltou.- Eu vou contar até três!- Fui firme.Acho que aquele babaca pensou bem, pois no segundo seguinte ele soltou a
CamilaAinda não consigo acreditar que aceitei trabalhar na casa daquele tal de Fernando.Não sei o que deu nele pra me fazer essa proposta e muito menos o que deu em mim para aceitar... Sei lá, a gente mal se conhece e de repente começa a se cruzar toda hora.Parece até uma coisa do destino."Camila, não seja bobinha!"- Meu subconsciente me alertou.Eu não quero ficar pensando muito nesse Fernando, não quero que ele fique por aqui rondando meus pensamentos... Dizem que quanto mais longe da cabeça, mais longe da mente.- Aí Camila, esse moço foi tão bom com você. Você tem que ser muito grata a ele.- A voz de minha mãe soou atrás de mim.A minha mãe ao menos conhece o Fernando, mas ela o idólatra como se o conhecesse. Agora então, depois dele me ofertar essa oportunidade de emprego. É Deus no céu e o Fernando na terra!- É mãe, ele realmente foi muito gentil. Agora eu quero ver o que ele está querendo por trás dessa proposta...- Falei pensativa.- Aí Camila, para de desconfiar das pesso
FernandoHá uma enorme pilha de papéis espalhados sobre a minha mesa e isso está fazendo a minha mente da um nó... Nada disso está se encaixando. Me sinto preso em um grande labirinto!Eu atuo na corporação federal há mais de doze anos e eu confesso que nunca peguei um caso tão complicado em toda a carreira.Eu tenho certeza que há algum peixe grande por trás do caso "Madeleine". As coisas estão andando em passos de lesma e nada se encaixa... Porque quando tudo se encaixa, alguém grande se dará mal.- Doutor Castro, com licença! Eu posso entrar?- Helena questionou abrindo a porta da minha sala e chamando minha atenção.Deixei aquela papelada de lado, já que não está saindo nada daqui, e dei um pouco da minha atenção para a secretária.- Pode entrar!- Com licença! O senhor Matias Ferreira acabou de ligar para confirmar a reunião de hoje a tarde... Eu posso confirmar? Ele pediu pra confirmar o local também.- Ela disse tudo de uma vez só.Matias e eu quase nunca nos encontramos aqui na
CamilaA minha juventude foi tão diferente da juventude das minhas amigas. Eu sempre as via apaixonadas, com namoradinhos ou comentando sobre um novo boy. Eu nunca tive isso... Nunca me permitir gostar de um cara ou permitir que algum cara se quer se aproximasse de mim... Eu simplesmente tinha medo, e até hoje eu tenho medo.A primeira experiência que tive com um homem foi totalmente contra o meu desejo. Aquele homem asqueroso tirou o que eu tinha de mais precioso sem ao menos me pedir permissão e eu carrego as marcas disso até hoje, eu sinto o cheiro nojento da pele dele até hoje e lembro de cada detalhe do que ele me fez passar... Então vê-lo aqui, dentro do apartamento do Fernando me trás pânico e me faz lembrar de tudo que eu luto tanto pra esquecer todos os dias.Eu não sabia que esse monstro desse homem frequentava essa casa, se soubesse jamais que teria aceitado a proposta do Fernando.- O que aconteceu no escritório, Camila? Aquela louça que você quebrou custou uma fortuna...
Fernando (Semanas depois...)Faz dias que minha mente está presa em um transe... Eu simplesmente não consigo esquecer o que houve entre a Camila e eu no meu closet. Eu sempre tive que mulher que eu quis na palma da minha mão, era só eu estalar os dedos que elas vinham atrás no mesmo segundo e essa garota petulante me beija e depois vive fugindo de mim feito rato que foge do gato. Por que?Eu já sabia que a Camila tinha algo a esconder e via isso nos olhos dela, mas depois daquele episódio do closet eu tenho certeza... Ela teve uma crise depois de um simples beijo e eu realmente gostaria de entender o por que. Alguém traumatizou essa garota e eu realmente gostaria muito de saber quem foi e o que essa pessoa fez.- O senhor está me ouvindo?- A voz da Maria se embolou nos meus pensamentos.Levantei a cabeça "acordando" daquele transe e me deparei com Maria parada na minha frente com uma feição confusa no rosto.O que foi que ela disse? Estava com a cabeça do mundo da lua. Não ouvi uma pa
CamilaMinha cabeça ainda estava assimilando aquela proposta ridícula que o Fernando havia me feito mais cedo e eu ainda me sentia totalmente enojada ao me lembrar dela.Como um ser humano consegue ser tão baixo a esse nível? O Fernando fez com que eu me sentisse apenas como um pedaço de carne que ele pudesse simplesmente pagar.As palavras do Fernando me atingiram feito uma bala no peito e aquela cicatriz que estava se fechando se abriu mais uma vez... Agora me lembro bem o porque eu afastei todos os caras que se aproximaram de mim nos últimos anos, pra não ser vista como um manequim na vitrine, porque foi assim que esse idiota olhou para mim.Será que o Fernando não pensou ao me fazer essa proposta descabida? Ele viu o que o Alessandro fez comigo e o julgou, e no fim ele acabou fazendo o mesmo- Mas ele falou desse jeito mesmo? Meu Deus! Que cara mais estranho.- Eloisa diz me fitando com surpresa em seu olhar.Eu nem consegui ir para casa depois de ouvir os absurdos que o Fernando d