CAPITULO 6

Fernando

Ouço o som do mar correndo agitado, vejo as pessoas sentadas na área clara da praia e sinto uma brisa leve tocando meu rosto.

Nesse exato momento me encontro na sacada da minha cobertura fumando um cigarro pra me acalmar, mas ainda assim sinto um turbilhão de pensamento dentro da minha cabeça... Me sinto atordoado.

- Doutor Castro, sua mãe está te

ligando.- Maria, minha empregada avisou chegando na porta da sacada.

- Diga que eu estou trabalhando.

Não quero falar com ninguém hoje.- Avisei e ela prontamente concordou me deixando a sós novamente.

A minha relação com a minha família é muito complicada e perturbada... Eu nasci em um lar muito pobre, precário e cheio de violência. Meus genitores são usuários de entorpecentes, eles usavam todo tipo de drogas e isso afetou muito minha infância.

Eu cresci vendo meus "pais" acabarem com as vidas deles e consequentemente com as nossas vidas... Era muito difícil viver em uma casa de dois cômodos, apanhar todos os dias e nem ter o que comer. Não dá pra contar quantas vezes eu fui dormir com a pele cheia de hematomas e com a barriga vazia. Até hoje tenho pesadelos com esses tempos, isso nunca saiu da minha memória.

Toda vez que me lembro dos meus pais biológicos eu tenho certeza que o "amor" foi algo inventado pelos antigos românticos. Porque se nem quem me colocou no mundo foi capaz de demonstrar qualquer tipo de afeto ou amor por mim. Não vai ser uma mulherzinha qualquer que vai saber. E é exatamente por isso que eu vivo sozinho e vou morrer assim, sozinho.

- Desculpa incomodar de novo, mas

sua mãe pediu pra avisar que vai ter

um jantar em família amanhã a noite

e o senhor está convidado.- Maria avisou.

Dona Eliane realmente não desiste de tentar me encaixar em sua família.... Dona Eliane é minha mãe adotiva, ela me pegou para criar quando eu tinha sete anos de idade e ela realmente foi como uma mãe pra mim e eu tenho um certo carinho e apresso por ela, mas infelizmente não sei e não consigo demostrar isso... É por isso que prefiro ficar aqui, quieto no meu canto.

Apenas acenei com a cabeça sem lhe dar resposta e permaneci com os olhos sobre o mar... Não sei porque, mas ele me trás uma certa paz, uma calmaria rara.

Fiquei mais um tempinho pensando na vida alí na minha varanda, mas depois resolvi tomar um banho quente e focar minha cabeça no meu trabalho... Que é o que importa de verdade para mim.

- Você já está de pé? Tá um friozinho tão gostoso. Volta pra cama, amor.- Pâmela diz ao me ver passando pelo quarto.

- Tenho muito trabalho a fazer, Pâmela.

Acho até melhor você ir pra sua casa, eu não vou poder te dar atenção.- Fui franco.

Ela sentou -se na cama ainda nua, me fitou pensativa e balançou sua cabeça em forma de negação.

- Você está transando com outra mulher, é isso?- Ela me questionou.

Era só o que me faltava, ter que dar satisfação da minha vida pra Pâmela. Não me lembro de ter assumido algo sério com ela.

- Pâmela, se coloque no seu lugar. Você não tem direito de me cobrar nada.- Fui direto.

Ela se levantou no segundo seguinte, veio até mim e olhou no fundo dos meus olhos.

- Como não tenho? Nós estamos há mais de três anos juntos, Fernando. Não me trate como uma qualquer, porque eu já aturo coisas demais pra aceitar isso.- Pâmela diz.

Não deu pra não segurar a risada ao

ouvi-la falar aquilo... Como é que é?

- Você perdeu a cabeça? Eu deixei bem claro lá atrás que nós não teríamos um relacionamento sério e você sabe muito bem disso. Não se faça de louca!

Aquela mulher olhou no fundo dos meus olhos, pude sentir tanta raiva em seu olhar e no segundo seguinte sua pele ficou da cor de um pimentão... Mulher com raiva é coisa séria.

- Você... Aí, Fernando! Você não tem a mínima consideração por mim e por tudo que eu fiz e faço por você. Você da mais atenção pra um bando de garotas de favela que você nem conhece.- Ela gritou pegando meu dossiê de trabalho e jogando no chão.

- Olha o que você está falando, Pâmela. Essas "garotas da favela" foram abusadas por um crápula. Deixa de ser fria!- Gritei sem paciência alguma com ela.

- Isso não é problema meu e nem seu, isso é um problema delas. Elas que se virem.- Ela gritou e o resto de paciência que eu tinha acabou.

Essa é a gota d'água. Não vou aguentar ouvir mais nada dessa... Dessa mulher. A Pamela nunca foi um grande exemplo a ser seguido, mas isso já é demais pra mim.

Peguei suas roupas que estavam sobre a cama e entreguei em suas mãos.

- Se veste, pega as suas coisas e vai embora daqui... Se eu sair do meu escritório e você ainda estiver aqui, eu mesmo vou te colocar pra fora.- Falei entre dentes e dei as costas.

Entrei em meu escritório em seguida, tranquei a porta atrás de mim e ainda assim pude ouvir os gritos e os murmúrios da Pâmela do lado de fora... Se a Pâmela queria atenção, ela conseguiu o contrário. Ela está fora da minha vida de uma vez por todas, e não estou brincando ao dizer isso.

Mesmo com todos as turbulências do dia consegui focar no trabalho e até que houve um bom rendimento. Consegui fazer tudo que me propus, até um pouco mais.

Sai do meu escritório por volta das sete e meia da noite e dei de cara com o Rodrigo na minha sala de estar... Já dá até pra ver o que está por vir. Rodrigo na minha casa na sexta feira? Balada na certa.

- Pra qual balada você veio me chamar para ir?

- Credo, Bro! Parece até que eu só venho aqui pra te arrastar pra farra.- Ele falou em um tom ressentido e isso me fez rir.

Quem conhece o Rodrigo sabe que ele vive pela farra, bebida e pegação... Ouso dizer que ele chega a ser um pouco pior do que eu, e olha que fui eu quem ensinei tudo que esse sabe.

Rodrigo é meu irmão mais novo, ele é filho da minha mãe Eliane e ele nasceu logo após ela ter me adotado. No início nos tivemos nossas diferenças, mas assim que eu entrei na adolescência ele se tornou meu pupilo.

Hoje nós temos uma relação até que muito boa. Rodrigo é um garoto legal e eu tenho um certo carinho por esse cabeça dura.

- Fala logo moleque.- Digo sem rodeios.

Rodrigo me fitou com um olhar de riso, se levantou e meio até mim colocando suas mãos sobre os meus ombros... Lá vem.

- Cara, abriu uma boate bem cool no centro da cidade, e olha, é do jeito que você gosta. Só toca MPB, o lugar é bem calmo e nem tem tanta gente.

O que eu falei? Já sabia que ele queria alguma coisa.

- Rodrigo, eu tô cansado. Trabalhei a semana toda, tô com a cabeça cheia.- Falei.

- Pô mano! Eu saí do outro lado da cidade só pra passar um tempo com meu irmão mais velho. Tu não vai me fazer essa desfeita, né?

O encarei por alguns segundos, balancei a cabeça achando graça, mas por fim cedi a vontade dele... Tive um dia muito cheio, eu bem que estou precisando me distrair um pouco. Se não fizer bem, mal não vai fazer.

.

.

.

Quando Rodrigo e eu chegamos na balada o local já estava um pouco cheio, mas nada muito absurdo como as baladas costumam ser, como o Rodrigo disse. O local realmente é mais tranquilo e agradável.

- Então vocês não estão mais ficando?- Rodrigo falou ao comentar sobre a Pâmela.

- Não estava mais dando certo, mas logo logo coloco outra no lugar dela.- Ironizei.

Rodrigo me fitou enquanto ria, balançou a cabeça e deu um gole em sua cerveja.

- Pelo jeito minha mãe não vai realizar o sonho dela de ser avó tão cedo.

Engasguei com minha bebida ao ouvir o Rodrigo falar aqui... O quê? Mas ela não vai realizar esse sonho mesmo. Eu nunca vou ser pai, nunca!

Abri a boca para responder o Rodrigo, mas algo... Ou melhor, alguém chamou minha atenção.

- Miss simpatia...- Falei sem pensar.

- O que?- Rodrigo falou confuso.

Balancei a cabeça, deixei meu copo de lado e me levantei dando os ombros.

- Eu vi uma conhecida... Daqui a pouco eu volto.- Falei o deixando sozinho ali.

A amiga da Camila já me olhava, mas ela estava de costas e pela cara da amiga dela.

Elas estavam falando de mim.

- Camilla! Como vai?- Falei rapidamente.

Ela finalmente olhou para trás me fitando e sua amiga nós olhou de forma confusa.

- Vocês já se conhecem?- Ela falou surpresa. - Quer saber? Eu tenho que ir no banheiro, com licença.- Ela rapidamente nós deixou a sós.

Camila até tentou puxar a amiga, mas não deu certo e nos ficamos a sós.

- Eu acho que o destino está brincando com a gente. Eu quase nunca saio para baladas, e quando saio te encontro.- Falei.

Ela me fitou com uma cara de poucos amigos, deu os ombros e deu um gole em seu suco.

- O destino as vezes é um pouco inconveniente.

Sentei-me ao lado dela mesmo sem o seu convite e olhei profundamente em seus olhos... O que essa mulher tem? Desde a primeira vez que eu a vi, há algo que me deixa tão intrigado sobre ela. Eu nunca me vi assim, nunca.

- Eu preciso de confessar uma coisa.- Deixei escapar.

Camila imediatamente trouxe seus olhos pra mim, me olhou confusa e arqueou as sobrancelhas.

- O que?

- Tem algo em você que me deixa tão confuso. Seus olhos... Seus olhos passam um ar de calmaria, mas tem algo lá no fundo de tão sombrio.- Fui honesto.

- Você está vendo coisas demais. Não há nada demais no meu olhar.- Ela falou sem me olhar.

Eu sei que há algo obscuro escondido atrás desses olhos, e eu vou descobrir o que é. Eu vou!

- Por que você desmaiou aquele dia? Os médicos não explicaram uma causa. Eu queria saber.- Insisti.

A Camila parece ter ficado apreensiva com minha pergunta, ela ficou muito inquieta e pude ver suas mãos suarem.

- Fernando, me deixa em paz!- Ela falou um pouco até alterada.

Ela ficou totalmente inquieta com minha pergunta e pude vê pelo seu rosto que ela não estava nada bem.

- Camila...- Comecei a falar, mas ela se levantou em um impulso fugindo de mim.

Não me segurei e levantei indo atrás dela.

- Camila, calma... Eu só quero conversar.- Falei tentando alcança-la enquanto passava pela porta da balada.

Ela se quer olhou para trás, Camila saiu atravessando a rua e se quer viu que havia um carro cruzando a avenida.

Nai sei o que deu em mim, mas não pensei duas vezes e em um impulso me joguei na frente daquele maldito carro... Eu agarrei aquela mulher mal educada e a joguei pra fora do cruzamento.

A respiração dela estava totalmente ofegante, seu corpo está trêmulo e seus olhos me fitam de uma forma confusa.

- Você está louca? Só pode tá querendo morrer, maluca!- Gritei nervoso.

Camila me olhou com raiva, seu corpo retraiu e ela deixou algumas lágrimas escapar.

- E por que você não me deixou morrer? Isso é um problema meu... Me deixa fazer o que eu quero da minha vida.- Ela gritou de volta.

É assim que essa ingrata me agradece? Ah, não é possível!

- Quer saber? Dá próxima eu vou deixar mesmo! Você que se foda!- Falei enfurecido.

Aquela mulherzinha me olhou incrédula, bufou e saiu sem falar uma palavra... O pior é que essa mulher está indo na direção contrária a da balada.

- Aonde você está indo?- Perguntei indo atrás dela.

- Não te interessa!- Ela gritou sem ao menos olhar pra mim.

Olhei em volta e vi que tudo estava deserto e eu sei que essa região é perigosa, ainda mais pra uma mulher sozinha a noite.

- Camila, eu te levo...- Falei sem pensar.

Ela parou de andar, olhou para trás e riu em forma de deboche.

- Eu não vou entrar em um carro com você.

Eu nem te conheço... Vai que você quer me matar.- Ela falou me fazendo rir.

Era só o que me faltava.

- Se eu quisesse te ver morta teria deixado aquele carro te atropelar, seria mais fácil.- Fui franco e direto.

Ela me olhou confusa, mexeu nos cabelos e ficou meio pensativa.

- Eu não vou embora... Eu vou voltar pra balada e esperar minha amiga.- Ela disse por mim.

É, é melhor do que ela ir embora sozinha.

Concordei a cabeça me dando por vencido.

- Okay! Eu te acompanho.- Falei.

Camila se deu por vencida e me deixou acompanha-la... Ela voltou para o clube e sentou ao lado de sua amiga e bem distante de mim, mas eu não tirei os olhos dela em nenhum segundo da noite e pude ver que ela também não tirou os olhos de mim.

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