Dois anos atrás.
Cemitério Memorial
Marcus Vicenzo Ricci
Todos foram embora, só eu fiquei. Na solidão daquele momento, cercado apenas pelas memórias da pessoa amada, as lágrimas fluem sem controle. O toque delicado nas inscrições gravadas no mármore traz uma sensação de proximidade, como se cada letra fosse uma ponte para o passado compartilhado com Vitória Lombardi Ricci, minha esposa.
A culpa se instala no coração, pesando como uma âncora, enquanto reconheço que a vida própria, com suas preocupações e ilusões de invulnerabilidade, obscureceu a compreensão de que o destino pode ser implacável. A prepotência de acreditar que a felicidade e o bem-estar eram inabaláveis mostra-se agora uma ilusão cruel, e o desejo de voltar atrás e corrigir os erros torna-se um anseio impossível.
As lembranças se intensificam, cada momento vivido com ela ganhando um significado ainda mais profundo. O arrependimento e a saudade fundem-se, criando um redemoinho de emoções angustiantes.
Nesse momento de tristeza e autorreflexão, sinto como a vida é efêmera e como as nossas escolhas moldam nosso destino e o daqueles que amamos. A perda serve como um lembrete doloroso da importância de valorizar cada momento, de demonstrar amor e cuidado, de estar presente de verdade na vida das pessoas que amamos.
Enquanto o coração se aperta e as lágrimas continuam a cair, toco novamente as inscrições com muita tristeza e carinho, letra por letra, consciente de que jamais a verei novamente.
Tempo presente,
Sicília, Itália, duas horas da tarde.
Caminho entre os vinhedos, sentindo a brisa fresca do fim de tarde. Meus olhos contemplam as lindas montanhas no horizonte, o céu tingido de vermelho. É um espetáculo bonito de se ver. Gosto muito daqui, mas, apesar de me agradar, sinto-me melancólico. A dor com a perda de Vitória persiste em meu peito. Os olhos castanhos, cheios de agonia enquanto morria em meus braços, nunca saíram da minha mente. Já se passaram dois anos, mas esse tipo de olhar nunca se esquece.
Passo a mão pelo cabelo, como se isso fosse afastar as lembranças tristes. Balanço a cabeça quando elas insistem em me perseguir. Com raiva da vida, de tudo, pego um graveto do chão e o atiro para longe. Meu celular vibra no bolso da calça. Respiro fundo antes de retirá-lo. No visor: Donatella.
— Filho, tudo bem com você?
Fungo.
— Sim, mama.
— Não parece. Que suspiro de infelicidade é esse?
— Impressão sua.
— Viva sua vida, Marcus. Pare de sofrer, pare de se culpar e suspirar pelo que já passou.
Fico em silêncio.
— Figlio, ouviu o que eu disse?
— Sim.
— Promete então para mim que vai tentar ser feliz?
— Tenho lutado por isso, mama.
Ela funga do outro lado.
— Vá bene! E como está tio Matteo?
— Está bem. O velhinho vai longe. Está forte como um touro.
— Diferente do seu papa, que tinha uma saúde frágil e se foi tão cedo.
Rio interiormente. Ela fala de mim, mas sempre se entristece pelo meu pai.
— Sim, é verdade.
— Está conseguindo descansar?
Solto o ar, observando tudo ao meu redor.
— Sim, mama, não se preocupe. Realmente tirei um tempo para mim. E eu precisava disso. Espairecer um pouco a cabeça.
— Sim, eu sei disso. Esses dois anos foram muito difíceis para nós.
Contenho um suspiro.
— A senhora poderia estar aqui, ao meu lado agora. É maravilhoso andar pelos caminhos entrelaçados dos nossos vinhedos. Nossas uvas estão no ponto da colheita. Doces como mel.
Escuto sua risada.
— Não. O verão é muito quente aí. Você sabe como detesto o calor.
Sorrio.
— Sim, eu sei. E minha princesa?
— Sente sua falta.
— Daqui a quinze dias estarei aí.
— Cosi presto? (Já?)
— Estou com saudade da minha princesa e tenho assuntos pendentes, mama.
— Vá bene, então me avise direitinho quando virá. Pedirei para Francesca fazer tudo que mais gosta.
— Eu aviso.
— Ah, antes que eu me esqueça, eu contratei uma nova babá.
Meu rosto se fecha.
— Catso! — as palavras saem rosnadas.
— Bianca não se acostumava com Raquel. Chorava o tempo inteiro. Aquela garota não tinha psicologia nenhuma para lidar com uma criança.
— Dio! — digo com sofrimento olhando para baixo, então ergo meu rosto e respiro fundo antes de perguntar — e essa que contratou? Quem é?
— Jade. Ela foi babá de uma criança da mesma idade por três anos, mas o casal se mudou para o Egito. Eles eram egípcios, como ela.
Egípcia? Ergo as sobrancelhas e fico imaginando uma garota de cabelo lambido e pele bronzeada. Do tipo "sem graça." Porque nada se compara à beleza da mulher italiana.
— Está certo mama.
— E pode ficar tranquilo figlio, estou de olho nela, no jeito que ela trata Bianca, se ela é competente.
Meu coração se aperta.
— O problema não está nas babás, mama, e sim em Bianca. Enxergue isso de vez!
— Bianca é normal. A terapeuta disse isso — ela diz.
— Normal, mas carrega um trauma.
— Vá bene!
— E quanto à babá, eu mesmo a averiguarei de perto. Fiz isso com todas e com essa não será diferente. Também gosto de saber quem está cuidando da minha filha.
— Espero que não a espante como fez com Eleonora. Foi ela te conhecer, desistiu do emprego.
— Não tenho culpa se ela não gostou da minha cara feia. Não nasci para agradar os outros.
— Ah, ainda bem que admite, pois essa tem sido sua cara ultimamente.
— Mama, preciso desligar. Tio Matteo está me chamando para o almoço.
— Vá bene! Até breve.
Enquanto caminho pelos vinhedos em direção ao almoço com meu tio Matteo, a beleza da paisagem siciliana não consegue afastar completamente a tristeza que carrego no peito. A natureza exuberante apenas serve como lembrete de que a vida continua, mas as perdas que sofri ainda pesam sobre mim. A imagem de minha amada filha Bianca surge em minha mente, e a culpa por não estar com ela agora me atormenta. No entanto, precisava me afastar da casa cheia de memórias de Vitória, pois essas lembranças me perturbam constantemente.
Respiro fundo, buscando algum alívio para a tristeza que me consome. Continuo a jornada, enfrentando meus desafios, mas admitindo para mim mesmo que ainda não encontrei um caminho para superar completamente essa dor. A vida na Sicília segue seu curso, e eu também sigo em frente, mesmo que carregue em mim essa sensação de não merecer a felicidade. Talvez, com o tempo, encontre uma maneira de curar minhas feridas e encontrar paz novamente.
Jade Al-KudsiDesde que consegui esse emprego, tenho me sentido abençoada. O salário é ótimo, e me livrei do aluguel do apartamento decadente onde morava. Além disso, a generosidade da senhora Donatella ao me oferecer o quarto de hóspedes só intensificou essa sensação. Nunca na minha vida comi tão bem ou desfrutei de uma cama tão cheirosa e confortável.Suspiro, relembrando o quanto sofri ao longo da minha vida. Meu passado foi marcado por uma infância dolorosa e cheia de desespero. Tudo começou com a morte prematura da minha mãe quando eu tinha apenas doze anos. Meu pai nunca conseguiu superar essa perda, o que afetou sua saúde, levando-o gradualmente à deterioração. Ele faleceu poucos anos depois.E as dificuldades não pararam por aí. Fui retirada de casa, da comunidade árabe onde morava, e enviada a uma instituição para jovens órfãs. Infelizmente, as outras meninas não me acolheram bem. Enfrentei momentos difíceis e me perguntei o motivo pelo qual elas me tratavam com hostilidade.
Só Deus sabe o quanto meu amor por ela é profundo Só Deus sabe o quanto meu amor por ela é profundo Seus olhos me derreteram, eu juro por meu Deus só Deus sabe o que está acontecendo comigo.Um rapaz se coloca na minha frente e tenta me acompanhar.—Você é muito sexy.A palavra "sexy" não me agrada, minha dança não é para seduzir, é pura arte.Eu aceno um sim para ele, contudo, em seguida, dou-lhe as costas. Pego a mão da minha amiga e a viro para mim, começando a dançar com ela.Rio interiormente quando vejo a decepção estampada nos rostos dos homens. Acho que eles acham que sou bissexual.Mas não me importo.Continuo minha dança, e as palmas me seguem enquanto todos me veem vibrar meus quadris, meus cabelos longos balançando de um lado para o outro.Vou inclinando minha cabeça para trás enquanto movimento os braços no alto.Os olhos dela me derreteram, eu juro o meu Deus.Só Deus sabe o que está acontecendo comigo.Eu juro, eu derreti nela, Os oceanos dos seus olhos me pegaram. Eu l
—E como! Até pouco tempo eu não sabia direito quem morava na casa. Se a garotinha era órfã ou se os pais estavam viajando. Só obtive essa informação dias atrás, quando Donatella ganhou confiança em mim. E mais! A casa é cercada por seguranças. Quando a senhorinha sai, dois brutamontes a acompanham.—Puxa! Eles são neuróticos mesmo!—Pois é... —digo pensativa, e então meus olhos ficam vivos nos dela—mas não vamos mais falar sobre minha vida. Agora quero saber do seu emprego. Está feliz? Está se adaptando bem?—Como não? De auxiliar, me tornei uma chef de cozinha! Não tem como não ficar feliz. Agora sou eu quem manda descascar batatas.—É isso aí!Rimos juntas, e ela começa a me contar sobre o seu dia a dia e como sua comida tem agradado.Natasha toma o último gole do chope e me encara:—Vamos dançar? Viemos aqui para isso, não é mesmo?Eu termino minha água com gás e digo animada:—Claro, além disso, não quero chegar muito tarde. O pai da Bianca chega amanhã e preciso estar bem. Não qu
MarcusMeu coração bate descontroladamente, e estou tão nervoso que poderia estrangular minha mãe por ter contratado essa garota inconsequente, insensata e muito jovem para o meu gosto. Embora ela tenha sido babá de uma criança da mesma idade de Bianca por três anos, não é esse tipo de babá que desejo para minha filha.— Quero que fique bem claro que não tolero irresponsabilidade quando se trata do bem-estar da minha filha. Ela é a coisa mais importante da minha vida, e não vou permitir que alguém coloque em risco a segurança e a rotina dela.Seus olhos de um verde vívido estão bem fixos nos meus. Sua boca de lábios carnudos se abre, mas nenhum som sai.Quero que ela sinta na pele minha fúria, e para deixá-la ainda mais nervosa, torno-me ainda mais intimidante ao dar um passo em sua direção.Dio! De perto ela é ainda mais bonita.Os cabelos castanhos dourados têm um brilho que me lembra o sol do meio-dia.Egípcia?Eu a imaginei tão diferente.Estou surpreso dela ser dona de uma beleza
Limpo uma lágrima que escapa:— Eu não sou inconsequente e gosto muito da sua filha. Se depender de mim, ela receberá todo o amor que merece.Ele assente brevemente e, em seguida, sua expressão se torna séria novamente.— Ótimo. Agora, vá descansar. Amanhã, quero você bem-disposta para cuidar de Bianca — ele diz suavemente, porém sua voz me pareceu ainda mais ameaçadora do que se ele estivesse com raiva, e imediatamente me afasto de sua presença.Com os pés ainda descalços, faço meu caminho silencioso até o quarto.Allah! Eu esperava que ele fosse diferente, que fosse mais compreensivo e menos intimidador. Mas agora sei que ele é um homem difícil e exigente, e que terei que me esforçar muito para conquistar sua confiança.Assim que fecho a porta atrás de mim, as lágrimas começam a fluir livremente quando penso em tudo que Bianca passou. Minha mente está turva com tantas emoções conflitantes. A dor que Marcus expressou ao falar sobre a morte de sua esposa me tocou profundamente.Allah!
Dia seguinte Jade Mashallah, não perdi a hora! Estou pronta para mais um dia de trabalho. Pela última vez, olho-me no espelho e observo meu vestido preto e os cabelos presos em um coque alto. Optei por um estilo mais sóbrio e discreto, diferente do visual de ontem que realçava minhas curvas: cintura fina, pernas torneadas e seios firmes. Hoje, quero transmitir uma imagem de seriedade e competência para enfrentar aquele homem. Antes de sair do quarto, fecho os olhos com força, conto até cinco, dez, vinte, mas não consigo relaxar. A lembrança da conversa com Marcus Ricci continua a se repetir incessantemente em minha mente, e a ansiedade aumenta quando penso que ele estará me observando junto a Bianca. Allah! Há dias em que Bianca não acorda bem, fica de mal humor e se fecha. Espero que hoje não seja um dia desses. Finalmente saio do quarto e me dirijo à sala de jantar. Agora são oito horas, e Bianca costuma acordar às nove. Posso tomar meu café sem pressa, tranquilamente. Tranquil
Em seguida, ele faz cócegas com sua barba. Bianca ri de maneira adorável, de um jeito tão doce que nem mesmo consigo piscar. Apesar de me sentir como uma intrusa, fico paralisada, incapaz de sair do lugar.No entanto, o momento é quebrado quando o rosto de Marcus Vicenzo Ricci se ergue, e ele me flagra espionando. Meu coração dispara enquanto seus olhos se fixam nos meus. Com o coração acelerado, lhe atiro um sorriso fraco e fecho a porta bem devagar.Sentindo-me perturbada e acalorada, sigo com o coração disparado até o quartinho de brinquedos.Os minutos passam comigo arrumando os brinquedos nas caixas organizadoras. Faço tudo no automático, pois minha cabeça está na linda imagem que vi de pai e filha. Foi maravilhoso presenciar a alegria da menina ao lado de seu pai, testemunhar seu riso genuíno e radiante. Isso me tocou profundamente e me fez ver Marcus sob uma nova ótica. O olhar amoroso e a dedicação que ele demonstrou por Bianca despertaram em mim um misto de admiração e compai
Também reconheço a importância de construir uma conexão com Bianca, que foi abalada com a chegada do pai. Encontrar maneiras de conquistar sua confiança e demonstrar que estou aqui para cuidar dela da melhor forma possível. "Allah", me ajude!⌚⌚⌚⌚⌚⌚Minutos depois, ouço a voz de Bianca vindo da área da piscina. Curiosa, sigo até a janela e vejo-a entrando na piscina infantil. Marcus está sentado descontraidamente, usando apenas shorts, aproveitando o sol enquanto observa a filha se divertir. A cena transmite uma sensação de paz e cumplicidade entre pai e filha, contrastando com a tensão provocada momentos antes.É reconfortante ver o sorriso no rosto de Bianca, mesmo que eu ainda me sinta um pouco distante daquela conexão especial entre eles. Enquanto os observo, uma pontada de tristeza surge em meu coração. Lembro-me de todas as vezes em que convidei Bianca para irmos à piscina juntas, mas ela sempre se recusou. Nem mesmo Donatella conseguia tirar a menina do quarto. No entanto, com