MARCO POLO
Eu estava duas vezes mais ansioso que o normal, isso não era novidade, já era por um motivo, agora tenho mais um belo e bonito motivo, de boa aparência, um sorriso e calma invejável, eu fecho o relatório, estou na área de alimentação da empresa, da advocacia, olhando para um copo de café amargo gelado, são três horas da tarde.
Ela não vai ligar, ela não precisa exatamente de mim, por que ela me ligaria? Por que caralho ela precisaria de mim?
– Está tudo bem? – Vejo a sombra do meu pai e o vejo se sentar na minha frente, olhando fixamente para mim, como sempre, nada de muito novo. Analisando meu comportamento, assim como os telespectadores do animal planet analisa o conteúdo produzido.
– Sim, tudo – Falo calmo, puxo o copo de café para mais perto. – O senhor? – Pergunto, sabendo que aquela e a única conversa que conseguimos ter, sem ele começar a me criticar ou falar sobre as nobres atitudes deles como pai.
– Mais um caso?
– Separação – Fica sendo a única coisa que falo, mas eu não me aguento, olho para ele. – Traição do marido, trágico, não é? – Ironizo e sinto o olhar áspero dele. Na fila desse pão ele passou algumas vezes, então isso já não o deixa tão nobre e tão honroso.
– Não gosto quando me alfineta, você tem seus problemas e eu os meus – Fala. – Você sabe que as coisas chegaram no ponto que chegou por você também, sua... seu problema estúpida – Eu dou um sorriso. – É difícil lidar com você, Marco.
– Eu com esse problema nunca trai ninguém ou algo do tipo – Falei e peguei minhas coisas. - Isso não o impediu ou motivou a nada, sua vontade sim.
– Você precisa deixar de ter raiva de mim.
– É você de ser o pai do ano – Bufei, saindo sem olhar para trás, sem nem ter a noção do quanto ele havia ficado vermelho.
Oh, que tragédia! Meus pêsames, papai.
Subo para minha sala e me jogo na minha cadeira, girando nela de forma calma e pacífica, quase decolando da sala para longe dali, me ajeito e paro de rodar na cadeira, voltando a atenção para o estudo do caso, um caso de separação de um matrimônio por nove anos, ao qual minha cliente alega não aguentar as agressões verbais e as relações extraconjugais que interferem o bem-estar da mesma e da criança, um menino.
Bem, até aqui e tudo tão normal, vara familiar e isso, não pensei que seria diferente, mas o ponto aqui e que eu pego 90% dos casos do mesmo jeito, mulheres infelizes e com sérios problemas dentro delas e fora delas, filhos que se apegam aos problemas e se veem em parte dos problemas. Eu gostava de pensar que Deus estava vendo, mas a realidade era que eu estava aqui agindo para que nenhuma injustiça acontecesse, sendo o tirano e malvado advogado, eu lidava com fatos, um marido adúltero sempre comete o mesmo erro, o marido violento também, o grande perigo de dar chance e isso, se ele quisesse nem teria gastado a primeira chance. São fatos tão banais que as pessoas deviam entender isso de forma simplificada. Acredito no matrimônio, mas também acredito que se não está dando certo e está tirando sua paz, bem, suma, fuja, separe, pense em você mesma ou no bem das crianças, coloque na balança você e aquilo que você é, aquilo que te faz única e o mais importante, que te faz dar esse sorriso que você está dando nesse exato momento.
– Doutor – Olho para a porta e vejo Clarice, minha secretária. – Linha dois, uma moça diz que precisa falar com o senhor.
– Sabe que não atendo esse tipo – Eu paro, quando me da noite passada. – Ela disse o nome?
– Alex Padilha, posso...
– Transfira a linha, por favor – Falei e no impulso coloquei o telefone no ouvido e esperei ouvir a voz dela.
– Alô? – Calma, centrada. Senti falta dessa centralidade.
– Pronto – Foi o que eu consegui falar e pude notar que eu estava realmente ansioso por aquilo, por aquela ligação.
– Tinha dois números e um não deu certo, estou atrapalhando algo? – Eu dei um suspiro, esperei um pouco e me inclinei na mesa, pensando bem no que eu falaria.
Tinha que ser astuto e rápido, certeiro, para não errar o tiro não sair pela culatra, embora meu objetivo é só ter ela perto e depois, bem, depois deixamos de lado. Me sinto um pouco culpado pela perca do trabalho dela.
– Claro que não, Alex – Puxei uma folha. – Eu esperava que você ligasse, acho que vou conseguir te ajudar, aqui no escritório e bem grande e precisa de duas moças para o almoxarifado, pensei que você se interessaria pela vaga, o que acha? Turno de 8 horas, benefícios e registro.
Houve um silêncio.
Ela estava surpresa e pensativa, eu tinha certeza disso, mas eu pagaria muito dinheiro para ver a expressão dela, elas nunca esperam que façamos alguma coisa, nunca, em hipótese nenhuma. Mas elas querem que façamos.
– Caramba – A voz dela se elevou, Alex era como uma novata no meu mundinho. Era simples. – Não queria ligar para você, mas eu liguei – A voz dela foi para nervosa. – Não está brincando comigo, está?
– Nenhum pouco – Falei firme, dando a volta por cima, tendo mais clareza. – Alex eu disse que ajudaria, estou fazendo isso. Quero que traga seus documentos e aceite o cargo, não é muito, mas é melhor que trabalhar cercada por homens bêbados em um horário tão banal, ainda mais para alguém como a senhorita, esperta, nova demais para se acabar em um lugar daqueles ou até mesmo perdendo boas habilidades que você apresentou e pode apresentar em um cargo melhor – Despejo uma lista de motivos para ela aceitar, então eu dou um sorriso. – Que tal um café? Agora?
– Agora?
– Sim, eu poderia explicar para você como as coisas funcionam e ainda poderia conversar com você, Alex, sou um bom amigo – Menti, porque eu não tinha amigos, na verdade tinha um primo de outra cidade e minha mãe que não estava entre nós. – É um bom cargo, salário bom e é em um ambiente bom.
– Estou no mercado agora é...
– Diga um endereço e nos encontramos.
– Tem um café bem legal, perto de onde estou, tem a melhor cafeína, não sei se gosta – Ela me passou o endereço e aí suspirou fundo. – Te vejo lá.
Eu obtive uma coisa positiva, enquanto dirigia eu sabia que eu estava ansioso e nervoso, por aquele encontro, eu tinha perguntas para ela e tinha curiosidade por saber dela, daquela que me deixou calmo e agitado ao mesmo tempo, o jeito meigo e até a forma de tragar um cigarro de maconha.
Não culpe a mim pelo que eu estou fazendo, culpe ao que tem dentro de mim que eu nem sei o que é direito, culpe a minha compulsão e a minha vontade de conhecer ela e tentar fazer algo direito.
Gosto muito de ter aquilo que me motiva e Alex me motivou a sair do escritório e parar em uma cafeteria, com grande movimento e um cheiro forte de café moído na hora, era bom e calmo, fiz questão de pegar uma mesa afastada e olhar para os lados tentando enxergar ela ou ver ela passando pela porta.
Geralmente eu não gostava de sair com outras pessoas porque eu nunca sabia quando as coisas ficariam complicadas para mim, em momento nenhum eu esperava que as coisas ficassem ruim, mas elas ficavam e poderia ser ruim para mim ou para quem estivesse por perto.
Até mesmo aqui, sentado em uma cafeteria, esperando, no fundo eu sabia que tinha os dois lados funcionando, mas eu gostava de pensar que eu sempre estava no controle, aquilo me motivava a sempre estar e fazer de tudo para estar no controle, essa calma né fez esperar al sentado.
Passou meia hora.
Dentro do lugar as coisas ficaram estranham, muitas pessoas começaram a me olhar curiosos, dois atendentes vieram e perguntaram meu pedido, eu fiz, mas o café já havia resfriado, duas vezes.
– Merda! – Suspirei baixo, enquanto puxava o celular e mandava uma mensagem para a o número que eu havia anotado, perguntando se ela estava chegando.
Mas a resposta deixou claro que ela não estava chegando, na verdade, nem chegaria.
Eu pensei em desistir de ver ela, mas eu estava com raiva, então eu tinha que fazer algo. Nunca ninguém havia me deixado plantado.
Para: Alex
A vaga é sua, sabe o cargo e onde está o endereço do escritório. Fala que foi recomendação minha, leve documentos e currículo, boa sorte e obrigado.
De: Marco
E foi a última coisa que mandei, antes de começar a beber o café, um tanto frio, mas com um gosto bom.
Eu não gostava de ficar plantado, mas também não gostava de ficar com raiva, raiva me levava ao extremo.
Eu não queria ser levado ao extremo por causa da raiva, não ficaria com raiva por causa de uma estranha.
Não podia e não devia. Além disso ela se auto protegeu, talvez não confiasse em mim, eu entendo, mulheres assim não merecem raiva por um bolo e nem nada do tipo.
Mas eu devia sentir o gosto amargo, da minha vida? Provavelmente.
Mas esse amargo não era da minha vida, era do café.
Então eu fiquei em silêncio enquanto bebia o café amargo.
Ela tinha boas referências de bom lugares pra tomar café.
Isso era bom.
MARCO POLOSabe a maior ironia das separações entre casais? O motivo. Faz um bom tempo que estou na vara familiar, direito familiar é algo fácil, porém complexo quando se trata de dinheiro e filhos ou os dois juntos, que são sempre prejudicados pela mágoa, raiva e desejo de vingança.São tantos motivos para uma separação, por começar pela relação de não conseguir se acostumar com a mesma pessoa, se enjoando do próprio parceiro com quem se casou, 37% dos casamentos terminam por isso, porque um se enjoa do outro.Intimidade também é um motivo, com o casamento vem uma intimidade que namoro nenhum falou que teria, é difícil entender que vai ter a divisão até mesmo da mesma escova de dente.Logo se chega na traição, infidelidade, 21%, levando junto a questão do motivo, por que trair? Sem vida sexual? Rotina? Sem diálogo entre o casal? Grande ego do marido ou da esposa? Aventura ou não?Outro motivo e a por outra pessoa, na qual leva todos os motivos an
ALEX PADILHABem, acho que é oficial, eu me visto mau para caramba, não, pior, eu sou a indelicadeza de roupas em pessoa.Eu olho para o meu próprio reflexo no espelho e não consigo decifrar se estou parecendo uma banana toda de amarelo ou se eu estou parecendo uma girafa com o salto.Inferno do caramba.Deixe-me apresentar:Sabe quem eu sou? Eu sou Alex Padilha, faz três semanas que vi de Nova York, estou aqui para começar de novo, no auge de uma cidade, em um apartamento apertado.Eu não queria está aqui.Não mesmo!Mas, eu fiz certas escolhas e me fodi.No amplo sentido da palavra.Eu tive que sair da Califórnia para não ser fodida de vez. Cheguei a tentar ficar em Nova York, mas não deu muito resultado.Antes daqui eu estava em Nova York, mas foi uma grande merda! Até chegar aqui em Londres, onde eu estou con
MARCO POLOEu parei o carro e tirei o cinto, ignorando qualquer coisa, desci do carro e dei a volta, até abrir a porta dela e olhar para ela, ainda de cinto e com os olhos em mim, olhos castanhos e com um brilho escondido.– Vamos – Eu chamei. – Temos um jantar para ir – Eu me aproximei e tirei o cinto dela, tentando ter ela ao meu lado. – Você e eu não nos arrumamos por nada Alex, demoramos muito para não aproveitamos.Na crise dela eu vi algo em comum com ela.Eu não sabia exatamente o que havia acontecido com ela, mas eu respeitava, embora agora eu respeitava minha vontade de comer algo com a mulher sentada e acuada no meu carro.– Onde estamos – Eu olhei para trás. – Uma praça?– Bem, sim, mas Alex é diferente, vamos e você vai entender – Eu peguei a mão dela, cabia perfeitamente dentro da minha, suspirei. &ndas
MARCO POLOEu não conseguia parar de pensar naquele beijo, eu estava com problemas de novo, eu sabia que qualquer coisa podia desencadear a perda de algo coerente, mas naquelas horas da manhã, depois de acordar as coisas pareciam não querer funcionar, não iriam, eu segui o meu raciocínio breve e senti o gelado vento atravessar à janela e me alcançar, não era algo que eu estivesse esperando, nunca era algo que eu esperava.Estava no chão do meu quarto e eu fazia flexão atrás de flexão, sentindo o corpo pesado e tentando tirar a sensação de dentro de mim, a vontade de sexo e a vontade de ter algo.Algo que eu não tinha.Eu estava coberto de suor, meu corpo estava quente e cansado, eu não sabia o que fazer, aquela vontade geralmente passava, porque eu estava casando, meu corpo, mas daquela vez não parecia adiantar alguma coisa, porque
MARCO POLODurante alguns dias eu fiquei imerso no meu mundinho, não conseguia sair e ser o cara que todos conheciam, eu evitada tudo e todos, mas hoje eu não estou podendo fazer isso, minha cabeça está gritando pela dor, uma dor insuportável e que me incomoda de uma forma ruim, que pode me deixar irritado, com uma mudança de humor muito ruim.Eu olho meu pai que fala algo desconexo e eu apenas escuto calado, era mais uma reunião de acessória do escritório e eu odiava isso, porque era nesse momento que todos estavam juntos, quarenta e seis advogados, homens e mulher.– O deputado está na cidade, entrou em contato hoje, quero repassar o caso o mais rápido possível – Meu pai deslizou uma pasta até mim e deslizou outra até Celina, a segunda advogada da firma na vara familiar, com um método de trabalho horrível e deplorável, nunca nem tr
MARCO POLOAlex pegou a xícara e me entregou, eu vi as mãos dela trêmulas, enquanto ela me servia, ela não falava nada, apenas olhava para mim e desviava o olhar, como se estivesse com vergonha de mim ou pelo que eu havia feito e visto, eu não ligava, mas eu ficaria ali, tomar aquele chá e saber da boca dela o que era tudo aquilo. Porque eu confiava nela de alguma forma.– Senta – Estamos sentados na mesa, no meio da cozinha, em uma mesa de mármore pequena, com uma chaleira e as duas xícaras com chá de canela, eu gostava de canela, sempre me acalmava, talvez isso funcionava para ela, que estava agora sentada, olhando para a xícara, enquanto um dos dedos dela circulava a boca da xícara, podia escutar a respiração funda dela.– Eu recebi um caso hoje no escritório – Falei, sem equívoco nenhum. – Nele falava um relatório sobre
MARCO POLOMeus olhos estavam pesados e minha mesa estava repleta de coisas e dois relatórios prontos e uma liminar de acordo com os padrões que eu havia pedido, peguei minhas coisas e guardei na pasta, eu sabia que Alexandra Padilha estaria mais segura depois disso, enquanto eu avançava e conseguia o que eu queria.Eu puxei o copo de café e olhei para a porta que se abriu, eu estava um caco, cabelo, barba, tudo precisando de arrumação. Olhei para os dois homens de preto que atravessava à porta e vi meu pai, ao lado do deputado, sorrindo, de uma forma que me fez ter raiva.Foi como um choque.Era hora de encarar aquilo.É não, não seria fácil.– Estou de saída – Com a minha voz o deputado olhou para mim, reconhecendo a minha voz e me analisando, dos pés à cabeça, sem saber o que fazer ou falar diante de mim, puxei a maleta e notebook, colocando debaixo do braço e pegando o envelope amarelo, minha primeira carta do jogo. – Lamento, não
MARCO POLOEu via o sorriso dela enquanto lia o papel, era inacreditável como ela ficava bem daquele jeito, leve e sorrindo, eu estava comendo, enquanto ela deslizava os olhos pelo papel e sorria a cada segundo.– Eu não acredito – Ela sussurrou. – Como conseguiu? – A pergunta me fez ver que ela não acreditava mais tanto no sistema, eu também não, mas eu sabia como ele funcionava e podia ser útil. – Caramba!– É fácil – Eu sorri e dei a última mordida no sanduíche, puxando o copo e bebendo o suco. – Você não pode mais voltar a trabalhar no escritório, deve procurar outra coisa para se ocupar – Eu falei. – O processo de separação já está aberto, com as alegações dele, entrei em contato com o juiz responsável e tenho que apresentar defesa até sexta, para poder marcar a audiência.– Certo – Alex parou e olhou pare mim. – Você parece tão calmo. Eu estou eufórica.– Eu devo ficar assim, faz parte Alex, p