GIOVANNASentada à mesa da cozinha, observo Renata dar a mamadeira para o meu bebê. Marcello suga com aquela concentração típica de recém-nascido, e ela sorri, encantada com cada pequeno movimento dele. O ar tem um cheiro suave de leite morno e alfazema — a combinação perfeita de aconchego e rotina.— Dio! Que cafajeste! Fico triste por você, amiga. Lucas merece uma lição mesmo. — Ela se esforça para conter uma risadinha debochada. — Então? Nada ainda?— Nada. — Respondo, simples.O sorriso dela começa a escapar. Imagino que, para ela, isso pareça uma espécie de punição sutil — mas não é. Não se trata de vingança. Não é sobre ele. É sobre mim. Estou me redescobrindo, me valorizando, me reconhecendo. Pela primeira vez em muito tempo, estou olhando para mim mesma sem me anular.Respiro fundo. Essa conversa, para mim, não tem graça alguma.— E ele está aceitando tudo isso numa boa? — Renata pergunta com os olhos curiosos, atentos a cada nuance da minha expressão.— Sempre que pode, toca
Enquanto balanço Marcello nos braços, tentando fazê-lo dormir, a lembrança me atravessa como um vento gelado. É inevitável. Vitor, naquele mesmo quarto… pouco antes de morrer.Renata tinha sumido, e ele estava visivelmente nervoso:— Não queria aborrecer você, mas reparou que não tem mais tempo pra mim?Ele está impecável, de terno e gravata. Sempre tão preocupado em se mostrar digno para o pai. Me observa pelo espelho, ajustando a gravata.— Giovanna! Dio Santo! Você não vê que Vincent está de volta? Que preciso provar ao meu pai que sou a melhor escolha? Então não me enche! Vai se arrumar! Aliás, arrume esse visual desleixado.Respiro fundo, ferida.— Nem que eu me vestisse como a Renata você me notaria. A mulher que tanto admira… não pense que não percebi o jeito que olha pra ela. E o Lorenzo é um tonto que confia tanto em você, que não enxerga a cobiça nos seus olhos.Vitor para. Me encara. A testa franzida. Ele está decidindo se vai gritar ou minimizar.— Construí uma vida boa pr
GiovannaPouco tempo depois, nós, mulheres, ficamos no sofá tomando café fresquinho e jogando conversa fora. O ambiente era leve, com risadinhas e confidências triviais, enquanto os homens conversavam num canto mais reservado. Mas logo percebi que não era apenas uma conversa casual... eles haviam cercado Lucas. Os gestos contidos, os olhares cruzados, aquele ar de conspiração no ar. Estavam tentando convencê-lo de algo, era evidente.Ouvi meu nome de repente, como se alguém tivesse acionado um alarme dentro de mim, e só então me dei conta de que falavam comigo.— Giovanna querida, está com a cabeça no mundo da Lua?Sorri, um tanto sem graça, sentindo o rubor subir às minhas bochechas.— Desculpe-me.A verdade é que quando estou ao lado de Lucas, é quase impossível me concentrar. Minha atenção se volta para ele como se meu corpo inteiro estivesse em alerta constante, guiado apenas pelos sentidos. Cada sorriso dele parece me arrancar de mim mesma. Cada vez que seus olhos procuram os meu
LUCAS— Quero falar com você em particular. — Disse com firmeza, sem esconder minha autoridade.— Tudo bem.— Não aqui. Vamos até a biblioteca.Ele me olhou por alguns instantes, mas não respondi. Apenas me afastei em direção à biblioteca, certo de que ele me seguiria. Assim que entrou, fechei a porta com força controlada.— Quero que se afaste de Giovanna.Antony reagiu com uma expressão que mesclava surpresa e mágoa.— Somos amigos.— Não aceito não como resposta. Sua interferência a tem confundido. Tem feito mal a ela.— Não ajo com piedade, ao contrário de você.Senti o sangue ferver.— O que sabe sobre mim?Agora sua expressão mudou. Não havia mais mágoa, apenas seriedade. E talvez... um tipo estranho de compaixão.— Você não a ama, Lucas. Quero que desista desse casamento. Se o fizer, estou pronto a assumi-la.Aquela frase atingiu em cheio um lugar dentro de mim. As sombras que antes me envolviam desapareceram. Tudo fazia sentido agora. Ele sempre a quis.— Dio. Fala a verdade!
Momentos depois, Ruan nos levou de carro até o heliporto, onde pegamos o helicóptero. Felipe vibrou com o passeio. Ele já tinha andado nele, mas era menorzinho, e agora seus olhos brilhavam como se fosse a primeira vez. Lembrei da ocasião em que fomos todos conhecer o Cassino, quando ainda era uma novidade em nossas vidas. Tantas coisas pareciam promissoras naquela época... e hoje tudo parecia mais nublado, mais incerto.Durante todo o trajeto, Lucas e eu não trocamos uma palavra. O silêncio entre nós não era apenas a ausência de som, era um vazio carregado de tudo o que não conseguíamos dizer.Felipe, por outro lado, estava em êxtase. Falava sem parar, apontando tudo, fazendo perguntas, querendo a atenção do Lucas a cada segundo. Era como se o mundo todo dele girasse ao redor daquele homem. Nunca vi uma criança se apegar tanto a alguém.E isso... me comoveu. Mas também me confundiu.Porque mesmo sabendo que Lucas não me oferece a segurança que preciso, paradoxalmente, ao lado dele eu
LUCASEla vai embora e eu fico ali, bebendo, afundado no sofá, remoendo suas palavras. Me condoo com sua rejeição. Me levanto, encho novamente o copo e volto a me sentar. Seus olhos... Dio, aqueles olhos demonstram tanta convicção em me afastar que só de me lembrar, meu estômago se contrai de raiva.O que diabos eu ainda estou fazendo aqui?Que se dane!Eu não vou ficar preso a uma mulher!Se ela pensa que eu estou nas mãos dela, pode esquecer!Viro o uísque de uma vez só, coloco o copo vazio na mesinha de centro, pego as chaves do carro e saio de casa como um touro enfurecido. Caminho até a garagem onde minha Ferrari vermelha me espera, reluzente.Dirijo pelas ruas movimentadas de Las Vegas até chegar a uma boate afastada, uma que eu já conheço bem. Entrego o carro ao manobrista e, assim que entro, vou direto para o bar.A reconheço de longe pela silhueta, pelos cabelos cor de fogo. Me aproximo. Sim, é Helena... alguma coisa. Nem lembro o sobrenome.— Olá. Será que uma garota linda c
GIOVANNAEmbora ele tenha me parado, me bloqueando com seu corpo, ele não parece ter aquela confiança desconcertante de antes. Sua calma zen se foi. Consigo ler em seus olhos um certo nervosismo. Um tato para lidar comigo.Eu fico inquieta sob a intensidade dele, quente e excitada de um jeito incômodo.—Giovanna. Quero muito que tudo dê certo entre nós. —Ele diz sério. —Você falou em fidelidade que ela está dentro do nosso coração, pois eu a tenho comigo. Sei que agi errado em não respeitar isso no começo. A forma como agi na nossa lua de mel também prejudicou muito nossa relação, mas eu estou disposto a mudar por sua causa. Eu sinto desejo de estar com você. Eu olharia seu rosto por horas. Adoro seus lábios. Dio, Gio, estou louco por você. Não precisamos transar, só quero te abraçar. Conversar com você.Ele passa longos segundos olhando para a minha boca com um fascínio explícito antes de voltar a olhar nos meus olhos. Meu coração bate descompassado, a respiração errática. Eu gostari
As crianças começam a cantar a canção lindamente, de um jeito harmonioso. Felipe procura nossos olhos o tempo todo. Discretamente, observo Lucas, que enxuga as lágrimas com frequência. Ele parece não se conter de emoção. Eu também não. Fungo, inclinando o corpo à frente para pegar um lenço de papel da caixa de Kleenex na minha bolsa. Limpo as lágrimas que escorrem e o nariz. Lucas continua com os olhos fixos em Felipe, como se nada mais existisse ao redor.Quando a apresentação termina, vejo um Lucas completamente comovido, enxugando os olhos com um lenço que tira da jaqueta — sem nem se importar em esconder. As palmas explodem no auditório, pais igualmente emocionados, e nós nos juntamos a elas.Não há como não se emocionar.Lucas se ajeita na cadeira estreita e se vira para me olhar.—Nunca senti o que estou sentindo agora. Felipe é um presente... assim como Marcello. Somos afortunados. —As palavras saem doces, carregadas de ternura.Sorrio emocionada.—Verdade. Vem, vamos falar com