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Capítulo 4 - Brinde sangrento

Eugênia desceu as escadas junto com as outras fêmeas do Alfa, mas ela se recusava a fazer parte de sua alcateia, mesmo que isso pudesse significar a salvação de muitas vidas. Enquanto todas as outras mulheres pareciam fascinadas por ele, Eugênia mantinha-se firme em sua determinação. O Alfa as observava com um olhar incisivo, parecendo um homem comum em sua forma semi-humana, mas ela sabia que por trás daquela fachada havia uma alma devassa, se é que ainda existia alguma alma em seu interior.

Dana tomou a frente, e o Alfa a ajudou a descer o último degrau, repetindo o gesto com Sue e Hellen. Quando chegou a vez de Eugênia, ela optou por descer sozinha, sem tocar em sua mão, deixando claro mais uma vez sua recusa em flertar com ele. Isso pareceu enfurecê-lo, mas ela não se importava em despertar sua ira, apenas desejava proteger seu povo e resistir aos seus avanços cruéis.

— Hoje, minhas fêmeas estão ainda mais reluzentes que qualquer lua cheia que eu já tenha contemplado. — Eugênia provocou, notando que o olhar dele sempre incidia em sua direção, sabendo que sua maneira de desviar do domínio dele o estava enfurecendo.

As três amantes, esposas ou como queiram se denominar, caminharam com ele até uma imensa mesa de jantar forrada por um tecido negro e enfeitada com flores secas, e Eugênia os seguiu, observando tudo o que havia naquele lugar. A mesa tinha vários metros de comprimento e nela, já havia muitos de seus súditos. Assim que os viram, eles se levantaram e fizeram reverência à presença do líder.

Todos estavam bem vestidos, homens e mulheres, na verdade, criaturas da noite apenas ocultando sua verdadeira forma. Alguns portavam cicatrizes, marcas de batalhas onde devem ter tirado tantas vidas inocentes... Eugênia se perguntava em pensamento: quantos anos eles podem viver? Quantos mais padecerão para saciar sua fome do sangue e da carne humana?

Alfa observava Eugênia com interesse enquanto ela se misturava entre os súditos no banquete. A jovem parecia intrigada com o ambiente sombrio e com as criaturas que a rodeavam. Ele sabia que ela estava inquieta e ansiosa para descobrir o que a aguardava naquela noite.

A escolha de Eugênia como sua parceira para o baile e para a cama não era apenas por mero capricho. Alfa tinha um plano em mente, uma maneira de relembrar o passado e saciar sua sede por algo que há muito tempo não experimentava. Ele queria sentir novamente o cheiro e o toque de uma fêmea humana.

— Sente-se minha cara Eugênia, não tenha medo. Esta noite e pela primeira vez, um humano estará na mesa do sacrifício e não como o jantar!

Eugênia sentiu uma crescente inquietação ao se sentar à mesa cercada pelas outras mulheres, todas com seus próprios interesses e planos. Alfa, observando a dinâmica entre elas, podia farejar o medo que emanava de Eugênia, mas decidiu não invadir sua mente novamente, respeitando sua privacidade.

Hellen, Sue e Dana pareciam conspirar de alguma forma contra a jovem, cada uma buscando afirmar seu lugar especial na hierarquia do Alfa. Sentaram-se estrategicamente ao redor dele, cada uma tentando chamar mais atenção do líder.

Enquanto o jantar era servido, a lua cheia brilhava no céu noturno, e Alfa sabia que seu domínio sobre Eugênia estava garantido, podendo se transformar em sua forma de fera quando quisesse. Mas ele era único nesse aspecto, pois seus súditos eram escravos da influência do luar prateado, tendo suas ações e comportamentos afetados pelas fases da lua.

Os servos circulavam entre os convidados, entregando bandejas de bronze repletas de iguarias. A atmosfera era carregada de tensão, e Eugênia podia sentir os olhares das outras mulheres sobre ela. Enquanto o banquete avançava, Alfa observava cuidadosamente os movimentos de cada um à mesa, sabendo que ali se desenrolava um delicado jogo de poder e ambição entre as fêmeas de sua alcateia. Radesh deu a ordem para que o jantar fosse servido...

Eugênia sentia o medo aumentar a cada instante, temia que algo muito ruim estava prestes a acontecer, muito pior do que ser prisioneira de um monstro. Tentou se levantar, mas ele a segurou pelo punho, seus olhos mudaram de cor para um tom amarelado.

— Sente-se, só vai sair quando terminarmos nosso jantar e festejarmos esta noite! — Ele disse, portando um sorriso malicioso, que a fez temer ainda mais.

— Não estou com fome. — Eugênia respondeu, recolhendo seu braço e afastando-se dele.

— Sirva uma taça para ela, Radesh. — Ele encheu a taça com vinho. Alfa então assentiu para que Eugênia bebesse um gole e assim, quem sabe, pudesse se acalmar.

Eugênia precisava manter o controle, um gole de vinho quem sabe pudesse aquecer suas mãos, ela tremia, mas levou a taça até os seus lábios, os olhos do Alfa estavam presos aos lábios dela e acompanhavam cada centímetro da borda taça se aproximando. A jovem provou o sabor daquela bebida, era adocicado e saboroso, ele sorriu olhando para os demais convidados.

— Podem servir o jantar! — Ele ordenou em voz alta, todos os empregados abriram os recipientes revelando aquele macabro jantar.

O coração de Eugênia acelerou, sua boca ficou seca e seus pelos se arrepiaram assim que viu a cabeça do padre Jonas na bandeja a sua frente. As demais partes de seu corpo nas outras bandejas, espalhadas sobre a mesa o som das gargalhadas de suas amantes e dos outros monstros, cujos olhos começaram a brilhar olhando para ela. Eugênia olhou para a taça de vinho e as demais, constatando que o paladar a enganara.

— Sangue!

No reflexo do medo e ira, Eugênia rapidamente pegou sua taça e lançou o conteúdo que restava no rosto do Alfa, ouviu de todos um sonoro suspiro de surpresa e o cessar das risadas. Ela saiu correndo daquele lugar segurando seu longo vestido e sem olhar para trás assinando talvez a sua sentença de morte, ela não sabia o que iria acontecer agora, mas nunca se tornará parte desse monstruoso banquete.

Alfa mostrou sua crueldade mais uma vez ao arremessar a mesa inteira para longe, atingindo aqueles que estavam sentados do outro lado. Os restos do corpo que seriam fonte de alimento voaram por todos os lados, e suas amantes, contra a vontade delas, ficaram cobertas com o sangue que jorrava das taças. O ambiente se tornou um caos, mas ele não se importava, estava satisfeito em demonstrar seu poder e dominância sobre todos ali presentes.

— Mestre, precisa cortar a cabeça dessa m*****a humana. Ela teve a audácia de afrontar o senhor, diante de todos os seus súditos. — Sue percebeu a ira, mas achou que ela não era o bastante.

— Saiam todos da minha frente! — Gritou o Alfa, seguido de um urro, para que todos se calassem e parassem de lhe dizer o que fazer com Eugênia.

Radesh estava tremendo de medo, mas como fiel súdito do Alfa, queria perguntar o que fariam com Eugênia. Antes que ele abrisse a boca, o mestre já deu a resposta, fechando sua mão antes que o som saísse de suas cordas vocais.

— Traga ela para mim, sem nenhum arranhão. Eugênia não tem como sair de Sangria e muito menos onde se esconder de mim.

— Sim, mestre. — Respondeu Radesh

Alfa olhou para a grande janela, a lua cheia foi revelada por entre as nuvens. Uivou o mais alto que pôde, anunciando a Eugênia que estava indo em sua caça. Refletiu: por que ir atrás dela se sabia exatamente como obrigá-la a voltar? Quando invadiu sua mente, deixou uma parte de sua consciência dentro dela. Assim, poderia estabelecer contato quando precisasse, bastava mostrar a ela o que poderia fazer ao seu povo, e ela voltaria para os seus braços novamente.

Eugênia correu para fora daquela mansão, sentindo seu coração disparar com o medo que a consumia. Todas as casas ao redor pareciam assustadoras, mas o importante era se esconder. Ela avistou uma janela entreaberta e conseguiu passar para dentro da casa. O ambiente estava escuro, mas havia um cheiro reconfortante de comida no ar.

Com fome e temerosa, Eugênia viu uma panela sobre o fogão à lenha contendo uma sopa de legumes. Sem pensar duas vezes, pegou uma colher de pau e encheu-a. Antes de levar a colher à boca, uma mão a silenciou e alguém a agarrou por trás. O coração da jovem disparou novamente, ela estava diante de mais um perigo desconhecido, mas suas esperanças de escapar eram pequenas.

— Se você gritar, nós dois morreremos!

Era a voz de um homem, Eugênia acenou positivamente com a cabeça quando ele a soltou. Virando-se para ele, notou que era um homem bonito usando uma capa, diferindo dos licantropos/lycans em aparência e odor.

— Você é humano. — Exclamou, fitando seus olhos verdes.

— Sim, você está mais encrencada do que nunca, Eugênia.

— Como você sabe o meu nome? E como consegue viver aqui entre eles sem correr perigo?

— É uma longa história, mas vou te contar depois.

— Depois do quê? — Eugênia mal terminou de perguntar, quando sentiu sua mente se esvaziar de repente e se viu dentro de sua vila mais uma vez.

Era dia, Eugênia estava retirando água do poço. Seu irmão, Thor, sorria, carregando nas costas a caça que havia conseguido. De repente, o dia se tornou noite. Todos saíram de dentro de suas casas quando perceberam que a lua era cheia e estava vermelha como o sangue.

Ouviram uivos, e logo perceberam que estavam cercados pelas criaturas. Alfa, o líder dos licantropos, arrancou o coração de Thor, fazendo-os gritar. A carnificina começou, e Eugênia viu todos que amava sendo devorados. Ela podia sentir novamente o sabor do sangue daquela taça, como se estivesse vivendo aquela terrível visão. Sabia que era apenas uma visão, mas ainda assim doía como se fosse realidade.

— Quero voltar! — Ela clamou com lágrimas nos olhos.

Alfa caminhou até Eugênia, seu corpo cheio de pelos se mesclava ao sangue. Levantou-a do chão pelo pescoço com apenas uma de suas mãos, e ela sentiu o ar faltar...

— Está em suas mãos despertar deste pesadelo, volte, Eugênia. Estou à te esperar! — Disse ele com um sorriso malicioso.

Eugênia respirou profundamente e acordou na cama daquele homem desconhecido, Gustave. Ele a esperava sentado em uma cadeira não muito longe, parecia saber o que estava acontecendo.

— O Alfa sabe mesmo como convencer alguém. — Disse Eugênia, ainda atordoada.

— Você viu tudo, não viu? Como pode fazer isso? Como pode viver no meio deles sem ser eliminado? E quem diabos é você? — Questionou ela, com muitas dúvidas em mente.

— Me chamo Gustave, vivi por muitos anos em sua vila, até que minha esposa foi trazida para este lugar. — Explicou ele.

— E por que a trouxeram para cá? — Indagou Eugênia, curiosa.

— Ela sabe usar a magia, o Alfa queria dominar os conhecimentos dela, saber do que era capaz, mas ela se recusou a transmitir seus conhecimentos para o uso do mal. Foi condenada a uma pena pior do que a própria morte. — As lágrimas saíram dos olhos de Gustave ao se lembrar.

— Ela foi transformada em um deles e forçada a se alimentar dos licantropos mais fracos para que assim ficasse o tempo inteiro transformada em um monstro.

— Como você sabe disso? — Eugênia perguntou, surpresa.

— Conheci Jane enquanto estava preso no calabouço, consegui que a libertassem e ela deve estar vagando por Sangria. Gustave, agora você pode salvar a alma dela!

— Não, eu aprendi muito com as magias dela. Até mesmo a encobrir o meu rastro, enquanto buscava uma forma de tirá-la das garras dele, mas ela jamais voltará a ser quem era.

— Deve haver uma cura. — Respondeu Eugênia, esperançosa.

— E há, mas é algo impossível. Todos aqueles sendo convertidos por Alfa seriam libertos se... — Gustave hesitou em dizer.

— Se o quê? — Eugênia o instigou.

— Se ele morrer! — Disse ele finalmente.

A ideia de que todos estariam livres da maldição se Alfa deixasse de existir ecoou na mente de Eugênia. Ela pensava: quem sabe, reunindo Jane e Gustave novamente, poderiam voltar à vila e tentar acabar com esse legado de sangue e vísceras que consumiram seu povo por tantos anos.

— Você precisa voltar para o castelo. — Disse Eugênia, determinada.

— Achei que me deixaria ficar aqui segura com você. — Respondeu ela, preocupada.

— Ele vai seguir o seu cheiro, e se ele se esforçar muito, pode me encontrar também. Agora que sei que Jane está livre, vou encontrá-la. Há sacrifícios que você terá que fazer, Eugênia. Esteja certa de que nos encontraremos de novo e muito em breve.

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