A semana que se passou foi difícil. Lavar louça era bom, desde que não fosse todos os dias. Fiquei enjoada de esfregar pratos e ao final a brincadeira de serem pessoas na fila do banho já nem deu tão certo, porque elas já não queriam mais tomar banho; pelo contrário, fugiam. Tentei cozinhar, mas definitivamente não tinha habilidade. Optei por não estender a minha cama, pois não fazia sentido, visto que deitaria logo em seguida. Por que se dar ao trabalho de arrumar se logo desarrumaria?
Aprendi a usar a máquina de lavar e precisava liga-la diariamente, já que não tinha muitas opções de roupas. A praça com playground no centro de Noriah virou um dos meus lugares favoritos. Passei a ler debaixo das árvores durante as tardes. Yuna tinha muitos livros que falavam sobre crianças, gestação e fases de desenvolvimento a parti
Os meses seguintes foram divididos entre lavagens de louça, passeios à praça com leitura de livros e faculdade. Passei a ocupar meu tempo e com isso, esquecer parte da dor e da saudade do meu passado.Minha ligação com Melody sempre foi intensa, desde que a vi pela primeira vez, pela tela do aparelho de ultrassom. Eu fui capaz de abrir mão de tudo por ela e agora sabia o que era amor materno. E cheguei a me pegar pensando em como reagiria no lugar de minha mãe, quando J.R mandou-me embora. Teria eu reagido da mesma forma? Sequer tinha minha filha fora do útero e já não imaginava deixá-la partir, sem dinheiro, sem seus pertences, praticamente jogada para fora de casa, grávida.Naqueles meses, não houve tentativa de aproximação por parte da minha família. Também não tive notícias de Charles. Ele simplesmente desapareceu, embora sua lembran&
Sorri observando os olhos verdes e grandes dela fixos nos meus:- Amo você, minha melodia preferida. – Dei-lhe outro beijo.Sai antes que desistisse de ficar longe da minha filha por um longo período de tempo. Aquele era o sacrifício do emprego: afastar-me dela.Fui bem recebida pelas vendedoras da loja. As roupas, embora tivessem grande quantidade, eram todas emboladas em cabides e prateleiras, várias peças iguais, do mesmo tamanho, cor ou estampa, eram de péssima qualidade. Tentei me convencer de que precisava vender aquele produto, mesmo achando ruim.Apesar de ter comprado poucas roupas novas para mim, ainda priorizava a que havia trazido no corpo quando fui embora da mansão Rockfeller. Era um pedaço do que eu fui: alguém que teve tudo e precisou abrir mão, em nome de um amor maior.A primeira cliente que chegou, as colegas deixaram para eu atender. Era uma senhora apare
Também não dei certo como atendente de lanchonete, nem caixa de supermercado. Yuna voltou para o turno do dia, enquanto eu me lamentava por não ser capaz de fazer nada que pudesse me render dinheiro a fim de sustentar minha filha.- Eu sou um fracasso. – Falei para Do-Yoon, enquanto me jogava no sofá, triste.- Não, não é. Vai encontrar algo que consiga fazer.Yuna estava brava comigo nos últimos dias, certamente achando que eu estava fazendo de propósito, como se não quisesse me firmar num emprego.Arrumei Melody e disse, enquanto a colocava no carrinho:- Eu vou dar uma volta com ela na praça.- Sim, é bom descansar a cabeça um pouco. Você está se cobrando demais, Sabrina.- Do-Yoon, você não existe! – Abracei-o carinhosamente.Quando o soltei, percebi que ele estava ruborizado.- Me desculpe
- Não mesmo. É uma menina que se acha dona de tudo e todos. E usa do poder da família para conseguir o que quer.- E o garoto? É namorado dela?- Vivem uma relação conturbada, mesmo tão jovens. Idas e vindas, relacionamento tóxico. Guilherme Bailey é o tipo de aluno que faz questão de ser reconhecido por seu péssimo comportamento. No entanto, as notas são boas.- Guilherme Bailey... Eu já corrigi provas dele também. Escreve bons textos... Parece maduro para a idade. Quando eu leio as escritas dele, não parece que o jovem tem 14 anos.- Ele tem 15. Ficou um ano longe da escola, pois morou com a mãe em outro país. Ela não o matriculou no exterior e o garoto perdeu um ano.- Que mãe irresponsável.- Sim... Mas Gui segue tirando notas boas... E tentando fingir que é um péssimo menino.-
Mil quatrocentos e sessenta e seis dias depois, eu pus a chave na fechadura da minha casa própria.Antes que eu entrasse, Melody passou por entre minhas pernas, correndo pelo espaço vazio do cômodo da sala e cozinha, que eram conjugados.- E então? – Perguntei-lhe.- Eu amei... – ela sorriu, os dentes branquinhos brilhando e parte da gengiva aparecendo, de tanto que abriu os lábios – Amei! – Gritou.- Não grite, Medy.- Mas faz eco, mamãe... Tente também.- Não.- Ah, mamãe...Deu um grito estridente, que ecoou pelo vazio da casa. Começamos a rir. Peguei-a por trás e comecei a fazer-lhe cócegas, enquanto ela tentava se desvencilhar, embora estivesse gostando.Ela jogou-se no chão e eu ajoelhei-me sobre ela, seguindo com as cócegas e depois a enchendo de beijos na bochecha e pescoço.<
- Feliz em se livrar da gente? – Yuna reclamou.- Um pouquinho. – Brinquei.- Achei que você não fosse comprar a casa... – Do-Yoon observou.- Foi quase um ano para aceitar parcelar. – Yuna riu.- Esta parte ainda me perturba. Tenho medo de deixar a dívida para minha filha.- Não exagere. – Yuna subiu a escada estreita, que levava para o segundo andar.- Eu... Estou pensando em comprar um imóvel para mim também. – Do-Yoon falou baixo.- Eu... Não sei se o parabenizo ou dou os pêsames. – Fui sincera.- Por quê?- Primeiro, porque a dívida será eterna. Segundo, porque Yuna vai matar você.- Acho que ela vai permitir.- Permitir?- Ela é a mais velha. – Ele sorriu de forma tímida.- Que se foda essa parte da tradição, Do-Yoon. Vocês mora
Eu havia adquirido um carro há uns dois anos atrás. Ele vivia dando problemas e era velho. Mas ainda assim era melhor que usar o transporte público com Melody e as várias bolsas que eu carregava, junto com a mochila dela.Melody passava o dia na escola e Yuna ou Do-Yoon a pegavam no final do dia. A partir de agora eu teria que buscá-la na casa deles, pois tínhamos nosso lar, finalmente.A vida era uma correria sem fim. E eu não tinha tempo de pensar em nada a não ser trabalho e minha filha.Charles se tornou um borrão nas minhas lembranças. Eu já não conseguia vê-lo quando fechava meus olhos... Nem sentia mais o seu cheiro. Só tinha certeza de que não era um sonho porque eu tinha uma filha que levava só meu sobrenome. E eu sequer tinha autorização para usá-lo, visto que um dia meu próprio pai me expulsou de casa, com a roupa do corpo, certamente na torcida de que eu me desse mal e voltasse, disposta a abortar o que hoje eu tinha de mais precioso na vida.Eu era uma boa mãe. Eu superei
- Eu também. – Confessei.- Porque ele pode estar diferente das fotos que temos, não é mesmo?- Você... Olha as fotos?- Às vezes eu pego no seu celular. Eu acho que sinto saudade dele.Deu um nó na minha garganta. Segurei as lágrimas antes de dizer:- Eu não sabia que era possível sentir saudades de alguém que a gente não conhece.- Mas é, mamãe. – Ela disse seriamente.- Eu já lhe disse que a gente ainda vai encontrá-lo, não é mesmo?- Já... Mas eu não vou me importar se você arranjar um namorado antes de nós o encontramos.- Mas o que eu vou fazer com o namorado, se isso acontecer? – Comecei a rir, limpando disfarçadamente a lágrima que caiu.- Você vai dizer para ele que o amor da sua vida apareceu. E que ele precisa ir embora.- Mas isso vai magoá-lo.- Mas você pode dizer para ele quando começarem a namorar que vão ficar juntos só até meu pai aparecer.- Eu acho que daí ele não vai querer me namorar.- Mãe, acho que não vamos mais falar sobre isso.- Ah... Ótimo. – Balancei a ca