- Feliz em se livrar da gente? – Yuna reclamou.
- Um pouquinho. – Brinquei.
- Achei que você não fosse comprar a casa... – Do-Yoon observou.
- Foi quase um ano para aceitar parcelar. – Yuna riu.
- Esta parte ainda me perturba. Tenho medo de deixar a dívida para minha filha.
- Não exagere. – Yuna subiu a escada estreita, que levava para o segundo andar.
- Eu... Estou pensando em comprar um imóvel para mim também. – Do-Yoon falou baixo.
- Eu... Não sei se o parabenizo ou dou os pêsames. – Fui sincera.
- Por quê?
- Primeiro, porque a dívida será eterna. Segundo, porque Yuna vai matar você.
- Acho que ela vai permitir.
- Permitir?
- Ela é a mais velha. – Ele sorriu de forma tímida.
- Que se foda essa parte da tradição, Do-Yoon. Vocês mora
Eu havia adquirido um carro há uns dois anos atrás. Ele vivia dando problemas e era velho. Mas ainda assim era melhor que usar o transporte público com Melody e as várias bolsas que eu carregava, junto com a mochila dela.Melody passava o dia na escola e Yuna ou Do-Yoon a pegavam no final do dia. A partir de agora eu teria que buscá-la na casa deles, pois tínhamos nosso lar, finalmente.A vida era uma correria sem fim. E eu não tinha tempo de pensar em nada a não ser trabalho e minha filha.Charles se tornou um borrão nas minhas lembranças. Eu já não conseguia vê-lo quando fechava meus olhos... Nem sentia mais o seu cheiro. Só tinha certeza de que não era um sonho porque eu tinha uma filha que levava só meu sobrenome. E eu sequer tinha autorização para usá-lo, visto que um dia meu próprio pai me expulsou de casa, com a roupa do corpo, certamente na torcida de que eu me desse mal e voltasse, disposta a abortar o que hoje eu tinha de mais precioso na vida.Eu era uma boa mãe. Eu superei
- Eu também. – Confessei.- Porque ele pode estar diferente das fotos que temos, não é mesmo?- Você... Olha as fotos?- Às vezes eu pego no seu celular. Eu acho que sinto saudade dele.Deu um nó na minha garganta. Segurei as lágrimas antes de dizer:- Eu não sabia que era possível sentir saudades de alguém que a gente não conhece.- Mas é, mamãe. – Ela disse seriamente.- Eu já lhe disse que a gente ainda vai encontrá-lo, não é mesmo?- Já... Mas eu não vou me importar se você arranjar um namorado antes de nós o encontramos.- Mas o que eu vou fazer com o namorado, se isso acontecer? – Comecei a rir, limpando disfarçadamente a lágrima que caiu.- Você vai dizer para ele que o amor da sua vida apareceu. E que ele precisa ir embora.- Mas isso vai magoá-lo.- Mas você pode dizer para ele quando começarem a namorar que vão ficar juntos só até meu pai aparecer.- Eu acho que daí ele não vai querer me namorar.- Mãe, acho que não vamos mais falar sobre isso.- Ah... Ótimo. – Balancei a ca
Preferi não perguntar ou confessar que não havia entendido. Eu precisava muito daquele emprego. Eu queria e precisava ser professora ali.- Será sua primeira experiência dando aula para uma turma inteira?- Na verdade, não. Eu já dei aulas em cursinhos preparatórios.- Sala cheia de adolescentes, com hormônios saindo até pelas janelas?- Não... – Não consegui evitar o riso.- Então se prepare. Eles não são fáceis. As famílias deles não são fáceis. Mas pagam nossos bons salários.- Sim, entendo. Sou capaz de trabalhar com adolescentes da classe alta... – Eu já fui uma, pensei.- A vaga é para o turno da manhã e tarde... Há alguns dias sem aula neste cronograma, mas ainda é preciso verificar a grade de horários para lhe dar certeza.- Nossa,
- Mamãe não vem neste final de semana. Parece que os Rockfeller precisarão dela. Estão organizando as festas de final de ano.- Três meses antes? Coisa de quem não tem o que fazer. – Observei.- O que não é o nosso caso. – Yuna deu um beijo em Melody e nos acompanhou até o carro.Pus Melody no banco de trás, na cadeira de segurança e levantei, encarando Yuna e seu belo rosto iluminado pela luz do poste:- Amanhã eu mesma pego ela na escola.- Estou feliz por vocês, Sabrina.- Obrigada por tudo, Yuna. Se não fossem vocês eu jamais teria conseguido.- Sim, teria. Porque você sempre esteve disposta a crescer. Foi mérito seu.- Não sozinha. – A abracei.- Vou sentir saudade de Medy.- Acho difícil a gente não se falar todos os dias... Ela não vai aguentar n&at
Assim que entrei na sala do terceiro ano, tentei transparecer segurança... Uma segurança que eu estava longe de sentir.Esperava uma algazarra e crianças. Mas me deparei com rostos sérios e garotos e garotas que não pareciam ser tão mais velhos do que eu.- Bom dia. – Cumprimentei.- Você pode sentar aqui do meu lado. – Ouvi a voz do garoto com olhos cor de mel, cabelos castanhos e um sorriso simplesmente incrível.Nos encaramos um tempo. Meu coração bateu tão forte que senti que todos perceberam. Eu só tive aquela conexão uma vez na minha vida, com um olhar que parecia desvendar não só meu corpo, mas também a alma. Depois de anos eu consegui ver “El cantante” na minha frente e toda sua alegria e sarcasmo. Flashes do passado me tomaram de surpresa, trazendo a moto, a praia, o sexo sobre a mesa, no corredor do Cálice Efervescente, o olhar verde esmeralda nos meus, a música do reencontro, o estranho na “nossa” casa, a jaqueta de couro, o papel dentro do bolso...- Ninguém avisou que tin
- Fico feliz.- Ele vai se chamar Solitário.- Que nome triste.- Mas ele é Solitário... Como você.- Eu não sou solitária – contestei – Eu tenho você.- Mas precisa de um namorado. A mãe da minha amiga Tess se separou do pai dela e arranjou um namorado. A Tess me disse que ele é legal e eles saem pra comer pizza.- Hum, você quer é comer pizza, estou certa? Podemos fazer isso só nós duas.- Não... Hoje não dá. Eu preciso cuidar do Solitário... E dar uma flor para a Tuga. – Ela abriu o bolso da mochila e pegou uma flor de papel.- Que flor linda.- Eu que fiz... Com giz de cera.- Tuga vai gostar... Muito.- Mamãe, por que você não namora com Do-Yoon?Me engasguei com a saliva e comecei a tossir. Deus, aquela menina acabava comigo.- Do-Yoon é meu amigo. Não posso namorar com ele. Além do mais... Eu amo o seu pai. E sei que nós vamos encontrá-lo um dia. Ele precisa saber que temos a filha mais linda do mundo.- Que tem os olhos iguais aos dele.- Exatamente... Os mais lindos.- Acha q
Entreguei Melody para Yuna, com a mochila pronta para a aula à tarde. Combinamos que eu as encontraria no parque, quando saísse da escola.Subi e tomei um banho tranquila, já que não precisava ficar de olho em Melody. Troquei-me e fiz um chocolate quente para ir bebendo no caminho. Quando cheguei na sala, vi um gato sobre a mesa, ao lado do aquário. E nem sinal de Solitário.- Seu malvado... Comeu um peixe inofensivo... Gatuno! Vou processá-lo.Ele balançou o rabo e foi lentamente para a janela, saindo sem pressa, pouco se importando com minhas palavras.Fui até o aquário vazio, sentando no sofá, desolada:- Deve ser uma sina que eu tenho com animais. Isso não pode ser real. Medy vai se sentir triste. Morreram dois animais em menos de quarenta e oito horas.Fechei o vidro da janela e saí, sentindo-me péssima. Vi o gato entrando na casa ao lado,
Levantei o rosto na direção dele e fiquei a pensar se ele tinha barba ou fazia tão bem-feita que deixava seu rosto completamente liso.Peguei o caderno dele e comecei a olhar as contas, todas corretas.- Você é casada? – Ele perguntou.- Não. – Me ouvi dizendo.- Não percebi aliança no seu dedo.- Eu posso ter alguém e não usar uma aliança. Aliás, é uma mera joia, não tem significado algum.- O que sua filha queria?- Isso é pessoal.- Sabe que eu a ajudei agora pouco. Eles não parariam se eu não pedisse.- A professora aqui sou eu.- É a professora, mas não a autoridade.- Estou aqui só para dar a minha aula.- E eu para terminar esta porra de Ensino Médio.Olhei na direção dele:- Não pode falar palavrõ