Entreguei Melody para Yuna, com a mochila pronta para a aula à tarde. Combinamos que eu as encontraria no parque, quando saísse da escola.
Subi e tomei um banho tranquila, já que não precisava ficar de olho em Melody. Troquei-me e fiz um chocolate quente para ir bebendo no caminho. Quando cheguei na sala, vi um gato sobre a mesa, ao lado do aquário. E nem sinal de Solitário.
- Seu malvado... Comeu um peixe inofensivo... Gatuno! Vou processá-lo.
Ele balançou o rabo e foi lentamente para a janela, saindo sem pressa, pouco se importando com minhas palavras.
Fui até o aquário vazio, sentando no sofá, desolada:
- Deve ser uma sina que eu tenho com animais. Isso não pode ser real. Medy vai se sentir triste. Morreram dois animais em menos de quarenta e oito horas.
Fechei o vidro da janela e saí, sentindo-me péssima. Vi o gato entrando na casa ao lado,
Levantei o rosto na direção dele e fiquei a pensar se ele tinha barba ou fazia tão bem-feita que deixava seu rosto completamente liso.Peguei o caderno dele e comecei a olhar as contas, todas corretas.- Você é casada? – Ele perguntou.- Não. – Me ouvi dizendo.- Não percebi aliança no seu dedo.- Eu posso ter alguém e não usar uma aliança. Aliás, é uma mera joia, não tem significado algum.- O que sua filha queria?- Isso é pessoal.- Sabe que eu a ajudei agora pouco. Eles não parariam se eu não pedisse.- A professora aqui sou eu.- É a professora, mas não a autoridade.- Estou aqui só para dar a minha aula.- E eu para terminar esta porra de Ensino Médio.Olhei na direção dele:- Não pode falar palavrõ
- Vinte e dois? – Ele perguntou.Enruguei a testa, não entendendo.- Ou vinte e três?- Vinte e três. Completados há pouco. – Me ouvi dizendo, como se os meses fizessem toda a diferença.- Tenho dezoito. Mas pode considerar 19 no ano novo chinês. – Sorriu de forma encantadora.Eu ri e ele tocou meu colo, pegando a concha que adornava meu pescoço. Leu as iniciais e disse:- O que quer dizer?Eu retirei a concha dos dedos dele e dei um passo para trás, arredia. Ele havia tocado num assunto extremamente proibido e que me deixava fora daquele mundo, longe do presente.Eu pude ver Charles na minha frente, as mãos fechadas, me mandando escolher.Pus a mão direita para frente, não encontrando as dele. Fechei os olhos e balancei a cabeça, tentando dissipar aquela lembrança que me consumia e acabava comigo. Senti a mão quente na minha, que já não tocava mais o ar.Abri os olhos e me deparei com os olhos cor de mel e não aqueles de um verde indescritível.- Você é linda! – Guilherme disse seria
Quando cheguei perto, ela já havia sido socorrida.- Mamãe! – Ela sorriu e me estendeu os braços.Peguei-a no colo e a enchi de beijos, me certificando de que ela estava bem.- Obrigada. – Agradeci ao homem, que levantou.- Sabrina?- Guilherme?- Mãe, você conhece o Gui? – Melody perguntou.Olhei para os dois, confusa.- Medy é sua filha?- De onde... Você a conhece?- Eu sou voluntário na escola dela... Ensino futebol.- Gui me ensinou a jogar bola.- Não tão bem pelo visto... Você caiu. – Observei.Ele riu:- Eu ensinei também como cair, não é mesmo, Medy?- Sim... – ela riu – Eu caí bem?- Muito bem. – Ele disse.Segui andando com Melody no colo. Ele seguiu ao meu lado.- Está monitorando minha vida? – Perguntei.- Não. É coincidência, acredite.- Bem estranha.- Conheci Medy antes de imaginar que você existia.- Mamãe, você conhece Gui de onde?- Ele... É meu aluno.Paramos em frente à Yuna, que ficou a me observar.- Yuna, este é Guilherme... Meu aluno da Escola Progresso.- Olá
Eu não tentei ser forte. Chorei, ali, na frente de Melody, pela primeira vez expondo minha maior fraqueza: a falta que o pai dela me fazia.Yuna não fez nada. Nem tentou impedir meu choro. Ficou ao meu lado, esperando que eu me acalmasse.Depois de alguns minutos, respirei fundo e preenchi meus pulmões com o ar, que parecia faltar. Peguei um lenço de papel no porta-luvas e limpei o rosto, depois assoando o nariz. Se fosse há anos atrás, jamais eu usaria o mesmo papel para ambas as coisas. Mas eu não era mais a mesma pessoa. Eu troquei fraldas e até hoje limpava minha filha depois que ela ia ao banheiro. Um mesmo papel para lágrimas e secreção nasal era das coisas menos piores que eu fazia.Pus o papel no lixo e olhei para Melody, que estava sentada sem dizer nada, os olhinhos verdes arregalados, fixos nos meus:- Me perdoe, Medy. Eu não deveria ter falado com você de
- Não lhe devo satisfações do que vou fazer depois que sair daqui. – Foram as palavras duras dele ao me encarar.Alguns riram do comentário dele e outros me observaram, com um olhar de dó. Aquele garoto conseguia ser bem cruel quando queria.Quando a aula acabou e todos se retiravam, chamei-o novamente:- Guilherme, poderia vir até aqui, por favor?Ele veio na minha direção, não demonstrando nada. Nossos olhos se encontraram e eu desviei, guardando meu material:- Posso saber o que está acontecendo? Você está com algum problema? Posso ajudá-lo em algo?- Não. Só estou fazendo o que você pediu: me mantendo afastado.- Eu falei com relação a minha vida pessoal... Não de outra forma.- Estou me mantendo longe, professora, exatamente como pediu. Caso mude de ideia com relação a isso,
- Está me convidando para sair, Sabrina?- Não... Estou convidando para tomar um sorvete comigo e minha filha, Guilherme.- Pode me chamar de Gui... Não estamos na escola.Melody chegou com a mochila nas costas. Eu abri os braços para ela vir no meu colo, no entanto ela foi para o colo do garoto, que disse:- Você é pesada, Medy. Não sei como sua mãe carrega você como se fosse uma pena.Ela gargalhou:- É que eu como muita pizza.- A parte boa é que perde calorias no futebol – ele acenou para a professora – Foi um privilégio acompanhá-la junto de sua turma, senhora Ducan.- O privilégio foi nosso, Gui. – Ela abriu um sorriso, completamente derretida pelo garoto.Ele fechou a porta e eu observei:- Preferia levar Medy do que o hamster. Este bicho parece um rato.- Mas não é. –
Fiquei ruborizada imediatamente.- Posso ensinar você se quiser, Medy. – Ele ofereceu para a minha menina, enquanto eu tentava me recuperar da frase de duplo sentido.- Posso, mamãe?- Você pode ser o que quiser, Medy.Ela derrubou sorvete na roupa e ele limpou rapidamente. Ok, habilidade com crianças ele tinha.- Tem irmãos? – Perguntei.Ele riu:- Mal tenho pais... Que dirá irmãos.- Tem jeito com crianças.- Gosto de crianças, mas confesso que Medy chamou minha atenção de imediato: falante, curiosa, inteligente...- Devem ser os olhos verdes dela. – Brinquei.- Igual os do meu pai. – Ela se exibiu.Ele ficou tenso e eu lembrei de Charles, o que sempre me fazia ficar estagnada e temerosa. Era como se ouvir o nome dele me fizesse ir devagar, esperançosa de que ele pudesse aparecer do nada.<
Eu poderia me entregar àquele beijo, mesmo sabendo o quanto era arriscado. Mas não consegui. Porque eu não sentia Guilherme e sim Charles naquele momento. Minha mente enganava-me tanto que até o perfume barato de “el cantante” tomou conta do lugar.Empurrei-o com certa dificuldade, os lábios dele me deixando vagarosamente, a sensação de querer seguir, mas o medo de as lembranças me deixarem ainda mais vulnerável.- Não podemos, Gui... Não!- Não me deixe assim... Eu estou completamente louco por você. – Os olhos dele brilhavam e meu coração parecia que sairia de dentro do corpo.Desvencilhei-me dele e peguei minha bolsa, indo até a porta e abrindo-a, enquanto saía pelo corredor. Não havia nenhum estudante naquele andar. Desci as escadas sentindo o suor escorrendo pelas minhas costas enquanto ouvia os passos dele atrás de mim.Assim que cheguei ao último degrau, ele pegou-me pelo braço:- Você não pode negar que também me quer, Sabrina.- Fale baixo, porra! – Olhei para os lados, temen