Preferi não perguntar ou confessar que não havia entendido. Eu precisava muito daquele emprego. Eu queria e precisava ser professora ali.
- Será sua primeira experiência dando aula para uma turma inteira?
- Na verdade, não. Eu já dei aulas em cursinhos preparatórios.
- Sala cheia de adolescentes, com hormônios saindo até pelas janelas?
- Não... – Não consegui evitar o riso.
- Então se prepare. Eles não são fáceis. As famílias deles não são fáceis. Mas pagam nossos bons salários.
- Sim, entendo. Sou capaz de trabalhar com adolescentes da classe alta... – Eu já fui uma, pensei.
- A vaga é para o turno da manhã e tarde... Há alguns dias sem aula neste cronograma, mas ainda é preciso verificar a grade de horários para lhe dar certeza.
- Nossa,
- Mamãe não vem neste final de semana. Parece que os Rockfeller precisarão dela. Estão organizando as festas de final de ano.- Três meses antes? Coisa de quem não tem o que fazer. – Observei.- O que não é o nosso caso. – Yuna deu um beijo em Melody e nos acompanhou até o carro.Pus Melody no banco de trás, na cadeira de segurança e levantei, encarando Yuna e seu belo rosto iluminado pela luz do poste:- Amanhã eu mesma pego ela na escola.- Estou feliz por vocês, Sabrina.- Obrigada por tudo, Yuna. Se não fossem vocês eu jamais teria conseguido.- Sim, teria. Porque você sempre esteve disposta a crescer. Foi mérito seu.- Não sozinha. – A abracei.- Vou sentir saudade de Medy.- Acho difícil a gente não se falar todos os dias... Ela não vai aguentar n&at
Assim que entrei na sala do terceiro ano, tentei transparecer segurança... Uma segurança que eu estava longe de sentir.Esperava uma algazarra e crianças. Mas me deparei com rostos sérios e garotos e garotas que não pareciam ser tão mais velhos do que eu.- Bom dia. – Cumprimentei.- Você pode sentar aqui do meu lado. – Ouvi a voz do garoto com olhos cor de mel, cabelos castanhos e um sorriso simplesmente incrível.Nos encaramos um tempo. Meu coração bateu tão forte que senti que todos perceberam. Eu só tive aquela conexão uma vez na minha vida, com um olhar que parecia desvendar não só meu corpo, mas também a alma. Depois de anos eu consegui ver “El cantante” na minha frente e toda sua alegria e sarcasmo. Flashes do passado me tomaram de surpresa, trazendo a moto, a praia, o sexo sobre a mesa, no corredor do Cálice Efervescente, o olhar verde esmeralda nos meus, a música do reencontro, o estranho na “nossa” casa, a jaqueta de couro, o papel dentro do bolso...- Ninguém avisou que tin
- Fico feliz.- Ele vai se chamar Solitário.- Que nome triste.- Mas ele é Solitário... Como você.- Eu não sou solitária – contestei – Eu tenho você.- Mas precisa de um namorado. A mãe da minha amiga Tess se separou do pai dela e arranjou um namorado. A Tess me disse que ele é legal e eles saem pra comer pizza.- Hum, você quer é comer pizza, estou certa? Podemos fazer isso só nós duas.- Não... Hoje não dá. Eu preciso cuidar do Solitário... E dar uma flor para a Tuga. – Ela abriu o bolso da mochila e pegou uma flor de papel.- Que flor linda.- Eu que fiz... Com giz de cera.- Tuga vai gostar... Muito.- Mamãe, por que você não namora com Do-Yoon?Me engasguei com a saliva e comecei a tossir. Deus, aquela menina acabava comigo.- Do-Yoon é meu amigo. Não posso namorar com ele. Além do mais... Eu amo o seu pai. E sei que nós vamos encontrá-lo um dia. Ele precisa saber que temos a filha mais linda do mundo.- Que tem os olhos iguais aos dele.- Exatamente... Os mais lindos.- Acha q
Entreguei Melody para Yuna, com a mochila pronta para a aula à tarde. Combinamos que eu as encontraria no parque, quando saísse da escola.Subi e tomei um banho tranquila, já que não precisava ficar de olho em Melody. Troquei-me e fiz um chocolate quente para ir bebendo no caminho. Quando cheguei na sala, vi um gato sobre a mesa, ao lado do aquário. E nem sinal de Solitário.- Seu malvado... Comeu um peixe inofensivo... Gatuno! Vou processá-lo.Ele balançou o rabo e foi lentamente para a janela, saindo sem pressa, pouco se importando com minhas palavras.Fui até o aquário vazio, sentando no sofá, desolada:- Deve ser uma sina que eu tenho com animais. Isso não pode ser real. Medy vai se sentir triste. Morreram dois animais em menos de quarenta e oito horas.Fechei o vidro da janela e saí, sentindo-me péssima. Vi o gato entrando na casa ao lado,
Levantei o rosto na direção dele e fiquei a pensar se ele tinha barba ou fazia tão bem-feita que deixava seu rosto completamente liso.Peguei o caderno dele e comecei a olhar as contas, todas corretas.- Você é casada? – Ele perguntou.- Não. – Me ouvi dizendo.- Não percebi aliança no seu dedo.- Eu posso ter alguém e não usar uma aliança. Aliás, é uma mera joia, não tem significado algum.- O que sua filha queria?- Isso é pessoal.- Sabe que eu a ajudei agora pouco. Eles não parariam se eu não pedisse.- A professora aqui sou eu.- É a professora, mas não a autoridade.- Estou aqui só para dar a minha aula.- E eu para terminar esta porra de Ensino Médio.Olhei na direção dele:- Não pode falar palavrõ
- Vinte e dois? – Ele perguntou.Enruguei a testa, não entendendo.- Ou vinte e três?- Vinte e três. Completados há pouco. – Me ouvi dizendo, como se os meses fizessem toda a diferença.- Tenho dezoito. Mas pode considerar 19 no ano novo chinês. – Sorriu de forma encantadora.Eu ri e ele tocou meu colo, pegando a concha que adornava meu pescoço. Leu as iniciais e disse:- O que quer dizer?Eu retirei a concha dos dedos dele e dei um passo para trás, arredia. Ele havia tocado num assunto extremamente proibido e que me deixava fora daquele mundo, longe do presente.Eu pude ver Charles na minha frente, as mãos fechadas, me mandando escolher.Pus a mão direita para frente, não encontrando as dele. Fechei os olhos e balancei a cabeça, tentando dissipar aquela lembrança que me consumia e acabava comigo. Senti a mão quente na minha, que já não tocava mais o ar.Abri os olhos e me deparei com os olhos cor de mel e não aqueles de um verde indescritível.- Você é linda! – Guilherme disse seria
Quando cheguei perto, ela já havia sido socorrida.- Mamãe! – Ela sorriu e me estendeu os braços.Peguei-a no colo e a enchi de beijos, me certificando de que ela estava bem.- Obrigada. – Agradeci ao homem, que levantou.- Sabrina?- Guilherme?- Mãe, você conhece o Gui? – Melody perguntou.Olhei para os dois, confusa.- Medy é sua filha?- De onde... Você a conhece?- Eu sou voluntário na escola dela... Ensino futebol.- Gui me ensinou a jogar bola.- Não tão bem pelo visto... Você caiu. – Observei.Ele riu:- Eu ensinei também como cair, não é mesmo, Medy?- Sim... – ela riu – Eu caí bem?- Muito bem. – Ele disse.Segui andando com Melody no colo. Ele seguiu ao meu lado.- Está monitorando minha vida? – Perguntei.- Não. É coincidência, acredite.- Bem estranha.- Conheci Medy antes de imaginar que você existia.- Mamãe, você conhece Gui de onde?- Ele... É meu aluno.Paramos em frente à Yuna, que ficou a me observar.- Yuna, este é Guilherme... Meu aluno da Escola Progresso.- Olá
Eu não tentei ser forte. Chorei, ali, na frente de Melody, pela primeira vez expondo minha maior fraqueza: a falta que o pai dela me fazia.Yuna não fez nada. Nem tentou impedir meu choro. Ficou ao meu lado, esperando que eu me acalmasse.Depois de alguns minutos, respirei fundo e preenchi meus pulmões com o ar, que parecia faltar. Peguei um lenço de papel no porta-luvas e limpei o rosto, depois assoando o nariz. Se fosse há anos atrás, jamais eu usaria o mesmo papel para ambas as coisas. Mas eu não era mais a mesma pessoa. Eu troquei fraldas e até hoje limpava minha filha depois que ela ia ao banheiro. Um mesmo papel para lágrimas e secreção nasal era das coisas menos piores que eu fazia.Pus o papel no lixo e olhei para Melody, que estava sentada sem dizer nada, os olhinhos verdes arregalados, fixos nos meus:- Me perdoe, Medy. Eu não deveria ter falado com você de