Como a freira, irmã Niva havia avisado, as internações por aborto eram corriqueiras e quase diárias. Não se havia método contraceptivo gratuito e o coito interrompido, era o mais comumente utilizado, e como não era garantia de contracepção, mais e mais mulheres engravidavam. Mulheres da idade de Magna e Zaira, já tinham quatro filhos ou mais e teriam ainda muitos mais. Abortistas caseiras, fundo de quintal, eram ilegais, obviamente, mas não erradicadas. Todos os dias, davam entradas mulheres que tentaram em casa ou em abortistas se livrar de uma gravidez indesejada. A maioria, quando chegava ao hospital, era porque o método utilizado para interromper a gestação havia dado errado e mais da metade, vinha a óbito. Os mais comuns, eram jovens e crianças; meninas que mal menstruara e engravidara, ou por falta de informação ou estupro. Magna continuav
- A primeira vez que a vi, eu era um moleque mas meu coração se acelerou - Disse sorrindo Corny.- Não fui eu quem o vi primeiro? - Perguntou Zaira. Ela estava usando um vestido emprestado por Magna, de tafetá roxo, todo enfeitado com lantejoulas no decote, de mangas bufantes, pregueadas de lastex. Corny não cansava de dizer como ela estava linda e que jamais a vira tão bonita.- Claro que não! Fiquei curioso quando ouvi os burburinhos de que duas ciganas de nariz em pé que chegara, eu não podia deixar de verificar.Estavam sentados no sofá pequeno, ela tirara as sandálias e apoiava os pés no colo dele, tinha as faces coradas, estava cansada do dia exaustivo que tiveram e ela jamais se sentira tão feliz.- Como nunca me disse isso, Magna sabia?- Sou discreto,minha querida esposa. Passei pelo corredor da classe de vocês umas quinhent
- Não seja tolo, estou tão preocupada quanto você, mas vamos por parte: onde ela foi, onde disse que ia, onde já a procurou?Corny deixou-a par da situação. Zaira havia ido fazer suas vendas de panos de pratos, como sempre, ficara com sua mãe e ciganas andando pela cidade tentando vender o pouco que ainda tinham, Corny fazia bicos ajudando uns amigos a consertarem bicicleta no porão de um deles e sua sogra voltara sozinha para a comunidade, dizendo que a filha havia saído com uma amiga que precisava de algo, não explicara o que e desde então, não a viam, isso fazia mais de vinte e quatro horas.- Chamar a Polícia está fora de cogitação, eu sei - Dizia Corny que passava as mãos pelos cabelos curtos Ele tinha um tique de passar as mãos pelos cabelos quando nervoso ou ansioso- Vamos nos dividir e procurá-la - Disse
Mura tinha o aspecto de uma pessoas cansada, não devia ter muito mais que trinta anos, talvez menos, mas talvez as sete gravidez, tenham cobrado seu preço, deixando-a descaída; devia ter a estatura de Zaira, mas parecia menor, encurvada. Cabelos amarelos, ressequidos e de pontas duplas, amarrados em um coque frouxo. Vestido longo colorido, em uma tentativa de sorriso, via-se que há muito tempo seus dentes caíram, só uns cacos pretos ficaram no lugar. Segurava um garoto de uns dez meses, pelado, vestindo apenas uma camiseta rasgada, o garoto resmungava no colo da mãe. Magna pensou que ele seria tio cedo, talvez seria melhor amigo do tio que a irmã esperava.Sida, uma matrona que já devia ter sido obesa, pelancas de peles nos braços e pescoço e uma barriga outrora avantajada, pendia frouxa e disforme sobre uma saia rosa brilhante. Uma blusa florida, os dentes superiores, eram todos encapados com ouro.
Doutor Frane havia buscado Magna para auxiliar em uma pandemia que estava acontecendo. A tuberculose e a peste, já era comum mas se disseminaram e alastrou como um rastilho de pólvora nos meses que começara a guerra.- Miranda está tísica - Disse o doutor quando estavam caminhando para o hospital no dia anterior. Ele tinha o maxilar cerrado ao lhe dizer isso e Magna apoiou uma mão sobre seu braço como forma de acalento - Terei que isolá-la em um convento ou asilo…Miranda era sua esposa há quase vinte anos, tinham um casal de filhos, com as idades de dezoito e dezesseis anos. Magna nunca fora muito íntima da família do médico, via-os sempre em ocasiões especiais mas não criara um vínculo. Sabia que Miranda, sua esposa era uma boa mulher, amável e sempre a via feliz com a família, tinha uma boa imagem dela como uma
Da entrada da comunidade, uma pequena subida, uma rampa, eles ouviram os gritos de Lay.Era doloroso de ouvir e Zaira e Magna aceleraram o passo a quase uma corrida, Magna carregava uma mochila com o que usaria.- Com quem ela está, por que está gritando?- Sida está com ela, achamos que não viria, doutora e Sida lhe deu algumas infusões ontem que acho que deve estar fazendo efeito - Disse Mura - Deve estar perdendo o bebê.- Santo Deus, eu não acredito - Murmurou Magna, incrédula.Sida tentava conter os solavancos que Aly dava, ela dava trancos na madeira usada como cama e a fazia estremecer. Miroto que estava ali debaixo da cama e não sairia por nada, gania baixinho. A corda com a qual Muro tentara lhe deixar amarrado, pedia de seu pescoço. A cama, ou o que chamavam de cama, não estava mais recostada na barraca, em um canto, mas quase na metade do ambi
- Segure-a! - gritou Magna, interrompendo o pai nosso. Lay parecia ter recuperado tanto a voz, não estava mais rouca, quanto a força. Chutava e corcoveava com uma força que não combinava com sua estatura. Miroto espelhava a garota, tentava morder as pernas de Magna, que o ignorava.- Dê-lhe mais éter - Gritou Zaira que não conseguia segurar a garota. Quase deitada sobre ela, era arranhada e Magna chutada no rosto pelos pés da menina.- Não! Avisei que teria que segurá-la caso o efeito passasse e preciso fazer a raspagem completa. Miroto, senta, saia!Zaira não a ouvia com os berros da menina, os choros das crianças solidárias lá fora que sentiam que algo não estava certo e puseram a fazer coro com Lay e Miroto, que gemia, parecendo uma criança ferida. Ainda assim, ela fazia o possível para conter a menina que chega
Foram para casa de Magna, estavam alternando entre a comunidade e a casa de Magna para agilizar agora que andavam pela cidade toda, em busca de trabalho. Quando trabalhavam mais perto da comunidade, dormiam lá, e quando mais próximos de Magna, passavam a noite em sua casa e dividiam o sofá, Corny sempre amanhecia no chão, seu tamanho não o permitia ter uma noite bem dormida e por vezes, para aliviá-lo, Zaira dormia com Magna, mas a enfermeira estava passando muitos dias no hospital devido a epidemia de lepra e tuberculose que só aumentava, o hospital precisava de toda ajuda possível e, como dizia Bruttus, o chefe da enfermagem e Rony, o diretor do hospital, ela fazia parte do corpo de enfermagem do hospital e apreciavam muito sua ajuda.Corny estava preocupado com a esposa na volta para casa e vieram os três calados. Magna estava calada e caminhavam os três pelos becos escuros, com ela na frente
Magna encontrou o médico na sala de médico onde ele estava com um aspecto que ela nunca tinha visto antes.Mais dois médicos estavam ali e conversavam entre si. Um deles era um cirurgião muito conhecido e requisitado e outro, um especialista em moléstias contagiosas. Se calaram quando ela entrou, mas ela percebeu que falavam de Miranda e pela expressão do doutor Frane, ela não estava bem.Quando ficaram sozinhos, ele lhe explicou que a doença havia se agravado, que fora embora no dia seguinte para ficar com ela, cuidar.- Não quero levar minha esposa para lá, Magna - Ele dizia - É um lugar terrível onde abandonam as pessoas a míngua, onde decaem até a morte.- Não fale assim, doutor. Sei que a ama e se preocupa com ela, porém não é certo ficarem juntos, pense em você também, em seus filhos, essa doen&cced