Zara vestia um vestido longo preto. Seus cabelos caíam suavemente pelos ombros, com as pontas levemente onduladas, e um sorriso delicado adornava seus lábios. Ela parecia radiante, com uma elegância que beirava o etéreo.Henrique disse algo a ela, e o sorriso de Zara se aprofundou. Ela levantou os olhos, encarando-o com um brilho no olhar que lembrava a superfície cintilante de um lago iluminado pelo luar.Orson, parado à distância, observava a cena. Ele nunca a tinha visto sorrir daquele jeito. Na sua memória, Zara era sempre uma figura séria, quase apática, sem graça. Mas, antes que pudesse se perder nesse pensamento, outra lembrança tomou conta de sua mente: aquele momento no carro. A briga pelo caderno de desenhos, o súbito toque dos lábios dela nos seus. O primeiro beijo espontâneo de Zara. E, ao que tudo indicava, também seria o último.Enquanto Orson refletia, Henrique deu alguns passos à frente. Ele virou-se brevemente para dizer algo mais a Zara, que respondeu com um sorriso
Ela sabia de tudo, mas, ainda assim, deixou as palavras escaparem de sua boca num reflexo quase involuntário. E, logo em seguida, ouviu da resposta dele aquilo que já sabia, como se fosse um ato de autoflagelação.— Eu já entendi. — Disse Zara, com a voz seca. — Sr. Orson, já terminou de dizer o que queria? Posso descer agora?Orson não respondeu, mas o carro desacelerou ainda mais, como se o tempo também se arrastasse dentro daquele silêncio. Por fim, ele encostou o carro no acostamento. Zara não hesitou; girou o corpo e estendeu a mão para a maçaneta da porta.— Zara. — A voz dele surgiu repentinamente às suas costas.Ela congelou o movimento, mas não se deu ao trabalho de olhar para trás. Orson apertou o volante com força, como se buscasse coragem para continuar. Depois de um instante, disse, medindo cada palavra:— Pelo tempo que fomos casados… Se a família Garcia estiver com algum problema, pode me procurar. Mas não use esse tipo de atitude para me provocar.Zara fechou os olhos
Zara passou a noite inteira sem pregar os olhos. Toda vez que fechava os olhos, era arrastada para um ciclo interminável de pesadelos. O quarto úmido e escuro. A porta que nunca fechava direito. As roupas inexplicavelmente sujas e os armários revirados sem aviso. E, por fim, o rosto repulsivo daquele homem. Oito anos haviam se passado, mas Zara ainda não conseguia escapar daquelas memórias aterrorizantes. E agora, ele estava solto… Ele realmente havia saído da prisão! Zara não sabia como ele havia conseguido seu número, mas o sentimento que aquilo despertava nela era terrivelmente familiar. Era como se, não importasse para onde fosse, aquele sufoco a perseguisse, invadindo até os cantos mais seguros de sua vida. Mesmo aquele apartamento recém-alugado, que deveria ser um refúgio, de repente parecia inseguro. Ela tinha a constante sensação de que estava sendo observada, como se, a qualquer momento, alguém fosse saltar das sombras e agarrá-la. Zara não queria mais ficar ali, mas, a
Por fim, Zara não teve outra escolha senão se sentar lentamente no sofá, abraçando o próprio corpo com as mãos. Foi nesse momento que o telefone desconhecido tocou mais uma vez.Zara não tinha salvo o número, mas, mesmo depois de apenas ter olhado para ele uma única vez na noite anterior, o reconheceu de imediato. Sem hesitar, pegou o celular e o jogou com força no chão.Na cidade de N, no bairro Brisa do Mar.A governanta Ivone observava pela porta o homem que estava à sua frente.— Quem é você? — Perguntou Ivone com um tom de desconfiança.— Meu nome é Roberto Serra. Sou pai da Rita... Não, quero dizer, da Zara. — O homem sorriu, exibindo dentes amarelos. — Sei que ela mora aqui. Mande-a vir falar comigo.A história de Zara ter desaparecido e, mais tarde, vivido por anos no interior era conhecida por praticamente todos os habitantes da cidade de N. Ao olhar para o homem, Ivone entendeu imediatamente quem ele era. Seu olhar se tornou ainda mais carregado de desprezo.— A Srta. Zara já
Com o lembrete de Ivone, Orson finalmente se lembrou de que seu aniversário estava próximo. Ao entrar no carro, quase sem perceber, pegou o isqueiro que carregava consigo. Era de um preto fosco com detalhes dourados. Nenhuma ornamentação, apenas as iniciais de seu nome gravadas discretamente no canto inferior direito.Um presente simples, sem grandes pretensões. Mas foi o único presente que Zara já lhe deu.No ano seguinte.Por não ter comparecido à festa de comemoração de aniversário de casamento, no último aniversário, Zara sequer se deu ao trabalho de lhe oferecer um presente tão simplório quanto aquele.E este ano.Orson interrompeu os próprios pensamentos, guardou o isqueiro de volta no bolso e desviou os olhos para o tablet à sua frente. No entanto, no instante seguinte, o carro freou bruscamente.A manobra repentina fez Orson franzir as sobrancelhas, seu olhar imediatamente tornando-se frio e afiado. O motorista, nervoso, apressou-se em explicar:— Desculpe, Sr. Orson, mas à fre
Na frente do restaurante, foi o motorista quem chamou a atenção de Orson. Só então ele percebeu o homem que falava com Carlos. Carlos, visivelmente irritado, contornou o sujeito e tentou seguir em frente sem dar atenção.Mas Roberto não estava disposto a deixá-lo ir tão facilmente. Seguiu-o de perto e, ao perceber que Carlos estava prestes a entrar no carro para partir, levantou a voz:— Sr. Carlos, se o senhor não concordar, eu não terei escolha a não ser procurar o Sr. Orson novamente e contar a ele sobre o que aconteceu com Rita naquela época.Orson já estava prestes a ir embora. Afinal, tanto Zara quanto a família Garcia não tinham mais nada a ver com ele. Mas, ao ouvir as palavras de Roberto, ele parou no mesmo instante.— Sr. Orson? — Chamou Michel, ao seu lado.Orson, no entanto, não respondeu. Apenas inclinou levemente a cabeça para o lado, com os olhos fixos na cena.Carlos, que antes tinha uma expressão fria e decidida, agora havia cedido, e Roberto já estava entrando no carr
Zara havia voltado para Cidade N.Ela não sabia se Carlos ainda mantinha alguém de olho nela, mas também não fez questão de evitar o encontro com Roberto.O Restaurante Diamante, um dos mais conhecidos da Cidade N.Quando Zara chegou, Roberto já estava sentado, cruzando as pernas e jogando conversa fiada com uma garçonete. Seu olhar era descarado, e ele murmurava algo que claramente deixava a jovem constrangida. A garçonete, uma moça delicada, tinha os olhos vermelhos, segurando o choro, mas não se atrevia a reagir. Apenas apertava o cardápio em suas mãos, com os dedos tremendo.Mesmo tendo se preparado mentalmente para aquele encontro, o coração de Zara apertou ao vê-lo novamente.Foi nesse momento que Roberto a notou. Ele se levantou de imediato, animado, e acenou para ela com entusiasmo:— Rita!Zara apertou as mãos para se controlar e, após um breve momento, caminhou em sua direção.A garçonete, como se tivesse sido salva de um pesadelo, largou o cardápio e saiu apressada, sem olha
Depois de um tempo, Zara finalmente virou a cabeça e falou:— Certo, vá em frente.A resposta dela pegou Roberto de surpresa. Antes que ele pudesse reagir, Zara já havia dado as costas e começado a caminhar para longe.Roberto, tomado pela raiva, deu um tapa forte na mesa e se preparava para ir atrás dela quando um garçom apareceu, bloqueando seu caminho:— Senhor, o senhor ainda não pagou a conta.— Pagar o quê? Eu nem pedi nada! — Gritou Roberto.— Senhor, mesmo que não tenha feito um pedido, cobramos a taxa de uso da mesa.Enquanto dizia isso, o garçom lançou alguns olhares rápidos para Roberto, e o desprezo em seus olhos era evidente.Roberto ficou tão irritado que começou a tremer. Ele já estava pronto para esfregar sua conta bancária com quinhentos mil reais na cara do garçom, quando uma outra voz interrompeu:— Pode deixar, eu pago.Ao ouvir aquela voz, a expressão de Roberto mudou instantaneamente. Ele virou-se bruscamente e viu Fiona estendendo seu cartão ao garçom. Em seguida