02

O jovem caçador cavalgava o mais rápido que podia pela trilha entre as árvores. Havia deixado o caminho normal e adentrado a floresta por um atalho que conhecia. Sentia que suas forças não seriam suficientes para confrontar o mal que estava por encontrar, tampouco o caos irreparável que seria feito por ele. O odor fétido que o vento carregava era o cheiro de Lycans, Licantropos, Lobisomens em êxtase, bem próximos de uma batalha. E só havia uma aldeia nas proximidades naquela região.

Antes de chegar, Natham já confirmara o que mais temia. O clarão que vinha do pequeno povoado e a fumaça que subia não eram bons sinais. Ao passar pelos campos onde ele mesmo trabalhara nas plantações quando criança, tudo que encontrara fora um terreno vazio e destruído, as plantas haviam sido arrancadas e o solo cavado até a raiz dos vegetais. Além disso, era possível sentir o cheiro do veneno lançado contra a terra, uma forma cruel de garantir que nada mais floresceria ali por longos anos.

Ao adentrar a área das primeiras casas, o rapaz fechara os olhos em uma tentativa inútil de ignorar o que havia diante de seus olhos. A dor o inundara ao ver todas as velhas residências de palha e madeira com suas portas e janelas violadas. O cheiro de sangue se misturava ao fedor na fumaça que se erguia junto das chamas.

Todas as pequenas e humildes moradias haviam sido invadidas, destruídas e queimadas. Os animais também haviam sido assassinados, porcos, carneiros, galinhas, nem mesmo os bovinos e equinos tinham sido poupados. Era a forma como as trevas agiam, como assumiam os lugares e tomavam o controle.

Natham jamais imaginara que um dia o mal que confrontava chegaria até ali, seu lar.

A pior parte daquele estrago estava nas mortes. Por toda parte na pequena aldeia havia pedaços de pessoas mutiladas, aldeões surpreendidos ou tentado uma fuga qual jamais conseguiriam realizar. Era impossível escapar de Lycans, escapar de seu olfato, de sua velocidade ou mesmo resistir à brutalidade de sua força. Apenas aqueles preparados e treinados arduamente como ele estavam aptos a confrontar as bestas da lua cheia.

Natham descera do cavalo e seguira caminhando a pé, olhando para todos os lados em busca de algum indício de esperança, ainda que seu coração lhe dissesse não haver nenhum. A parte mais brutal da chacina estava no final da pequena aldeia, na saída para as montanhas do Leste. Os corpos de várias pessoas dependurados, amarrados pelos pés, virados de cabeça para baixo nas árvores e postes de madeira.

Suas cabeças, no entanto, haviam sido removidas, levadas como troféus. Ele sabia o que aconteceria, seus crânios logo estariam em estacas servindo de ornamento para a toca do Supremo Licantropo que ordenara aquele ataque. Ainda assim o jovem podia reconhecer nos corpos, por suas roupas e tamanhos, de quais pessoas se tratava – o ancião, sua família, seus próprios pais. Aquele não fora um ataque aleatório qualquer, quem quer que tivesse ordenado aquela carnificina sabia o que fazia, sabia que ali era seu lar.

Aquilo tinha um nome: Vingança.

O desejo do guerreiro era partir logo ao encontro de seu oponente e vingá-los, fazê-lo pagar por todas as vidas levadas desse mundo naquela batalha desumana e desigual. Mas ele sabia que não poderia, não naquele momento. Após amarrar o corcel e dar-lhe água e alimento que tinha guardado havia alguns dias, o rapaz descera os corpos que haviam sido dependurados.

Além disso, vasculhara cada centímetro de seu antigo lar procurando por outros corpos, mesmo os divididos em dezenas de partes. Todos foram reunidos e então cremados.

Uma última fogueira em sua última parada naquela terra amaldiçoada.

Entretanto, após reunir todos os cadáveres das vítimas daquele massacre, um vislumbre de esperança passara pela mente do jovem caçador. Ela não estava entre as vítimas. Sua amada, sua noiva, a prometida e a razão pela qual seu coração batia, Anne. Ela havia sido poupada? Aparentemente sim e nesse caso havia sido levada pelas feras.

Felizmente Natham sabia como rastrear aquele tipo de monstro, era sua especialidade, a razão pela qual fora levado e treinado. O que um ser tão infame quanto um Supremo Licantropo poderia querer com sua amada? Ele não fazia ideia. De qualquer forma, nunca antes havia se encontrado com tal criatura, mas sabia agora que esse confronto predestinado era inevitável.

E ele sentia que estava pronto.

Era chegado o momento da batalha que testaria suas habilidades, sua fé e seu amor.

Retaliação

A lua cheia brilhava majestosa ostentando no céu estrelado. Aquela mesma lua inspiradora e encantadora era também a fonte de poder das bestas caninas das trevas, os malditos e temíveis Lycans.

Natham cavalgara até a saída da floresta.

Dali em diante, como se os demônios já fossem donos da terra, não havia mais grandes traços de vegetação, senão por plantas rasteiras de lamaçais e pântanos. O jovem cavaleiro descera da montaria e afagara a crina do animal.

—Ben-Hur – dissera, falando diretamente com o corcel enquanto encarava o cavalo nos olhos – Daqui em diante será como sempre é, não posso arriscar perdê-lo. Já conhece o procedimento, fique próximo da floresta, eu retornarei até a próxima lua.

Como quem compreende cada palavra, o corcel se virara e começara a trotar devagar para dentro da mata, fazendo parecer que não queria deixar seu dono. Antes que desaparecesse no espaço verde, Natham se voltara para ele.

Ah… – dissera o caçador. O cavalo parara e virara a cabeça para observá-lo enquanto o ouvia – Não se aproxime de estranhos.

O jovem caçador da Sagrada Ordem da Revelação fitara o caminho diante de si. Uma velha estrada de terra seca e batida, toda corrompida por rachaduras como as cicatrizes na face de uma pessoa idosa. Diferente de uma pessoa idosa com sua sabedoria, aquela estrada só conhecera guerra, destruição e morte.

As laterais estavam tomadas por charcos, acima dos quais uma densa e venenosa névoa se fazia presente. O cheiro forte de podridão invadira as narinas do rapaz. Natham tentara fechar os olhos e se concentrar por um breve instante.

O jovem então imaginara seu encontro com o Supremo Licantropo daquela Alcateia. Por alguns segundos sentira que o ódio por aquela criatura e pelo que seus servos haviam feito o estavam dominando. Cerrara o punho em torno da bainha negra da espada e colocara uma das mãos no peito. Lembrara-se de seu juramento naquele dia de chuva em que chegara na Sede da Ordem.

Não lutarei por um, mas por todos. Não hesitarei diante do inimigo enquanto a humanidade não estiver livre. Não agirei por vingança ou por ganho pessoal.

Minha espada é a espada do meu Deus.

Os meus golpes são a Sua palavra e justiça.

Em seguida voltara a caminhar. Com sua experiência em caçadas a Lycans, e considerando o ataque realizado, Natham presumira que os inimigos estariam com um acampamento em algum lugar há poucas horas de sua atual posição. Felizmente, rastrear aquelas feras não era um grande desafio por conta de forte cheiro que tinham e dos inúmeros rastros que deixavam.

Seria preciso apertar o passo e correr por alguns quilômetros. As criaturas deveriam estar se abrigando em alguma caverna ou em algum tipo de ruínas. Conhecia bem aquela categoria de demônio. Diferente da maioria dos guerreiros com quem treinara, bem como diversos caçadores veteranos, Natham preferia atacar aquele tipo de inimigo em suas fortalezas durante a noite.

Ele sabia que era loucura confrontar uma criatura que aumentava seu poder com a luz da lua cheia quando essa estava brilhando bem acima de sua cabeça, mas o jovem via a situação por outro ângulo.

A maioria dos lobisomens caçava durante a noite. Isso reduzia as hordas de servos que o Supremo Licantropo teria ao seu lado.

Era uma missão suicida – pensara. Mas não havia tempo para pedir reforços e mesmo que pudessse, sabia que as forças da igreja estavam reduzidas. Ele estava sozinho. Além disso, Anne estava com o inimigo e era seu dever resgatá-la, não importava como.

O ataque viera veloz, mas com grande imperfeição. Natham havia se virado para checar o movimento em um arbusto próximo e dera as costas para a luz do luar. Como se a sorte o acompanhasse, nesse exato momento vira claramente a sombra que cobrira a sua própria no chão de terra e pedregulhos.

Calculando em uma pequena fração de segundo o tamanho da sombra que aumentava, o caçador jogara o corpo para o lado em um movimento de esquiva extremamente preciso e sacando um punhal que carregava na cintura, fizera um risco profundo com a lâmina na criatura que passara ao seu lado com a mesma velocidade de um falcão.

O pio agudo do monstro ressoara pelo ar enquanto o mesmo alçava voo novamente, procurando um ponto seguro no céu, distante dos ataques físicos do guerreiro. O barulho causado pelo bater de asas tornara-se mais intenso e ao olhar à sua volta, Natham identificara outras seis criaturas como aquela.

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