Oh, está com medo dos gatos?Não se preocupe, não irão te atacar...
~ ♣ ~
Violet ria de maneira despreocupada enquanto Dollie contava mais uma de suas histórias de muito tempo atrás.
Rosalia e as gêmeas Anne e Anna estavam sentadas ao lado da jovem princesa, ouvindo atentamente cada palavra de sua rainha, que falava distraidamente enquanto acariciava as costas de Ery, agora em sua forma felina. O pobre Allen fitava o rosto de sua mãe com cara de paisagem, sem entender nada do que ela dizia.
Puppet terminava de tirar a mesa com seu jeito desengonçado de marionete e Roxy permanecia focada em tocar seu violino, a expressão calma e distante não deixava de ser solitária e melancólica, diferente de suas notas alegres e suaves que não pareciam transmitir nada do que ela realmente sentia.
– Bom, crianças, sinto muito mas já está na hora de dormir – Dollie disse com um suspiro e vários "awn" desapontados ressoaram em uníssono pela sala.
– Bom, sendo assim, acho que Ery deveria me levar de volta, não? – Violet questionou enquanto a rainha se levantava e a mulher cobriu a boca com as mãos em espanto.
– Oh não, é muito perigoso! – Ela disse e Violet franziu as sobrancelhas. – Está escuro e o bosque está vazio, quem sabe que tipos de monstros horríveis se escondem atrás de cada arbusto, prontos para atacar uma frágil princesa e um gatinho indefeso?
– Não sou frágil – Violet rapidamente retrucou, revirando os olhos cor de ametista.
– Mesmo assim, haveria uma enorme guerra entre seu reino e o nosso caso eu deixasse algo acontecer com a futura rainha de Coldland, não é mesmo? – Dollie disse e parou por um momento, como se estivesse pensando no que acabara de falar.
Mais fumaça encheu o ar e de repente Violet foi novamente abraçada por um garotinho de cabelos ruivos e grandes olhos verdes, que sorria de sua forma inocente e infantil.
– Sabe o que isso significa, né? – Ele perguntou alegremente e a rainha assentiu, também sorrindo. – Senhorita Violet terá que passar a noite aqui conosco!
– E-eu... Eu não posso simplesmente passar a noite aqui! Meus pais devem estar preocupados e... e eu tenho deveres como princesa lá em cima! – Violet disse se desvencilhando dos braços de Ery, que abaixou a cabeça e fez um biquinho decepcionado.
– Se estivessem tão preocupados já teriam mandado alguém vir procurá-la, não concorda? – Dollie rebateu e Violet cruzou os braços sobre o peito.
– E como vou ter a certeza de que não fizeram isso se passei o dia enfurnada aqui embaixo? – disse semicerrando os olhos e pela primeira vez desde que estava ali teve o vislumbre de uma expressão irritada no rosto alegre e gentil da rainha.
– Por favor, só esta noite! – Rosalia pediu, se levantando e apoiando-se no ombro de Violet de maneira dramática.
Até o pequeno Allen puxou a saia de seu vestido e assentiu para ela, sorrindo suavemente.
– Hum... Eu... – ela travou, observando os rostos esperançosos à sua volta. Até Roxy havia parado de tocar, como se esperasse uma resposta. – Tudo bem, acho que não tem problema só por uma noite. Mas amanhã de manhã irei embora.
Um sorriso animado voltou a iluminar o rosto da rainha, que repentinamente puxou Violet para um abraço sufocante.
– Muito obrigada! – Dollie agradeceu com os olhos claros reluzentes. – É que não temos muitos visitantes por aqui, sabe? Às vezes nos faz falta um pouco de companhia.
Violet suspirou, quase sentindo remorso por um momento por ter sido tão fria com Dollie. Afinal, que mal faria passar mais um tempo ali? Ela só deixaria aquelas coisinhas fofas felizes, não é?
– Oh, não... Não precisa agradecer, tenho certeza de que irei gostar de passar mais um tempo com vocês – ela respondeu meio sem jeito, abrindo um sorriso suave e passando os braços pelos ombros de Allen e Ery.
– Ótimo! – Rosalia exclamou batendo palminhas. – A senhorita poderá dormir comigo, tem uma outra cama sobrando no meu quarto já que sou a única a dormir sozinha aqui... – ela abaixou o olhar, parecendo constrangida por um momento, quase como se fosse uma ofensa dormir sozinha.
– Sim, sim, claro. Não vejo problemas – Violet disse e a ruiva levantou o rosto para ela, abrindo seu característico sorriso gentil e animado.
– Bom, então leve-a ao quarto por favor, Rosie?
– Claro. Vamos, senhorita.
Violet mordiscou o lábio inferior e cerrou os punhos, seguindo Rosalia com passos lentos e duvidosos.
Estava animada claro, mas não conseguia deixar de pensar que iria se arrepender depois, iria sim, seja lá pelo o que fosse.
~ ♣ ~
Depois de se revirar na cama pelo o que parecia a milésima vez naquela noite, Violet se sentou e suspirou, remexendo os pés descalços antes de encostá-los sobre o chão gelado.
Um arrepio percorreu sua espinha ao sentir o frio em sua pele. Ela sorriu e se colocou de pé.
Não adiantava nada sair do castelo para se tornar prisioneira em outro lugar. Ela precisava sair para explorar, ainda mais um lugar tão bonito e curioso como aquele.
Bonito, curioso e maluco, pensou consigo mesma enquanto andava de fininho até a porta do quarto: primeiro o calcanhar depois os dedos, tudo muito lento e cuidadoso, afinal ela não queria acordar alguém e causar alguma confusão.
Violet abriu a porta devagar e colocou a cabeça para fora, arrepiando-se novamente ao ver o breu que engolia o local como um monstro faminto.
Não, ela não era medrosa, nem um pouco, então apenas engoliu em seco e virou à direita no corredor, onde parecia ter uma fraca luz alaranjada bem no final.
A garota passou por diversas portas fechadas até finalmente chegar na fonte de luz que vira.
Em uma espécie de hall em formato de meia-lua sustentado por grossos e elegantes pilares de gesso, havia somente uma pequena mesa redonda no centro com um lampião a gás sobre a mesma e uma única porta isolada na parede à frente, destacando-se pela aparência velha e mal-cuidada, muito diferente das outras que Violet vira desde que chegara.
Olhando para os lados para se certificar de que não havia ninguém chegando, ela pegou o lampião e foi até a porta, parando com os dedos gélidos sobre a maçaneta dourada e desgastada pelo tempo.
Porque portas estranhas nunca são demais, disse a si mesma mentalmente, suspirando e, finalmente, girando a maçaneta.
O rangido da porta soou como um grito para os ouvidos de Violet diante de tanto silêncio o que a fez se apressar em colocar-se para dentro do quarto escuro e fechar a porta novamente.
Ao se virar e iluminar o resto do ambiente Violet deu um pulo para trás e reprimiu um grito ao ver uma mulher loura coberta de rachaduras no rosto e sem braços nem pernas parada à sua frente.
Ela fechou os olhos e suspirou de alívio ao abri-los novamente e ver que nao passava do busto de um manequim, sustentado por uma barra de ferro pregada ao chão.
Ela iluminou o restante do quarto, impressionada. Diferente da porta que parecia estar esquecida ali há anos, o lugar estava na mais perfeita ordem, mais limpo e organizado do que qualquer cômodo de seu castelo.
Haviam diversas mesas cheias de materiais para costura, tais como diferentes pedaços de tecidos cortados, tesouras, vários alfinetes coloridos, carretéis de linha e coisas que ela nem sabia o que eram ou para que serviam.
Violet andou mais alguns passos, aprofundando-se no, até então, lugar mais curioso que encontrara ali, e parou, franzindo as sobrancelhas e deixando o lampião sobre uma mesa para que pudesse esticar os braços e pegar algo numa prateleira mais alta.
Ela ficou na ponta dos pés e, com as pontas dos dedos, puxou para si um grande pote arredondado de vidro cheio de pequenas esferas que pareciam ser feitas do mesmo material.
Ela abriu a tampa e colocou a mão dentro, pegando três e as segurando por entre os dedos abertos.
– Que coisa bizarra... – Violet murmurou examinando os olhos de vidro em sua mão, um preto e escuro como uma ônix, um dourado feito ouro e outro da cor de uma esmeralda.
– Seja lá quem for que estiver aí já pode ir embora, não estou com paciência para as gracinhas de vocês – uma voz mal-humorada e cansada ecoou de algum lugar ali dentro, fazendo Violet pular com o susto e jogar o pote para o alto, suspirando aliviada ao conseguir pegá-lo novamente.
– E-eu... Estava apenas dando uma olhada, se não se importa – Ela disse gaguejando enquanto colocava o pote em seu lugar e xingava mentalmente por conta do susto que havia tomado.
– Hum? Rosalia? – O garoto disse meio confuso. – Sua voz parece meio infantil, o que aconteceu?
– Ora, seu... Para a sua informação eu já tenho catorze anos, não sou infantil coisa nenhuma! – Violet esbravejou e cruzou os braços, irritada.
– Para ainda estar discutindo comigo sobre isso deve ser bem infantil mesmo, mais do que aparenta.
Violet revirou os olhos e espreitou por um pequeno corredor com uma única porta de ferro amassado no final, de onde saía a voz daquele garoto que falava com ela como se tivesse alguma autoridade. Coitado.
– Tenho certeza de que alguém aqui é cem vezes mais infantil que eu! Você tem quantos anos? Cinco? – Ela disse em tom provocador enquanto se aproximava da pequena porta. – Ah não, deve ser mais novo ainda porque chora como um bebê!
– Se é o que pensa... Abra a porta e descubra, sei que está curiosa – ele instigou com uma risadinha debochada. – Mesmo porque, para ter chegado até aqui, tem que ter muita curiosidade mesmo.
– Eu... Eu não sou curiosa, apenas interessada – Violet corrigiu, os dedos hesitantes já parados sobre o trinco da porta.
– Ande logo, eu não mordo. E admito que faz tempo que não vejo pessoas novas, também estou ligeiramente curioso. Como se chama?
Violet suspirou e destrancou a porta, empurrando-a para dentro com as duas mãos para abri-la.
– Violet... Violet Tessy – Ela parou, sem reação ao ver um garoto de aproximadamente dezoito anos dentro de algo como uma gaiola com barras grossas de ferro enferrujadas e acorrentado pelos tornozelos à parede de pedra rachada e coberta de musgo, inteiramente sujo de poeira e com uma rachadura no lado direito de seu rosto de porcelana.
Ele levantou os olhos – um verde e outro azul – para Violet e sorriu de uma maneira quase sarcástica.
Intrigante, muito intrigante... A menina pensou apertando a manga de sua camisola com os dedos.
– Olá Violet, você é nova aqui? – Violet assentiu, ainda meio travada, e o garoto riu. – Prazer, sou Aaron.
Nós te deixaremos fugir por hora, ratinha... ~ ♣ ~– Aaron... – Violet pronunciou lentamente como se não tivesse entendido e desviou o olhar para o chão rapidamente ao perceber que o garoto ainda a encarava de uma forma quase que intensa demais em sua opinião. – Por que está aqui? Por que não está junto dos outros?– Porque eu era um Perfeito, mas agora sou um Quebrado e Quebrados não servem para ela, até que tenho sorte por ainda estar vivo, os outros foram todos... – ele parou ao ver os olhos arregalados de Violet e riu.– Ela quem? Dollie? – A menina perguntou franzindo as sobrancelhas e Aaron assentiu.– Ela aceita os Defeituosos mas nunca um Perfeito que se quebra, não pode aceitar que um de seus falsos sonhos de perfeição se corrompeu.– O que é um Perfeito? E um Quebrado? Desculpe, não compreendo – Violet admitiu baixinho e ajoelhou-se
Só que você sabe qual é o problema dos ratos, não sabe?~♣~Violet xingou mais uma vez quando uma teia de aranha se prendeu em seu rosto e ela precisou morder com força o lábio inferior para não gritar ao ver o aracnídeo pendurado no teto do túnel, remexendo as patas longas bem à frente de seu rosto.Ela engatinhou para trás, esperando alguns segundos até aquela coisa subir por sua teia e sair andando pelas paredes de terra batida do túnel.A menina suspirou aliviada e, novamente, praguejou contra os deuses e todas as forças sobrenaturais que poderiam ter culpa de seu estado no momento.Ela não aguentava mais andar e andar por aquele lugarzinho claustrofóbico e sujo e nunca chegar a lugar algum. Seus joelhos estavam mais arranhados do que nunca e seus braços doíam já que o lugar não tinha espaço o sufi
Eles sempre, sempre fogem...~ ♣~– Como chegou aqui? Você... Você não estava naquela sala? E-eu... – Violet gaguejou confusa, seu cerébro se recusando a acreditar que aquele ser que lhe estendia a mão para finalmente tirá-la do túnel era o irritante e folgado Jack Mitchell.– Um garoto-boneco colorido, Aaron, me deu uma chave e disse para encontrá-la aqui – Jack disse e chacoalhou a mão estendida pra a princesa, seus olhos arregalados tinham pressa. – Vamos logo! Contamos tudo um para o outro depois que estivermos fora daqui!– Mas eu... Ah, que se dane! – Ela segurou a mão de Jack e o garoto a puxou para cima, desviando o olhar constrangido ao ver que a única coisa que Violet vestia era uma camisola. – Ora o que foi? Sou linda demais para você? – Violet zombou, limpando as mãos sujas de terra na seda rosa-bebê de sua roupa já encardi
Para serem mortos no final.~ ♣ ~Violet só parou de correr quando avistou algo suspeito no final do corredor, andando lentamente até o objeto para observar mais de perto. Jack estava ofegante ao seu lado, sem um pingo da energia que agora corria pelas veias de Violet.A menina se abaixou e deu uma risadinha amarga ao conseguir identificar que era uma pequena boneca de pano que a observava do chão, seus olhos roxos de botão brilhando sob a luz da lua. Ela a pegou pelos cabelos de lã amarela como se fosse a coisa mais grotesca que já vira na vida e leu o que estava bordado em seu vestidinho colorido: "Você sabe o que é melhor nesses joguinhos? Uma rainha nunca perde"Jogou a boneca longe usando toda a sua força e Jack se aproximou, as sobrancelhas franzidas pela curiosidade.– O que foi? O que era?– Aquela desgraçada pensando que pode me assustar – ela respondeu e analisou a palma de sua mão por um tempo, pas
Coisas ruins acontecem o tempo inteiro,E, consequentemente, as pessoas pensam coisas ruins o tempo inteiroMas então, coisas boas voltam a acontecer, como uma distraçãoEntão, me diga:Se eu fosse embora, até quando minha falta seria motivo de tristeza para você?Não chore mamãe, ainda estou aquiE, de um jeito ou de outro, farei com que se lembre. ~ ♣ ~As horas e os minutos se passaram, lentos e incontáveis, e Jack permanecia encostado sobre o tronco úmido de uma árvore, os jo
O sol brilhava forte e o castelo estava realmente agitado e animado, como Alfred jamais vira em toda a sua vida dentro da realeza. Empregadas, cozinheiros, decoradores e até jardineiros iam e vinham apressados de um canto para o outro.O menino tentava brincar em paz com seu carrinho que, vez ou outra, era derrubado por pés gigantes que caminhavam com urgência, seguido de um "Perdão, alteza". Mas que diabos? Ele não queria perdão nenhum, só queria poder brincar em paz!O próximo par de sapatos brilhantes e bem engraxados a atrapalhá-lo em sua tão preciosa brincadeira foram os de Jack Mitchell, conde de Coldland e melhor amigo de Alfred.– Tio Jack! – O garotinho exclamou, pulando nos braços do rapaz que o girou no ar, em seguida o jogando para o alto e o pegando novamente, fazendo o pequeno rir.– Como vai, reizinho? – Jack perguntou com um sorriso e Alfred franziu o rosto numa careta, cruzando os bracinhos rechonchudos.– Bravo! Eu só queria brincar, m
Dez longos anos se passaram desde o incidente que mudou, para sempre, as definições de perigo para os habitantes do pequeno reino de Coldland.Alfred Tessy tem nove anos e cresceu ouvindo histórias sobre sua irmã mais velha: sobre como o bosque ao redor do castelo havia a engolido e nunca mais devolvido para seus pais, que por entre as árvores se escondiam as mais perversas e sombrias criaturas e certamente era um lugar terrível para se estar.Porém, durante uma confraternização real, o pequeno príncipe acaba por encontrar algo que pode acabar com tudo em que ele acreditava até então.Poderiam seus pais ter mentido esse tempo inteiro? E se Violet realmente estivesse viva?Alfred se sente mais curioso e inclinado do que nunca a explorar os mistérios além do muro do castelo, buscando saber e entender o que realmente aconteceu com sua irmã e porque, após tanto tempo, ela finalmente resolveu aparecer se autodeclarando rainha de um reino de bonecas subterrâneo.
Seu reino se afunda em silêncio e solidãoA esperança parece algo distante, fora de cogitaçãoO que era antes brilhante, belo e iluminadoSe torna escuro, empoeiradoSua luz está distante, seu sol foi apagadoEm desespero, você clamaPor alguém que mesmo sem te conhecer, te amaE segue, sem resistência, o seu chamadoE de alguma forma, você sabeUma família pode acabarMas o amor, em sua mais pura alegriaMesmo no coração formado pela porcelana mais fria,Para sempre prevalecerá.O - O - O - O - O - O - O - O - O - O - O - O - O -