Eles sempre, sempre fogem...
~ ♣~
– Como chegou aqui? Você... Você não estava naquela sala? E-eu... – Violet gaguejou confusa, seu cerébro se recusando a acreditar que aquele ser que lhe estendia a mão para finalmente tirá-la do túnel era o irritante e folgado Jack Mitchell.
– Um garoto-boneco colorido, Aaron, me deu uma chave e disse para encontrá-la aqui – Jack disse e chacoalhou a mão estendida pra a princesa, seus olhos arregalados tinham pressa. – Vamos logo! Contamos tudo um para o outro depois que estivermos fora daqui!
– Mas eu... Ah, que se dane! – Ela segurou a mão de Jack e o garoto a puxou para cima, desviando o olhar constrangido ao ver que a única coisa que Violet vestia era uma camisola. – Ora o que foi? Sou linda demais para você? – Violet zombou, limpando as mãos sujas de terra na seda rosa-bebê de sua roupa já encardida e a manchando ainda mais de marrom.
– Cale a boca – Jack murmurou irritado e Violet riu.
A menina voltou a ficar séria ao perceber que estavam no hall de entrada, exatamente onde Aaron disse que o túnel a faria chegar. Ela sorriu, parecia que realmente podia confiar naquele arco-íris pastel em forma de gente – ou meia-gente se considerasse que ele já não era mais humano, assim como os outros.
– Como saímos daqui? – Jack perguntou e Violet apontou para uma escada longa de mármore.
– Eu cheguei aqui por ali, subindo essa escada vamos chegar em uma porta que nos fará sair direto no bosque atrás do castelo – ela explicou e Jack franziu as sobrancelhas, indignado.
– A senhorita veio parar aqui por conta própria? Mas... Por quê? – O menino indagou e Violet revirou os olhos, ele realmente queria um "senta que lá vem a história" num momento como aquele?
– Olha é uma longa história, prometo que te conto tudo mais tarde, mas antes precisamos sair daqui, não é seguro e não precisa ser muito inteligente pra perceber isso, você acabou de ser sequestrado – ela disse apressada e sem qualquer paciência, pegando a mão do garoto e o arrastando em direção à escada mas parando imediatamente assim que passos soaram atrás deles.
– Senhorita Violet? – Rosalia chamou e Violet se virou, engolindo em seco.
– Rosie... Eu... – ela murmurou com o olhar baixo, o rosto gelando e empalidecendo, o que diria agora que havia sido pega? Será que deveria só aceitar e se entregar à Dollie de uma vez?
– Estava indo embora, não estava? – Rosalia perguntou com um sorriso triste e Violet permaneceu em silêncio antes de confirmar com um aceno de cabeça. – Tudo bem, eu entendo. Sabe, ninguém está aqui por vontade própria, nem mesmo a Roxy. Se todos tivéssemos uma chance fugiríamos também, mas Dollie não nos deixa ir.
– Rosalia, eu... Venha conosco! – Violet pediu sorrindo para a ruiva, já deveria saber que pelo menos Rosie não faria mal à ela.
– Não! E-eu... Quero dizer, eu não posso, Dollie já ficará furiosa se souber que os deixei ir, então vá logo princesa, eu darei um jeito aqui – Rosalia disse e Violet parou, estática, até finalmente abrir um sorriso caloroso para a boneca.
– Obrigada – foi tudo o que disse antes de desaparecer pelas escadas escuras cobertas de folhas secas de mãos dadas com Jack.
Ao chegar na pequena portinha arredondada de madeira, Violet passou as pontas dos dedos pela sua superfície úmida e respirou fundo. O que diria aos seus pais quando os reencontrasse? Que havia sido capturada por um bando de bonecas loucas? Que ela mesma havia fugido para viver com um bando de bonecas loucas?
– O que está esperando? – Jack a apressou, em alerta caso alguém chegasse de surpresa.
– Desculpe – Violet murmurou e finalmente empurrou a porta, dando de cara com o monte de verde do bosque que antes a fizera se sentir tão perdida.
O sol fraco do início da manhã passava por entre as folhas das enormes árvores que haviam ali, formando pequenos pontos luminosos no chão coberto de sombras.
Estranhamente, Violet não estava desesperada ou com medo de que pudesse se perder novamente, qualquer coisa no momento lhe parecia melhor que aquelas bonecas malucas obcecadas com perfeição, mesmo insetos nojentos e a lama pegajosa que antes encharcara seus pés.
– Vamos, temos que encontrar alguém, se continuarmos aqui vamos acabar voltando lá para baixo contra a nossa vontade, nada bom – Violet disse se apressando em passar pela porta e puxar Jack junto, fazendo-o praguejar quando suas mãos se sujaram de terra. – E não reclame, estou pior.
Depois do que pareceram horas andando por aquela floresta toda que era como um labirinto verde infinito, Jack se encostou sobre o tronco de uma árvore e colocou as mãos sobre sua barriga que roncou alto, fazendo uma careta.
– Estou com fome – disse e Violet bufou, sentando-se no chão e também encostando-se em uma árvore coberta de musgo.
– Eu também, e não aguento mais andar, meus pés doem – ela respondeu observando seus pés descalços imundos, por um momento quase sentindo-se desmotivada a continuar.
– Então, como foi parar naquele lugar? – Jack perguntou também se sentando e brincando com um pequeno graveto que encontrara jogado por ali, tentando a todo custo se distrair para que toda a fome, cansaço e desconforto não acabassem por se tornarem mil vezes piores e incômodos.
– Ginger – foi tudo o que Violet respondeu o que fez com que Jack levantasse o rosto para encará-la com as sobrancelhas erguidas e o olhar duvidoso. – É sério! Eu o segui até lá, e foi onde descobri que seu nome na verdade é Ery e ele é o gato da Rainha. Um gato meio humano na verdade...
– Uau... Eu só... Estava dormindo e quando acordei estava no meio da floresta – Jack explicou agora com o olhar vago como se estivesse revivendo suas memórias. – Estava sendo carregado por aquela marionete bizarra, mas eu me sentia tão cansado... Então quando acordei de novo estava amordaçado e jogado em uma mesa que mal sei dizer se era própria para costura ou cirurgia.
– Céus... – Violet sussurrou horrorizada e se levantou para se sentar ao lado do garoto. – Eu sinto muito, Jack.
Ela colocou a mão suja e áspera por cima da de Jack como alguma forma de conforto e apoiou a cabeça em seu ombro.
– Eu também sinto muito por você. Fez isso por causa da pressão de seus pais?
– Hã? Ah... Sim e não – ela respondeu bocejando, só então sentindo o cansaço que havia acumulado desde que chegara em Underwood. – Eu só... Ah, me mata ter que admitir isso mas você estava certo, eu não nasci para ser rainha. Eu odeio toda essa pressão e esse cuidado exagerado que todos tem comigo, queria viver alguma coisa a mais e provar que posso me virar sozinha.
– A senhorita provou muito bem isso – Jack disse e os dois riram. – Mas não tem que provar nada para ninguém. Desculpe por todas as coisas ruins que digo sobre você e sua mãe, é que...
– Eu sei. Você não a perdoa por não ter se casado com o seu pai e por ele não ter a esquecido ainda.
– É... Mas ninguém tem culpa nisso, eu só queria culpar alguém para que meu pai não parecesse tão idiota – Jack disse e Violet sorriu e suspirou, dando de ombros.
– Acontece, pais são idiotas às vezes – ela comentou e fechou os olhos, compreendia muito bem o que o amigo queria dizer. – Todos somos.
Minutos de silêncio se seguiram até que Jack chacoalhasse Violet violentamente pelos ombros.
– Ai! O que foi? – Perguntou irritada por ter sido atrapalhada no começo de um cochilo e Jack tampou sua boca com a mão, fazendo-a arregalar os olhos, assustada e alerta.
Sons baixos de passos se aproximavam cada vez mais de onde estavam e Violet quis chorar por um momento mas se conteve. Não iria fraquejar novamente, não diante de uma boneca de porcelana idiota que achava que era dona do mundo com um reino estúpido daqueles.
Com o lapso de coragem que havia surgido tão de repente quantos os passos, Violet afastou a mão de Jack e se levantou de supetão, finalmente parecendo a rainha que estava destinada a ser.
– Quem está aí? – Gritou para as árvores à sua frente, os olhos violeta faiscando de raiva. – Apareça! Cansei dos seus joguinhos, dessa brincadeira de casinha idiota!
– Alteza? Senhorita Violet? – Uma voz grave chamou e Violet sentiu seus joelhos fraquejarem por um momento. – Somos da guarda real, se for a senhorita, por favor, responda!
– Jack... – Violet voltou-se para o menino que não demorou para se levantar e responder.
– Estamos aqui! Aqui é Jack Mitchell, estou junto com a princesa! – gritou e os passos se apressaram.
Quando quatro homens com uniformes vermelhos e armas na cintura surgiram do meio das árvores, Violet só faltou desmaiar de tanto alívio.
– Nós conseguimos, Jack!
– Sim – Jack respondeu sorrindo e dando um beijo na testa de Violet, que se afastou com uma careta.
– Ei, sem isso ainda – ela disse e abraçou o garoto. – Assim está bom por enquanto.
~ ♣ ~
O castelo era seguro, sem sombra de dúvida, mas ela ainda desconfiava um pouco. Havia sido fácil escapar de lá, fácil demais para o seu gosto.
Ela olhou para a cama improvisada do outro lado de seu quarto e suspirou. Diferente dela, Jack parecia estar no estado mais profundo possível de seu sono.
Depois de enrolar seus pais até que desistissem de perguntar o que havia acontecido e sobre como havia encontrado o filho do conde, ela insistira para que o garoto passasse a noite com ela.
Por mais que doesse a Violet admitir, ela estava com medo de ficar sozinha e qualquer companhia era bem-vinda – exceto a de gatos laranjas rajados, claro.
A loura bocejou e voltou a se deitar, puxando seu edredom macio até o queixo e fechando os olhos, imaginando qualquer coisa que não tivesse a ver com Dollie ou suas bonecas sinistras.
~ ♣ ~
– Uhn? Que é? – Ela resmungou com a voz mole, os olhos ainda fechados e a boca meio aberta.
– Não, nada de "que é", acorda agora! – Ele deu uma tapinha na bochecha de Violet e a garota se sentou na mesma hora, os olhos violeta inchados e avermelhados.
– Ficou louco?! Você poderia morrer por isso, seu imbecil! – Ela vociferou irritada e o empurrou para longe, fazendo Jack grunhir irritado.
A princesa bufou e permaneceu sentada por alguns segundos, fitando o nada e esperando sua sonolência passar, mas sentiu seu coração acelerar ao ver que Jack estava pálido e se segurando para não demonstrar o medo e o desespero refletidos em seu olhar vidrado.
– O que foi? – Perguntou temendo a resposta mais do que já havia temido qualquer outra coisa em sua vida inteira.
– Violet... E-eu...
– O que foi, droga? – Violet repetiu em desespero, chacoalhando Jack pelos ombros sem dar qualquer importância à formalidades ou boas maneiras.
– N-não tem ninguém... – Jack gaguejou, não sabia se estava mais assustado pelos fatos que contaria ou pelos olhos furiosos e amedrontados de Violet o encarando com urgência. – Eu fui lá fora e... Todo mundo desapareceu.
– Mas que merda! Por que não disse logo? – Violet gritou jogando as cobertas para o lado e saltando da cama. – Vamos seu idiota!
Ela puxou Jack pela mão e correu para fora do quarto. Estava com medo? Com certeza, mas não chegava aos pés da raiva que sentia de Dollie naquele momento.
Seu sangue fervia e seus dedos pareciam implorar para que batesse em alguma coisa. E ela tinha certeza que, se aquela boneca metida a besta tivesse algo a ver com aquilo, seria ela a atingida.
Para serem mortos no final.~ ♣ ~Violet só parou de correr quando avistou algo suspeito no final do corredor, andando lentamente até o objeto para observar mais de perto. Jack estava ofegante ao seu lado, sem um pingo da energia que agora corria pelas veias de Violet.A menina se abaixou e deu uma risadinha amarga ao conseguir identificar que era uma pequena boneca de pano que a observava do chão, seus olhos roxos de botão brilhando sob a luz da lua. Ela a pegou pelos cabelos de lã amarela como se fosse a coisa mais grotesca que já vira na vida e leu o que estava bordado em seu vestidinho colorido: "Você sabe o que é melhor nesses joguinhos? Uma rainha nunca perde"Jogou a boneca longe usando toda a sua força e Jack se aproximou, as sobrancelhas franzidas pela curiosidade.– O que foi? O que era?– Aquela desgraçada pensando que pode me assustar – ela respondeu e analisou a palma de sua mão por um tempo, pas
Coisas ruins acontecem o tempo inteiro,E, consequentemente, as pessoas pensam coisas ruins o tempo inteiroMas então, coisas boas voltam a acontecer, como uma distraçãoEntão, me diga:Se eu fosse embora, até quando minha falta seria motivo de tristeza para você?Não chore mamãe, ainda estou aquiE, de um jeito ou de outro, farei com que se lembre. ~ ♣ ~As horas e os minutos se passaram, lentos e incontáveis, e Jack permanecia encostado sobre o tronco úmido de uma árvore, os jo
O sol brilhava forte e o castelo estava realmente agitado e animado, como Alfred jamais vira em toda a sua vida dentro da realeza. Empregadas, cozinheiros, decoradores e até jardineiros iam e vinham apressados de um canto para o outro.O menino tentava brincar em paz com seu carrinho que, vez ou outra, era derrubado por pés gigantes que caminhavam com urgência, seguido de um "Perdão, alteza". Mas que diabos? Ele não queria perdão nenhum, só queria poder brincar em paz!O próximo par de sapatos brilhantes e bem engraxados a atrapalhá-lo em sua tão preciosa brincadeira foram os de Jack Mitchell, conde de Coldland e melhor amigo de Alfred.– Tio Jack! – O garotinho exclamou, pulando nos braços do rapaz que o girou no ar, em seguida o jogando para o alto e o pegando novamente, fazendo o pequeno rir.– Como vai, reizinho? – Jack perguntou com um sorriso e Alfred franziu o rosto numa careta, cruzando os bracinhos rechonchudos.– Bravo! Eu só queria brincar, m
Dez longos anos se passaram desde o incidente que mudou, para sempre, as definições de perigo para os habitantes do pequeno reino de Coldland.Alfred Tessy tem nove anos e cresceu ouvindo histórias sobre sua irmã mais velha: sobre como o bosque ao redor do castelo havia a engolido e nunca mais devolvido para seus pais, que por entre as árvores se escondiam as mais perversas e sombrias criaturas e certamente era um lugar terrível para se estar.Porém, durante uma confraternização real, o pequeno príncipe acaba por encontrar algo que pode acabar com tudo em que ele acreditava até então.Poderiam seus pais ter mentido esse tempo inteiro? E se Violet realmente estivesse viva?Alfred se sente mais curioso e inclinado do que nunca a explorar os mistérios além do muro do castelo, buscando saber e entender o que realmente aconteceu com sua irmã e porque, após tanto tempo, ela finalmente resolveu aparecer se autodeclarando rainha de um reino de bonecas subterrâneo.
Seu reino se afunda em silêncio e solidãoA esperança parece algo distante, fora de cogitaçãoO que era antes brilhante, belo e iluminadoSe torna escuro, empoeiradoSua luz está distante, seu sol foi apagadoEm desespero, você clamaPor alguém que mesmo sem te conhecer, te amaE segue, sem resistência, o seu chamadoE de alguma forma, você sabeUma família pode acabarMas o amor, em sua mais pura alegriaMesmo no coração formado pela porcelana mais fria,Para sempre prevalecerá.O - O - O - O - O - O - O - O - O - O - O - O - O -
"Toda mentira uma hora se quebra, tudo o que está escondido uma hora se mostra. Assim como os segredos, você sabe que não pode mantê-los por muito tempo, não é?" ~ ♣ ~Era madrugada, Alfred chutava que eram por volta de cinco da manhã, pois o céu já não se encontrava mais preto e cheio de pontinhos luminosos, e sim violeta, como no início de cada manhã - como nos olhos da garota que mais cedo o chamara para conhecer seu castelo.Ele não conseguia pensar em algo que n&atil
"A curiosidade pode te levar à coisas boas ou ruins, à respostas ou à um monte de nada. E saber disso não te deixa ainda mais curioso?Nós dois sabemos que não é correto se deixar levar por um sentimento tão traiçoeiro, mas você nunca vai saber se não tentar, não é?" ~ ♣ ~– Que segredo? – Alfred perguntou assustado, arregalando os olhos azuis e apertando as mãos sobre a barra de sua camisa.Jack s
"Surpresas podem ser boas ou ruins, essa é a graça da coisa toda, você nunca sabe se vai gostar do que está por vir.E eu sou uma surpresa.Você acha que poderei ser boa para você, querido?" ~ ♣ ~– Tio Jack? – Alfred deixou escapar quase como um gritinho, seus joelhos tremendo por medo e pelo susto quando se virou para trás e se deparou com o rapaz o encarando de cima com os olhos verdes repreensivos e, por algum motivo, não estava