A humanidade crê que a verdade liberta e purifica.
Algumas pessoas insistem em dizer que só a verdade traz a paz de espírito, mas essas mesmas pessoas também não acreditam nisso. Alguns podem até mesmo acreditar, contudo, eles mesmos são outras vítimas da única verdade universal sobre a condição natural do ser humano: a de que suas vidas são meras mentiras.
Assim que o ser humano sente pela primeira vez a rejeição por seus atos, logo na infância, quando é repreendido por seus primeiros erros, o mesmo adquire uma nova característica que é comum a todos os de sua espécie: ficar calado ante seus erros. Isso seria mentir? Alguns dizem que omitir não é mentir, mas de um ponto de vista mais amplo, isso seria apenas um eufemismo para o caso. Se alguém lhe pergunta algo do qual você sabe a resposta, qualquer outra resposta que não a verdade é uma mentira e omitir a verdade é outra resposta.
Todos os dias, quando saímos de casa vestimos nossas roupas, calçados e apanhamos nossos objetos pessoais, mas o mais importante de tudo quase ninguém percebe: vestimos também nossas máscaras.
As mentiras começam na troca de gentilezas cotidianas: bom dia, tudo bem, como vai, estou bem, me visite, saudades de você, você está ótimo(a), temos de nos encontrar mais vezes. As pessoas seguem um padrão robótico estipulado pela convenção de relações sociais implantado em suas mentes desde a infância. Ao contrário de serem estimulados a dizer a verdade são ensinados a dizerem o que é mais benéfico para um diálogo, mesmo que isso vá na direção oposta à de seus pensamentos.
Um sujeito carrancudo esboça um falso sorriso e diz que está bem para um amigo que encontre, essa é a segunda mentira, ao passo que a primeira foi a falsa preocupação do amigo que perguntou, ninguém está realmente preocupado com todos que encontra pelo caminho diariamente, a pergunta é apenas parte do programa instalado em suas mentes controladas pelo sistema social chamado moralidade.
Um pai de família sai do trabalho mais cedo e vai para a cidade vizinha onde paga por sexo para uma estranha com a metade da idade da esposa. Essa, por sua vez, finge orgasmos e mais orgasmos, interpretando a personagem que está sendo reembolsada pelo que oferece, a tarefa de fazer o velho depressivo se sentir um homem viril. Depois disso, o sujeito retorna tarde da noite para a família e se deita incapaz de ter relações com a esposa, escondendo-se atrás da mentira de que uma reunião no trabalho o mantivera até mais tarde na empresa enquanto a esposa finge acreditar, mesmo desconfiada.
Diariamente as pessoas usam suas máscaras, todas elas, sem exceção, até mesmo o padre amado na igreja, depois de horas de sermão, cansado de suas atividades, só deseja poder se retirar, mas atende até o último dos fieis enquanto em sua mente ele só deseja que parem de falar e o deixem descansar.
A vida do ser humano é feita de mentiras, mas todos preferem se esconder em uma melhor “embalagem” que passe a impressão de estar tudo em ordem, tudo bem, tudo perfeito. Partindo desse contexto, em quantas pessoas é possível de se acreditar diariamente? Ou ainda melhor, será possível acreditar nas palavras de alguém quando as nossas próprias não carregam todos os nossos verdadeiros pensamentos?
Nathalie ouvia as palavras de Adrian no telefone e encantava-se. A maneira de pensar de ambos tinha muito em comum. Ou melhor, se tudo aquilo que ele falava fosse verdade e não apenas uma forma de cortejá-la e conquistá-la. Mas de um modo geral, ele parecia ser capaz de ver o lado negro da humanidade, aquele ponto sombrio que todos escondem, o lado escuro da lua. Não era como os jogadores e as meninas da equipe de animação de torcida, preocupados unicamente com aparência e superficialidades. Adrian era realmente um artista, essa visão de louco e sonhador era uma qualidade inerente aos artistas de todas as épocas e tendências.
—Então você também tem uma máscara? – perguntara a garota.
—Bom, mentiria se dissesse que não. Com certeza há coisas em mim que prefiro manter guardadas e coisas sobre as pessoas que prefiro não dizer. Evitar fofocas é um jeito de começar a caminhar no caminho certo, se me entende. Não existe uma máscara perfeita, em algum momento a pessoa sempre deixa algo de seu verdadeiro eu transparecer e nesse momento os que o cercam passam a amá-lo mais ou odiá-lo completamente. Existem poucas pessoas capazes de reconhecer um erro bruto, aceitá-lo e continuar a amar a pessoa mesmo dessa forma. Acho que assim como a maioria, me envergonho dos meus erros e manter alguns detalhes em meu íntimo, para mim mesmo, é o melhor a se fazer.
—Não acho que seja o assassino que matou a Julye, mas se fosse precisaria esconder esse fato, não é? – rira a loira – Como disse Rebecca ontem, pode ser qualquer um, até mesmo um aluno ou aluna de nossa escola.
—Sim, é verdade. Mas também precisamos lembrar que o corpo de Julye foi encontrado sem nenhuma gota de sangue. Mesmo um fanático por vampirismo precisaria das habilidades certas para realizar tal feito. Não basta ser um jogador de RPG, como Vampiro – A Máscara ou um fã de filmes como Drácula de Bram Stocker para ter esses talentos. Quem fez isso tem as habilidades necessárias e creio eu, sabia o que estava fazendo. Meu tio disse que o crime foi convincente nos mínimos detalhes para lembrar um ataque de vampiro clássico. Se eu fosse menos cético acreditaria que esses seres realmente vivem.
—Tenho minhas dúvidas, sabia? Eles são personagens de ficção, mas essas histórias sempre são inspiradas em elementos da nossa realidade, não é? Acho que esse sujeito conseguiu mesmo mexer com as cabeças de todo mundo, todos estão se sentindo inseguros. Mas para alguém acreditar que um personagem de livros e cinema possa ser real, teria de ser louco.
Ambos riram juntos daquela conversa estranha que estavam tendo. Estavam debatendo de forma incrédula, a teoria sobre a existência de vampiros no mundo real. Nathalie vira então a oportunidade de pressionar o rapaz e descobrir quais eram suas reais intenções para com ela.
—Bom, digamos que eu derrubasse um pouco a sua máscara… – começara a garota, fazendo pequenas pausas entre as palavras enquanto falava – O que realmente pretende comigo? Sabemos que não sou a única aluna na escola que toca algum instrumento e acredito que poderia escolher a que quisesse.
De certa forma, Nathalie ainda não se sentia segura com aquele garoto se aproximando dela daquele jeito. A maioria dos rapazes a evitava. Embora fosse uma garota bonita, não era do tipo que poderia sair em grupos ou ir à encontros e bailes. Adrian hesitara por um momento que não durara mais que poucos segundos. Então as palavras começaram a sair.
—É… – começara ele – Digamos que realmente existem outras meninas que tocam outros instrumentos e os membros da banda, talvez me incluindo, temos certa influência para convidar alguma para tocar conosco. Mas nenhum deles nunca fez isso e acho que é porque não se sentem bem com alguém de fora entre nós ou talvez porque não vejam talento nelas. O que eu posso dizer sobre isso é que você tem esse talento. Não me faça ficar meloso demais, mas você toca com sentimentos e sinto isso vindo de você, então tenho certeza de que vão querer você participando de um show nosso. E seria absurdo se eu não dissesse que você é linda e isso me atrai também – concluíra.
“Você é linda e isso me atrai também”.
As palavras de Adrian continuavam reverberando pelo quarto de Nathalie, repicando das paredes para seus ouvidos novamente. Era como se aquilo nunca fosse sair dali, como se o tempo tivesse sido congelado naquele momento. Pelo menos era o que ela queria, desejava poder congelar o tempo e ficar ouvindo a voz grave e direta do rapaz em seu ouvido lhe dizendo que ela era linda como nenhum outro o fizera antes, não naquela escola, não nessa vida.
Adrian esperara por mais de trinta segundos sem qualquer resposta.
—Nathalie? Ainda está aí? – indagara no outro lado da linha.
—Eu…? Ah, sim, estou aqui. Me desculpe, por favor – dissera ela, sentindo-se envergonhada mesmo pelo telefone – É que me pegou de surpresa, confesso que não havia escutado isso de ninguém desde que me mudei para essa cidade e para a escola e fiquei sem jeito.
—Me desculpe por isso… – respondera o rapaz – Não era minha intenção constrangê-la. Com certeza muitos pensam o mesmo que eu, mas como você é uma menina quieta e séria, creio que a maioria tem medo de se aproximar. Por isso não dizem nada.
Séria? – pensara Nathalie. Talvez fosse um pouco, mas acreditava que os outros prefeririam uma palavra mais adequada para aquela expressão como inválida ou deficiente. De qualquer forma, Adrian parecia ser diferente, tinha sido gentil com ela. Deveria haver uma boa razão para isso e certamente não era apenas o interesse nela tocando com ele na banda.—E você não tem medo de se aproximar de uma menina séria? – indagara ela usando a mesma palavra que o rapaz escolhera para se expressar.—É claro que tenho, não faz ideia. Estou me esforçando para não gaguejar e pensando mil vez em cada palavra antes de dizer. Se me visse agora riria muito de como minhas pernas estão tremendo – respondera ele, parecendo sincero em cada palavra – Mas como disse, você é talentosa e linda. E também educada e charmosa como vejo agor
Havia um período livre entre as aulas de Nathalie onde os alunos estudavam sobre esportes diariamente. O colégio Santa Helena tinha mais de vinte times de diversas categorias esportivas e muitos desses responsáveis por centenas de troféus em eventos regionais e estaduais para a escola, uma grande razão para o estudo de técnicas relacionadas ter logo se tornado parte do currículo escolar. Da mesma forma música e artes tinham seu valor, abrigando diversas bandas e solistas entre seus alunos.Nathalie não precisava assistir as aulas sobre Literatura Esportiva – como chamavam – devido à sua condição, aproveitando esse tempo livre para ler todos os dias. Seu lugar de leitura habitual era na curva entre duas escadarias que levavam para o andar superior do primeiro prédio da escola, onde também ficava localizada a biblioteca. Normalmente Cindy ou Rebecca a ajudavam
Nathalie estava deitada na enorme cama de casal king size que havia em seu quarto. Tinha os braços abertos enquanto se imaginava voando em um céu de nuvens brancas e frias. Vestia apenas uma calcinha cor de rosa com rendas detalhada com um botton com o formato de ursinho na lateral direita.Seu corpo nu estava descoberto, a brisa da noite entrava pela janela aberta fazendo com que todos os minúsculos pelos de seu corpo se arrepiassem. Tinha seios grandes com mamilos rosados e cada vez que se sentia arrepiar lembrava-se das carícias ali recebidas em tempos passados, em outras vidas, em sonhos que ela se negava a esquecer.Abrira os olhos ponderando sobre a equanimidade em sua mente e em seu coração diante das turbulentas ocorrências em sua vida. Quando se tornara tão distante de sua própria humanidade? Quando seus desejos e suas emoções lhe haviam abandonado?O celular tocara, a despertan
Fechara os olhos e suspirara tentando se acalmar. Afinal, por que se sentia tão preocupada? Tão incomodada? Sentia que dentro de si um grande terror a preenchia e não sabia como fazer para se livrar daquele tipo de sentimento. Seria arrependimento pelo que fizera com a menina deficiente? Não era uma santa e já tinha cometido muitos erros, mas nunca nada tão grave.Quando o vento gelado tocara indelicadamente a face da morena, a mesma dera um salto de onde estava. Já em pé, ainda com os joelhos tremendo, a jovem olhara de volta para o banco. Estivera dormindo? Quando havia cochilado que não se lembrava? Dos dois lados da plataforma podia ver os portões de acesso já fechados. A escuridão dominava quase completamente, a não ser por duas luminárias que chiavam e piscavam eventualmente atraindo insetos para a luz.Olhara para as horas no relógio que ainda marcava cinco m
Nathalie ficara em silêncio por alguns segundos assimilando as palavras e seu significado, por fim respondera abrindo os olhos já mais despertada.—Passam aqui? De quem está falando, Becca? São oito horas, não devia estar no colégio? – indagara.—Estou com Cindy. As aulas de hoje foram suspensas, todas elas, um acidente terrível. Parece que o colégio Santa Helena está com mau agouro, não bastasse o assassinato de Julye, outra morte veio para nos assombrar. Donna se suicidou essa tarde.—Não sei o que dizer – respondera a garota loira enquanto coçava os olhos – O que pretende fazer? Não posso voltar tarde para casa, sabe disso.—Vamos à uma lanchonete comer alguma coisa, você precisa sair também às vezes, não pode ficar trancada pra sempre só pensando em escola e trabalhos. Pelo que per
Embora o trio de amigos não tivesse ciência dos fatos, Adrian explicava à garota junto de si o que havia acontecido com Regan pelo que ouvira na sala de música onde a banda estava ensaiando.—Encontraram o corpo de Regan nas colinas nessa manhã. Parece que ela não voltou da escola ontem, então seus pais deram queixa por desaparecimento. Normalmente só iniciam buscas por pessoas assim após 24hs, mas o pai de Regan é bem influente por ser policial aposentado e conseguiu que agilizassem as coisas… – começara o garoto.—Que trágico. Não posso imaginar como estão se sentindo… A polícia tem alguma ideia sobre o que aconteceu? – indagara a menina.—Pelo que dizem já foi feita até a autópsia – respondera Adrian – Pelo que ouvi, ela foi estuprada e depois estrangulada, um crime muito bá
A garota avançara pela porta de metal se sentindo a pessoa mais estranha na face da Terra. Em que momento concordara em ir até ali? Não se lembrava, tudo de que se lembrava era do carro parando em frente de sua casa e de Julius, um dos amigos de Adrian estar no volante.Adrian a ajudara a entrar e colocara a cadeira na traseira da Ranger. Agora ali estava ela adentrando a casa do rapaz como convidada para jantar. Talvez não houvesse razão para ficar nervosa, mas estava. O que estariam esperando dela? O que os pais do garoto pensariam sobre os dois? Talvez achassem que eram namorados, mas não acontecera nada entre eles, eram amigos.E se eles se decepcionassem com ela? Uma coisa era certa, ela sabia que aquilo não daria certo, sabia que era errado, mas mesmo assim ali estava.Todos aqueles pensamentos desapareceram quando as duas meninas se encontraram. Os olhos azuis brilhantes de Nathalie com os olhos casta
Nunca dissera a ninguém sobre seus desejos, tampouco fora capaz de consumar qualquer ato, ainda que uma amiga se declarasse para ela revelando os mesmos sentimentos em seu último ano de escola. Acreditava que ninguém desconfiasse, embora sua mãe sempre argumentasse achar muito estranho seu desinteresse por rapazes.Com a face angelical da ninfa que vira aquela noite no jantar em sua mente, Molly seguira para a cama e se deitara. Esticara o braço, apanhando o controle do aparelho de som, escolhendo uma música que gostava. O som começara a tocar, o volume baixo. Fechara os olhos mordendo os lábios viajando com a letra da música.♫ Once upon a time there was a little girl.♫ Once she was mine in my heart the only one.♫ I wonder where you are, I know you're somewhere in me.♫ I can see your smile when I close, close my eyes.♫ Oh, little girl, where did y