Os olhos de Nathalie pareciam brilhar mais do que as estrelas naquela noite. Então música era parte da alma daquele garoto? Ela jamais esperara ouvir algo tão profundo de algum menino das várias bandas de rock, estilo único adotado pelas bandas naquele colégio. O garoto permanecera em silêncio aguardando pela resposta. As palavras não saíam direito e a menina engasgou. Ainda mais envergonhada, bebera um gole do suco que pedira. Então o encarara.
—C-claro… – respondera – Se os outros estiverem de acordo, podemos falar sobre isso qualquer hora. Mas sinceramente, não sou tão boa. Espero que não se decepcione – emendara.
Adrian segurara a mão da menina sobre a mesa. Aquela mão pequena e branca que parecia tão frágil estava fria como gelo. Nervosismo? – pensara ele. Talvez devesse a ter abordado de outra forma, mas era tarde demais. Nathalie ficara vermelha por completo. Ao sentir a mão grande e quente do rapaz a cobrir a sua própria, ficara muda de vez, apenas concordando com o que ele dizia através de acenos com a cabeça.
Não estava acostumada à proximidade com garotos em locais públicos como aquele. Aliás, procurava não se aproximar demais de ninguém. Era uma garota reservada e gostava de se manter assim, por opção e necessidade.
* * *
A atenção de todos na lanchonete foi tomada por um grupo de meninas que entrava falando alto, parecendo que a intenção era simplesmente se destacar.
—Encontraram o corpo da Julye! – anunciara uma delas, esperando até se certificar de que todos olhavam para ela – A polícia está ocultando os detalhes, mas parece que não tinha sangue. Acham que tem um maníaco tentando fazer parecer que existe um vampiro em Little River!
Todos pareciam surpresos e as meninas compartilhavam os endereços com as informações e fotos da garota morta. Adrian apanhara o celular e também começara a espiar os sites de notícias. Cindy, Rebecca e Brian haviam voltado para a mesa e faziam companhia à Nathalie outra vez. A menina morena de longos cabelos negros chamara a loira com um sussurro.
—Essa não é a garota que estaria na apresentação de música da escola que vai participar também? Ela seria segunda, não é? Apresentação de violino logo após seu piano.
—É ela mesma, tínhamos até pensado sobre ensaiarmos um dueto. Que trágico, não consigo acreditar. Pelo que haviam nos falado, ela sumira desde a última segunda e depois de quarenta e oito horas, os pais tinham notificado o desaparecimento. Hoje fazia nove dias desde seu sumiço, seus pais devem estar chocados. Como algo assim pode acontecer aqui na nossa cidade?
O refeitório fora tomado por um silêncio fúnebre e aterrador. A noite de lua cheia de uma hora para outra ficara fria e assustadora. Pelos cantos, as más línguas começavam a dizer que a garota desaparecida era a única rival nas aulas de música para a menina da cadeira de rodas e agora a inválida era a rainha do clube. Pelos sussurros ainda se ouvia que nas fotos da jovem morta, ela ficara com a pele parecida com a de Nathalie.
—É melhor sairmos logo daqui. O sinal para a próxima aula vai bater em cinco minutos, se enrolarmos vamos nos atrasar – dissera Cindy, se levantando e perguntando se Nathalie aceitava ajuda, uma vez que as duas estudavam na mesma sala. Entre todos os alunos do colégio, Cindy era a única que Nathalie via como uma verdadeira amiga. Sentia que a garota faria o que fosse preciso para ajudá-la e vê-la bem.
Concordando com a ajuda, Nathalie abraçara o livro que lia com as duas mãos, deixando que a outra a conduzisse pelo corredor. Brian viera ter-se ao lado das duas com o celular nas mãos.
—Nathalie, é bom redobrar a atenção quando for para casa, o corpo de Julye foi encontrado no Parque Albernathy, é bem perto do condomínio onde você mora, não é? – indagara o rapaz.
—Sim, realmente bem perto mesmo. Mas meu pai vem me buscar todos os dias e não sou o tipo de menina que foge de casa pela janela para encontros noturnos, certo? Agradeço a preocupação, vou pedir para meu pai checar com mais atenção as janelas essa noite, seja lá quem for esse maníaco, pode ser que ainda esteja por aí… – respondera a garota.
—Não apenas por aí – intervira Rebecca, enquanto caminhava com seu rebolado que fazia os meninos no corredor ficarem com os celulares em mãos gravando cada movimento – Esse maníaco pode ser um garoto ou uma garota e pode até mesmo estudar em nossa escola, quem sabe? Confesso que estou com medo, alguém vai ter que me acompanhar até que eu entre em casa essa noite, ou não saio do portão dessa escola.
—O zelador iria adorar sua companhia – dissera Nathalie sorrindo. Rebecca a encarou com os olhos arregalados e ela segurara a ponta dos dedos da amiga ao seu lado – Estou brincando, se quiser eu peço para meu pai levá-la para casa antes de irmos para nossa, tenho certeza que ele não vai se importar.
—Você é um anjo, querida – respondera a morena com um sorriso.
* * *
Quando o sinal do fim das aulas tocara, Nathalie, assim como os demais alunos de sua sala, já estava com suas coisas prontas para ir embora. Como o clima esfriara um pouco, vestia uma blusa de moletom rosa sobre o uniforme da escola. Usava o habitual jeans e tênis All-Star, como de costume. Achava mais prático e confortável o casual e normalmente era vista assim, o elegante casando com o comum, a deixando linda de qualquer forma.
Havia um cobertor marrom sobre suas pernas, uma peça que sempre trazia no suporte na parte de baixo da cadeira e quase todos os dias usava na hora de voltar para casa. Cindy lhe ajudara a descer as escadas acompanhada de Brian e Rebecca. Dessa vez Adrian a aguardava perto da porta de saída.
—Parece que você encantou o Romeu, Julieta… – dissera Rebecca sorrindo disfarçadamente para a loira. Nathalie apenas sorrira de volta. Ao aproximarem-se do rapaz, Cindy oferecera que o mesmo assumisse sua posição.
—Quer levá-la daqui, Romeu? – dissera – Acho que gostariam de conversar e conhecendo a pontualidade do pai de Nathalie, eu diria que vocês têm poucos minutos – concluíra a ruiva.
O rapaz sorrira ajeitando a bolsa com a guitarra nas costas. Os outros se despediram da menina de olhos azuis e se afastaram. Adrian assumira o controle da cadeira e se agachara para poder falar próximo ao ouvido de Nathalie sem precisar levantar a voz.
—Me permite, senhorita? – perguntara Adrian, já a empurrando na direção do portão – Eu pensei em perguntei se seria incômodo lhe ligar amanhã.
A garota sorrira e dissera que não tinha problema. Costumava acordar cedo e passava o dia todo em casa, escrevendo, pintando ou praticando as partituras no teclado eletrônico. Não era o mesmo que o piano da escola – dissera ela – mas era o bastante para se manter ocupada e também manter sua mente e seus dedos treinados.
Adrian concordara dizendo que também tocava em casa para praticar.
As notas nem sempre estão ali, você tem que fechar os olhos, tocar e deixar que elas passem além de seus ouvidos. Quando a música te faz arrepiar, quando o som te emociona e te faz se sentir parte da melodia, então essa música vale a pena ser compartilhada.
As palavras do rapaz uma vez mais encantaram a moça que lhe pedira o celular, digitando seu número na telinha colorida. Em seguida dissera que ele poderia ligar quando quisesse e ela o estaria esperando para falarem. O rapaz salvara o número enquanto um velho Honda 98 encostava no meio fio. Um sujeito grande e forte, aparentando estar na casa dos cinquenta anos saíra e se aproximando, agachara para beijar Nathalie na bochecha.
—Pai, conheça Adrian, um amigo da escola. Ele também é músico. Adrian, esse é Jeremy, meu pai – explicara a loira os apresentando.
Adrian e o sujeito apertaram as mãos esboçando um sorriso forçado, coisa típica de homens. Jeremy então abrira a porta de trás do carro, tomando Nathalie nos braços em seguida, a colocando no banco. A menina acenara para o rapaz se despedindo enquanto o pai dobrava a cadeira de rodas e a guardava no porta-malas. Por fim, o velho também se despedira do garoto.
Logo o veículo desaparecia no fim da rua deixando um rastro de poeira para trás. Adrian e alguns amigos que saíam da escola naquele momento tomaram seu caminho conversando trivialidades daquela noite.
Dentro do carro Nathalie pensava naquele encontro casual e no rumo que aqueles eventos poderiam levar. Não tinha certeza se era o que desejava naquele momento, mas decidira que não era problema arriscar. Ao volante, o pai da garota não expressava nenhum tipo de emoção, assim como acontecia todos os dias, o retorno para casa era completamente silencioso.
A humanidade crê que a verdade liberta e purifica.Algumas pessoas insistem em dizer que só a verdade traz a paz de espírito, mas essas mesmas pessoas também não acreditam nisso. Alguns podem até mesmo acreditar, contudo, eles mesmos são outras vítimas da única verdade universal sobre a condição natural do ser humano: a de que suas vidas são meras mentiras.Assim que o ser humano sente pela primeira vez a rejeição por seus atos, logo na infância, quando é repreendido por seus primeiros erros, o mesmo adquire uma nova característica que é comum a todos os de sua espécie: ficar calado ante seus erros. Isso seria mentir? Alguns dizem que omitir não é mentir, mas de um ponto de vista mais amplo, isso seria apenas um eufemismo para o caso. Se alguém lhe pergunta algo do qual você sabe a resposta,
Séria? – pensara Nathalie. Talvez fosse um pouco, mas acreditava que os outros prefeririam uma palavra mais adequada para aquela expressão como inválida ou deficiente. De qualquer forma, Adrian parecia ser diferente, tinha sido gentil com ela. Deveria haver uma boa razão para isso e certamente não era apenas o interesse nela tocando com ele na banda.—E você não tem medo de se aproximar de uma menina séria? – indagara ela usando a mesma palavra que o rapaz escolhera para se expressar.—É claro que tenho, não faz ideia. Estou me esforçando para não gaguejar e pensando mil vez em cada palavra antes de dizer. Se me visse agora riria muito de como minhas pernas estão tremendo – respondera ele, parecendo sincero em cada palavra – Mas como disse, você é talentosa e linda. E também educada e charmosa como vejo agor
Havia um período livre entre as aulas de Nathalie onde os alunos estudavam sobre esportes diariamente. O colégio Santa Helena tinha mais de vinte times de diversas categorias esportivas e muitos desses responsáveis por centenas de troféus em eventos regionais e estaduais para a escola, uma grande razão para o estudo de técnicas relacionadas ter logo se tornado parte do currículo escolar. Da mesma forma música e artes tinham seu valor, abrigando diversas bandas e solistas entre seus alunos.Nathalie não precisava assistir as aulas sobre Literatura Esportiva – como chamavam – devido à sua condição, aproveitando esse tempo livre para ler todos os dias. Seu lugar de leitura habitual era na curva entre duas escadarias que levavam para o andar superior do primeiro prédio da escola, onde também ficava localizada a biblioteca. Normalmente Cindy ou Rebecca a ajudavam
Nathalie estava deitada na enorme cama de casal king size que havia em seu quarto. Tinha os braços abertos enquanto se imaginava voando em um céu de nuvens brancas e frias. Vestia apenas uma calcinha cor de rosa com rendas detalhada com um botton com o formato de ursinho na lateral direita.Seu corpo nu estava descoberto, a brisa da noite entrava pela janela aberta fazendo com que todos os minúsculos pelos de seu corpo se arrepiassem. Tinha seios grandes com mamilos rosados e cada vez que se sentia arrepiar lembrava-se das carícias ali recebidas em tempos passados, em outras vidas, em sonhos que ela se negava a esquecer.Abrira os olhos ponderando sobre a equanimidade em sua mente e em seu coração diante das turbulentas ocorrências em sua vida. Quando se tornara tão distante de sua própria humanidade? Quando seus desejos e suas emoções lhe haviam abandonado?O celular tocara, a despertan
Fechara os olhos e suspirara tentando se acalmar. Afinal, por que se sentia tão preocupada? Tão incomodada? Sentia que dentro de si um grande terror a preenchia e não sabia como fazer para se livrar daquele tipo de sentimento. Seria arrependimento pelo que fizera com a menina deficiente? Não era uma santa e já tinha cometido muitos erros, mas nunca nada tão grave.Quando o vento gelado tocara indelicadamente a face da morena, a mesma dera um salto de onde estava. Já em pé, ainda com os joelhos tremendo, a jovem olhara de volta para o banco. Estivera dormindo? Quando havia cochilado que não se lembrava? Dos dois lados da plataforma podia ver os portões de acesso já fechados. A escuridão dominava quase completamente, a não ser por duas luminárias que chiavam e piscavam eventualmente atraindo insetos para a luz.Olhara para as horas no relógio que ainda marcava cinco m
Nathalie ficara em silêncio por alguns segundos assimilando as palavras e seu significado, por fim respondera abrindo os olhos já mais despertada.—Passam aqui? De quem está falando, Becca? São oito horas, não devia estar no colégio? – indagara.—Estou com Cindy. As aulas de hoje foram suspensas, todas elas, um acidente terrível. Parece que o colégio Santa Helena está com mau agouro, não bastasse o assassinato de Julye, outra morte veio para nos assombrar. Donna se suicidou essa tarde.—Não sei o que dizer – respondera a garota loira enquanto coçava os olhos – O que pretende fazer? Não posso voltar tarde para casa, sabe disso.—Vamos à uma lanchonete comer alguma coisa, você precisa sair também às vezes, não pode ficar trancada pra sempre só pensando em escola e trabalhos. Pelo que per
Embora o trio de amigos não tivesse ciência dos fatos, Adrian explicava à garota junto de si o que havia acontecido com Regan pelo que ouvira na sala de música onde a banda estava ensaiando.—Encontraram o corpo de Regan nas colinas nessa manhã. Parece que ela não voltou da escola ontem, então seus pais deram queixa por desaparecimento. Normalmente só iniciam buscas por pessoas assim após 24hs, mas o pai de Regan é bem influente por ser policial aposentado e conseguiu que agilizassem as coisas… – começara o garoto.—Que trágico. Não posso imaginar como estão se sentindo… A polícia tem alguma ideia sobre o que aconteceu? – indagara a menina.—Pelo que dizem já foi feita até a autópsia – respondera Adrian – Pelo que ouvi, ela foi estuprada e depois estrangulada, um crime muito bá
A garota avançara pela porta de metal se sentindo a pessoa mais estranha na face da Terra. Em que momento concordara em ir até ali? Não se lembrava, tudo de que se lembrava era do carro parando em frente de sua casa e de Julius, um dos amigos de Adrian estar no volante.Adrian a ajudara a entrar e colocara a cadeira na traseira da Ranger. Agora ali estava ela adentrando a casa do rapaz como convidada para jantar. Talvez não houvesse razão para ficar nervosa, mas estava. O que estariam esperando dela? O que os pais do garoto pensariam sobre os dois? Talvez achassem que eram namorados, mas não acontecera nada entre eles, eram amigos.E se eles se decepcionassem com ela? Uma coisa era certa, ela sabia que aquilo não daria certo, sabia que era errado, mas mesmo assim ali estava.Todos aqueles pensamentos desapareceram quando as duas meninas se encontraram. Os olhos azuis brilhantes de Nathalie com os olhos casta