Helen não respondeu. Havia algo no seu olhar que sugeria cansaço, mas também prudência; sabia que, naquele estado, qualquer palavra podia desencadear reações ainda mais intensas em Jarret. Ele, por sua vez, respirava ofegante, numa tentativa inútil de recuperar, pelo menos, uma parte da sua compostura. Dentro de si, uma tempestade sibilava: o seu ego ferido, o seu ódio à incerteza, a humilhação que ainda sentia cravada como um espinho doloroso. Cristal podia estar longe porque assim o tinha decidido, e isso, mais do que qualquer outra coisa, era o que tornava a sua raiva incontrolável.
Estiveram à espera dos italianos, mas chegaram completamente bêbados, sem sinal de Cristal, e para quando os vigias se aperceberam, já tinham fugido. Apenas conseguiram encontrar uma pista: o carro em que tinham chegado e depois partido pertencia a um médico famoso que não vJerónimo percebeu de imediato o brilho de ciúmes nos olhos dela. Não conseguiu evitar que um pequeno sorriso se desenhasse no seu rosto; aquele brilho dizia-lhe mais do que as palavras poderiam expressar. Isso significava que Cristal sentia algo genuíno por ele, algo real. —Não vou negar que me passou pela cabeça aceitar, para que eles fossem felizes —confessou com uma honestidade desarmante, como era seu estilo—, mas graças a Deus, tu apareceste naquele dia, Céu, e lançaste-te nos meus braços. Mudaste tudo num instante. Obrigado, Cristal. Também me salvaste. O carro continuava a deslizar suavemente pela estrada, enquanto a cabana começava a aparecer ao longe entre as árvores. O ambiente entre os dois estava carregado de tensões que se entrelaçavam com emoções profundas, mas nenhum deles parecia querer libertá-las com
Jerónimo observou-a intensamente, tentando assimilar o que acabara de ouvir. Aquele detalhe ligava acidentalmente a sombria história de Cristal a algo muito mais próximo dele do que teria gostado de admitir. Respirou fundo, irado e decidido, até que se deu conta de algo. —Espera, eu conheço essa história —disse de repente, deixando Cristal completamente surpreendida—. Não me digas que estás a falar do desalmado que se meteu com a minha tia Bianca? Como é que ele se chamava? Domenico Vitale, esse miserável! Cristal olhou para ele incrédula. O seu conhecimento dos factos era limitado, apenas aquilo que a sua mãe lhe tinha contado quando regressou à sua vida. Por isso, ao ouvir Jerónimo, nascido e criado em Roma e, além disso, membro de uma família ligada ao caso, decidiu prestar atenção a tudo o que ele pudesse lembrar.
Helen não conseguiu conter-se mais. Estava exausta, não só das suas atitudes, mas também de ser relegada uma e outra vez ao papel de "a segunda". Aquela reação que tinha estado a conter finalmente explodiu. —Não quero sair de Roma! —gritou, com uma raiva contida durante demasiado tempo. Sentia que a sua própria existência estava a ser empurrada para fora de cena por alguém que nem sequer estava presente. Jarret virou-se para ela de repente. Os nervos à flor da pele e a sensação de que tudo o que tinha construído até agora estava a desmoronar-se levaram-no além do seu limite. —Estela, não me desgraces mais a vida do que já fizeste! —vociferou com tal força que a sua ira ecoou no ar como uma tempestade recém-desencadeada—. Vai para a casa dos teus pais hoje mesmo! O grito
Jarret cedeu ao convite, procurando desesperadamente maneiras de ganhar o seu favor. Observou-a fixamente e tentou sorrir. —Muito obrigado, senhora. A senhora parece-se muito com a sua sobrinha —parou antes de acrescentar—. É muito bela. Stavri deixou escapar um largo sorriso, quase caloroso, mas que não conseguiu acalmar a inquietação de Jarret. Havia algo naquela expressão que parecia terrivelmente calculado. —Todas as irmãs da minha família parecemos umas com as outras —respondeu Stavri com o mesmo sorriso, embora as suas palavras parecessem conter um duplo significado—. Mas diga-me, jovem, para que veio aqui, se é que se pode saber? —Bem… veja, senhora… —Jarret pigarreou, levando um momento para reunir os pensamentos. Bebeu um pouco mais de água, tentando controlar a tensão que crescia a cada segundo&m
A fúria de Jarret parecia crescer a cada palavra, mas essa intensidade desesperada apenas arrancava mais satisfação do olhar fixo e calculista de Stavri. O silêncio dela quase o sufocava. O ar pesado da sala moldava-se como uma condenação, e por um breve instante, Jarret voltou a perder o controlo. —Ela não pode ser noiva de... de um italiano —murmurou, como se tentasse convencer-se a si mesmo. Como se tivesse esperado exatamente essa reação, Stavri deixou escapar um sorriso cuidadosamente medido, repleto de falsidade. —Também não lhe posso garantir isso, jovem —respondeu ela, dispondo as palavras com precisão letal—. Já não a via há muitos anos. A minha sobrinha veio cá por umas horas visitar-me e foi-se embora depois. Já passaram três dias desde então. Mas trazia o anel de casada,
Levantou-se de repente, como se o movimento pudesse aliviar a pressão que sentia. Deu alguns passos, a mente presa entre a incredulidade e a fúria. Stavri, no entanto, permaneceu sentada, indiferente ao espetáculo. Para ela, ele merecia. —Ela vinha passar férias aqui? Nunca mencionou isso —e Jarret começou a achar que Cristal não era tão ingénua como ele pensava; ela nunca mencionou que vinha passar férias a Itália. —Pois terá os seus motivos para não falar disso consigo, jovem —continuou Stavri, enquanto continuava a beber o seu café com movimentos estudados e lentos—. Mas posso dizer-lhe com toda a certeza que aquele rapaz era o seu amor desde criança. —Amor? Pensava que eu era o primeiro amor da Cristal. Nunca teve namorado antes de mim —replicou Jarret incrédulo. —Pois eu nã
Stavri, indiferente ao desespero dele, consultou o relógio com um gesto de impaciência. Tinha algo mais importante para fazer. —E vais ter de me perdoar, mas acho que já perdi demasiado tempo contigo —anunciou, deixando claro que a conversa chegava ao fim. A forma como o olhou, como se ele fosse apenas um incómodo, deixou em Jarret uma sensação amarga. Para Stavri, ele não era mais que um homem desesperado, preso numa rede que ele mesmo tinha tecido, sem sequer perceber com quem estava realmente a lidar. Antes que ele conseguisse responder, a porta abriu-se. A entrada de um homem alto, vestido impecavelmente com um fato escuro, encheu a sala com uma autoridade que eclipsou tudo à volta. Atrás dele, um jovem de aparência semelhante seguia-o, reflexo perfeito da sua figura, mas com um ar mais jovem. —Boa tarde, amore mio —cumprimentou o recém-chegado a
O capo deu um passo atrás. Inspirou profundamente enquanto observava Jarret com uma mistura de desdém e uma advertência definitiva. —Esquece a minha sobrinha! Ela é uma mulher casada! E mesmo que não fosse, nunca permitiria que alguém como tu estivesse com ela. Esquece-a; acredita, é o melhor para ti. —Estava a destruir qualquer esperança que Jarret pudesse ainda guardar. Lentamente, baixou a arma, afastando-se, mas mantendo a sua omnipresente aura de ameaça. Sem se virar totalmente, acrescentou com um sarcasmo quase zombeteiro: —Não te preocupes, querida, hoje não vou sujar o teu tapete. Mas se este idiota aparecer aqui novamente, podes ter a certeza de que te compro um novo. O jovem, ainda com aquele sorriso arrogante que tanto destacava o sangue da linhagem a que pertencia, dirigiu-se a Jarret com um tom esmagador, carregado de despre