Cristal olhou para ela incrédula. Nunca, em todas as desculpas que tinha imaginado para justificar a sua situação, lhe tinha passado algo assim pela cabeça. Observou atentamente a mãe, agora desejosa de saber toda a verdade. Stavri acenou com a cabeça e continuou a contar:
—Naquela altura, ele era um poderoso mafioso aqui em Roma. Não sei exatamente o que aconteceu, mas ele meteu-se com os mafiosos Garibaldi por causa de uma mulher. Acho que ela era amiga deles. —E o que aconteceu? —perguntou Cristal, agora muito interessada. Talvez a tenham afastado da família por isso, e afinal não havia motivos para odiá-los. —Tivemos sorte que isso acontecesse —explicou Stavri, soltando um longo suspiro—. Os Garibaldi eram muito temidos por todos; ainda o são. Têm boas relações com a Cosa Nostra. Entre eles e o teu pai, armaram-lCristal ficou a olhar para o pai com raiva contida. Queria dizer tantas coisas, mas decidiu calar-se, recordando que precisava mantê-lo calmo para enfrentar o que estava por vir com o seu misterioso marido. Com um suspiro, virou-se para a mãe. —Mamã... é melhor que sejas tu a contar-lhe —disse, vendo a incredulidade nos rostos de ambos—. Tenho muitas coisas para fazer. Para começar, papá, preciso de dinheiro para comprar roupa. Não tenho nada; deixei tudo na América. —Sim, filha, sim —respondeu o pai apressadamente, tirando a carteira—. Toma este cartão, tem crédito ilimitado. Compra o que quiseres. Mas não vás sozinha, leva o teu irmão contigo. —Prefiro ir sozinha. Afinal de contas, vocês não têm filha, porque morreu quando tinha dez anos. Não estou em perigo nenhum. Esqueceram-se disso? &md
O burburinho em frente ao luxuoso hotel dividia-se entre murmúrios, risos e exclamações, mas nada, absolutamente nada, podia competir com a imagem de uma mulher vestida de noiva a correr descalça, com as saias do seu vestido enroladas nas mãos. O seu longo véu voava no ar enquanto ela virava a cabeça para trás para ver se estava a ser perseguida, enquanto a sua mente lhe repetia uma e outra vez que devia escapar, devia fugir agora ou não iria conseguir! —Pára, amor! Pára…! Vou contigo, amor, vou contigo…! —gritou com todas as suas forças. As suas palavras cortaram o ar como um impacto direto no peito de qualquer pessoa que a ouvisse. Era um grito de socorro, um apelo que parecia conter toda a força de quem tenta salvar a sua vida ou... recuperar algo que não quer perder. —Não me deixes…! Não me deixes…! Não me casarei com outro que não sejas tu…! —gritou novamente, rompendo a monotonia do lugar—. Amo-te! Amo-te! Espera por mim! A multidão, que a princípio mal prestou atenção,
A claridade da janela faz com que abra os olhos. Está sozinho no hotel que reservaram no dia anterior para a celebração da sua graduação, sem saber como regressaram nem a que horas. —Raios! Por que tive de beber tanto ontem? A minha cabeça está a matar-me —diz, enquanto procura na mala por um analgésico. A ressaca é muito forte, mal se lembra de nada. Após tomar o comprimido, dirige-se à casa de banho e entra no duche, deixando que a água bem fria o ajude a despertar. Passado algum tempo sente-se um pouco melhor. Sai e começa a preparar-se para fazer a barba, quando algo no seu dedo chama a sua atenção. Sim, é um anel de casamento. E as imagens da mulher mais bonita que viu na sua vida a dizer-lhe “Sim, aceito”, numa cerimónia de casamento, chegam à sua mente. —Com quem raio me casei?! —pergunta desesperado, gritando a plenos pulmões enquanto sai a correr da casa de banho. Procura respostas enquanto revira a cama, só para garantir, mas não, não há ninguém nela. Sai disparado pel
O peso do vestido é a primeira coisa que sente antes de abrir os olhos. A seda roça a sua pele e o corpete aperta-lhe a cintura. Não precisa olhar para saber que ainda o está a usar. O seu corpo está rígido, como se o tecido fosse uma prisão que lhe nega o fôlego. A cabeça parece prestes a explodir, tamanha é a dor intensa que parece impossível de suportar. Abre os olhos e a claridade faz com que os feche de imediato, soltando um leve gemido. Tenta novamente, desta vez com mais calma, até que a sua visão começa a clarear. Olha à sua volta e reconhece o lugar de imediato: o seu pequeno apartamento número dois. Esse refúgio secreto que o seu irmão lhe comprou há tempos, para aqueles momentos em que tudo desmoronasse e precisasse desaparecer. Como é que vim parar aqui? A pergunta ecoa na sua mente confusa enquanto tenta reorganizar as suas últimas memórias. Senta-se na beira da cama, com a cabeça entre as mãos, tentando encontrar algum alívio. —Meu Deus, como dói a minha cabeça! —e
Cristal leva uma mão à boca, lutando para controlar o tremor que ameaça denunciá-la. Introduzi-lo na minha família? A sua mente tenta processar o que ouve enquanto o diálogo avança cada vez mais descarado. —Foi uma sorte descobrires que ela era sobrinha do chefe daquela organização em Roma —continua Jarret com tom triunfal—. Percebeste? Eles têm um grande território, Estela. É exatamente o que preciso para me consolidar! —Sérgio, se o teu pai descobrir isto, vai voltar a castigar-te —adverte Helen com doçura, como se quisesse protegê-lo de si mesmo—. Não te lembras do que ele te fez da última vez que cometeste uma loucura por outra rapariga? Não te basta ficarmos juntos? —Não me importa o que ele me fez! —rosna Jarret, já sem um pingo de controlo—. Todos eles mereceram! Rejeitar-me, a mim?! A mim?! Sabes quem eu sou? Não quero saber do que dizem ou pensam. Cristal sentia que o chão se desfazia debaixo dos seus pés. Cada palavra que saía da boca de Jarret era como uma faca a cr
Como é que tudo se complicou tanto assim? Estava à espera que Guido trouxesse o carro, alguém lhe disse que o estavam a chamar, e viu aquela rapariga lindíssima, que o tinha beijado no casamento dos seus primos, na casa do tio Rossi, em Roma, e com quem esteve a sonhar durante todo o último ano. Que loucura é esta? Como é que posso ter casado com ela se nem a conheço? E, se realmente casei, onde é que ela se meteu? Por que não está aqui comigo? Olha para o anel no seu dedo. De onde saiu este anel que me serve? Por que é que ela tinha anéis de noivado com ela? Talvez não seja nada, Gerónimo, tens de te acalmar. Pode ser que tenhamos apenas simulado o casamento e tudo seja mentira, que eu não esteja casado. Sim, deve ser isso. Como é que me casaria num iate? Foi só uma bebedeira, e ainda há a possibilidade de ser uma piada dos meus primos. Com esse pensamento vai-se tranquilizando. De certeza que tudo isto não passou de uma brincadeira de bêbedos, ou talvez uma partida dos seus prim
Gerónimo fica em silêncio, ainda tentando encontrar uma forma de levar a cabo o que acabou de dizer. Deixa-se cair na cadeira ao lado do irmão, que o observa sem saber como ajudá-lo. Têm apenas um ano e meio de diferença de idade. Fizeram tudo juntos desde que se lembram. Estudaram juntos o mesmo curso; até o pai mandou Guido um ano antes para a escola para que estivesse com todos os primos na mesma turma, com a intenção de que se cuidassem uns aos outros. —Como vamos resolver isto, meu irmão? A Cristal não está, nem ficou hospedada no hotel. Também não fazemos a menor ideia de quem ela seja —diz Guido, realmente preocupado—. E temos que regressar a casa para o casamento do Oli. Além disso, a graduação é hoje. —A primeira coisa que vamos fazer é esconder bem este certificado de casamento. Sabes como a mamã gosta de remexer nas nossas coisas —diz Gerónimo, enrolando o papel. —É verdade —concorda Guido—. Quando chegarmos a Roma, vamos direto ao banco do tio Romano e colocamo-lo nu
Gerónimo esclarece de imediato que não eram eles quem estavam a ser perseguidos, mas sim a rapariga que ele havia salvado. Parecia que ela tinha fugido do seu casamento e que era filha de um mafioso. Filipo franze a testa imediatamente, tentando descobrir se ela era italiana, como eles. Ambos negam, já que não sabem absolutamente nada sobre Cristal. —Como podes ver, o nome parece grego —indica Guido. —E o que aconteceu depois? Ainda não disseste porque estás nesta confusão —diz Filipo, sentando-se com os braços cruzados e olhando-o friamente. Embora tenham a mesma idade, Filipo é o herdeiro de Fabrizio Garibaldi, o chefe da família, o que faz dele o próximo líder a quem já estão subordinados os da nova geração, incluindo Gerónimo. Este continua a explicar tudo o que aconteceu desde que salvou a sua agora esposa. —Fomos parar a um iate onde estava a decorrer um casamento, e misturámo-nos com eles para nos escondermos —conta no mesmo tom—. Ela só chorava, e bebemos e bebemos...