Enquanto eu dirigia, encostei meu braço na janela do carro, deixando a brisa tocar meu rosto. Desirée, ao meu lado, falava de Íris com uma doçura que preenchia cada canto do veículo. Sua voz era leve, e cada palavra parecia iluminar um pedaço do meu coração.— Você acredita que ela já fala "mamãe" e "papai"? — perguntou, rindo com o brilho nos olhos.— Papai. — Repeti a palavra, um sorriso espontâneo surgindo em meu rosto. Só de ouvir isso, meu peito parecia prestes a explodir.Desirée soltou uma risada suave, cheia de orgulho e ternura.— Acho que falei tanto de você para ela que ela aprendeu a falar faz umas duas semanas. — Seus olhos estavam úmidos, como se a lembrança fosse tão preciosa que era quase impossível segurá-la sem se emocionar.A imagem que ela descreveu começou a se formar em minha mente. Íris, com apenas um ano, provavelmente correndo atrás de tudo com suas pequenas pernas bambas, tropeçando no tapete e se levantando com aquele riso puro que só uma criança consegue. E
Peguei a pequena nos braços, sentindo seu peso leve e acolhedor. Ela não demonstrou resistência alguma, como se estivesse completamente à vontade comigo, como se já soubesse quem eu era. Suas mãozinhas se estenderam até minha barba, brincando com os fios de maneira curiosa, antes de voltar a olhar para Desirée, que se aproximava com um sorriso suave.— Você precisa dizer algo a ela — Desirée falou, com um tom delicado, me observando de perto.Eu a encarei por um momento, atordoado. O que eu poderia dizer? As palavras pareciam escapar, como se eu ainda estivesse tentando entender a profundidade daquele instante.Respirei fundo, olhando para a minha filha, que me fitava com aqueles olhinhos, mas com tanta intensidade. Finalmente, as palavras que eu precisava dizer surgiram, simples, mas cheias de significado.— Oi, eu sou seu papai — falei, tentando sorrir, minha voz falhando um pouco, cheia de emoção.— Papai — Íris respondeu, com uma voz suave, e mesmo que eu soubesse que ela só estiv
A fazenda estava exatamente como eu a adquiri — vasta, imponente, carregada de um silêncio que trazia paz. O vento soprava entre os campos, dançando sobre as lavouras, e os animais espalhados pelo pasto compunham um cenário quase irreal. Passei a tarde explorando cada canto, conhecendo os trabalhadores, os responsáveis pela segurança e observando o quanto Desirée havia se dedicado a este lugar. Confesso que duvidei que ela se adaptaria, que seu espírito inquieto encontraria sossego aqui, mas a maneira como ela andava pela fazenda, me provava que estava errado. Ela não apenas se adaptou—ela floresceu.Agora, enquanto embalo Íris para dormir, percebo que tudo valeu a pena. Se eu pudesse voltar atrás, faria tudo de novo, sem hesitação. Ainda mais agora, sabendo que tenho duas razões para lutar por um futuro melhor.Observo o rostinho adormecido de Íris, sua respiração tranquila, os cílios longos contrastando com a pele macia. Minha ficha ainda não caiu completamente—eu sou pai. E, como s
Desirée me puxa para o sofá onde eu estava sentado antes com Íris nos braços. Assim que ela se acomoda, eu a envolvo, segurando-a como se temesse que desaparecesse de novo. Ela começou a me contar tudo, desde a primeira vez que se encontrou com Ren até o último encontro, onde muitas verdades vieram à tona.Depois vieram as revelações de Giovanni, e me surpreendi ao descobrir que ele estava encobrindo os crimes de Paulo. Era por isso que, por mais que eu lutasse, nunca conseguia descobrir nada.— Fiquei surpresa quando descobri que você matou Carlos. — Ela se vira para me encarar, seus olhos analisando cada traço do meu rosto. — Mas não vou questioná-lo sobre isso.Meu maxilar se contrai.— Ele mereceu. Todos eles mereceram.Desvio o olhar para o chão, lembrando da noite em que o matei.— Quando percebi que havia algo de errado com aquele investigador, já era tarde demais. A princípio, eu o matei porque pensei que ele poderia chegar até mim. Mesmo que naquela época eu ainda estivesse
Me levantei e fui até a varanda, sentindo a brisa noturna esfriar minha pele. Eu precisava de ar. Ele podia ter invadido aquele galpão e tirado Marcela de lá, assim como Giovanni me disse. Ele podia ter escolhido outro caminho. Mas não… Ele preferiu arriscar a própria vida para não sair perdendo em uma guerra estúpida entre máfias.— Você quase morreu… — minha voz saiu mais baixa, mas carregada de dor. — E, por sua causa, eu acreditei que tinha te levado para a morte.Mordi o canto do lábio ao perceber que estava me alterando. Eu precisava me controlar.— Na verdade, todos vocês me usaram. — Virei o rosto, não queria que ele visse meus olhos marejados. Cruzei os braços, como se esse gesto fosse suficiente para me proteger do peso da verdade. Então, deixei meu olhar se perder na escuridão que tomava conta da paisagem.A fazenda à noite era uma extensão de sombras vivas. Do alto da varanda, eu via os campos se espalhando como um mar escuro, balançando sob a brisa fria. As árvores ao re
— O que você está tentando dizer? — As palavras dele saem arrastadas, mas antes que eu possa responder, o choro agudo de Íris rasga o silêncio do quarto. Num impulso, trocamos um olhar e corremos para o berço.Meus dedos tremem levemente quando a pego nos braços, sentindo o calor frágil do seu corpo pressionado contra o meu. Íris se debate, soluçando de forma sentida, o rostinho contorcido em angústia.— O que foi, amor? — murmuro, embalando-a contra o peito. O peso dela é familiar, reconfortante, mas seu choro insistente faz meu coração apertar.Otávio se aproxima, atento. Com um movimento cuidadoso, ele encosta as costas da mão na testa dela, avaliando sua temperatura.— Ela não está febril — diz, sua voz grave e controlada. — Pode ter sido um sonho ruim.— Talvez… — murmuro, ainda preocupada. — Mas isso nunca aconteceu antes.Sem alternativas, me sento no sofá, ajeitando Íris em meus braços. Otávio se acomoda ao meu lado, os olhos fixos em cada um dos meus gestos. Deslizo a alça fi
Abraço seu corpo enquanto ela chora, trazendo-me uma angústia profunda. Eu a pego no colo, sem pensar duas vezes. A levo para a cama, deito-a com cuidado e me deito ao seu lado. Apago a luz e a envolvo em meus braços, sentindo o corpo dela ainda trêmulo.Nunca pensei que a veria assim. Desirée sempre foi forte, decidida, uma muralha intransponível. Eu me acostumei com seu olhar firme, com a forma como erguia o queixo diante das dificuldades, com sua postura de quem nunca se deixa abater. Mas agora… agora ela chora nos meus braços, e eu me sinto um maldito inútil.Seu corpo estremece contra o meu, os soluços rasgam o silêncio do quarto, e tudo dentro de mim dói. Eu a seguro com força, como se pudesse impedir que a dor a levasse para longe, como se pudesse protegê-la de algo que, no fundo, eu mesmo causei. Como não percebi antes? Como fui cego ao ponto de achar que ela estava bem?Uma mágoa amarga se instala no meu peito. Eu deveria ter previsto isso. Eu deveria ter visto além da armad
Passei horas organizando as coisas que Otávio trouxe, revendo cada item com um misto de alívio e inquietação. Para minha surpresa, muitas das minhas coisas que ficaram para trás estavam ali — roupas, livros, alguns pertences pessoais. Mas entre todas elas, duas coisas me fizeram estacar: o álbum de casamento e o vestido de noiva.Minhas mãos hesitaram sobre o tecido branco, deslizando pelos bordados delicados. Embora aquele dia estivesse envolto em tristeza e dúvidas, eu não conseguia deixar de sentir uma melancolia amarga ao encarar o vestido. Ele era a lembrança de um momento que deveria ter sido feliz, mas que, para mim, foi uma prisão.Coloquei-o de lado, como se afastá-lo pudesse afastar também as memórias, e me sentei no chão, com o álbum no colo.As fotos estavam intactas. O sorriso que eu ostentava nelas, porém, era quase um insulto agora. Olhei para cada imagem, estudando meu próprio rosto, tentando enxergar além da aparência serena que tentei manter naquele dia. Meus olhos n