Hannah Luiza (Halu)Estava descendo da escola com a Carlinha, quando ela começou a insistir pra comer um sonho na padaria. Resolvi levar, e assim que chegamos, demos de cara com a Macla cheia de chamego com o Gigante, em vez de estar atendendo.— Não tem ninguém pra atender nessa merda, não? — perguntei, já com a cara fechada.Minha amiga me olhou com aquele olhar de quem ia me dar sermão.— E aí, chefinha! Tá tudo de boa? — Gigante perguntou, mais despreocupado do que deveria.— Tá tudo de boa lá em cima. E você, Gigante? Não tem nada pra fazer, não? Um carregamento pra conferir? Uma biqueira pra averiguar? Nada?— Halu, larga de ser chatona. Ele só veio aqui conversar comigo um pouquinho. Às vezes, tu é pior que o MT e o Luizinho juntos — Macla revirou os olhos. — O que você vai querer?— Ô, tia, eu quero um sonhozinho! — Carlinha pediu, interrompendo qualquer resposta atravessada minha.Macla sorriu, pegou o sonho e entregou pra ela.— Prontinho, princesa da titia. — Depois, se vir
Carlos Luiz Chaves (Luizinho)Tava sozinho puxando meu beck e pensando na porra chata que minha vida se tornou. Antigamente, minha casa era um entra e sai de mina, mas agora nem tenho ânimo de ficar com uma e outra. Tava pensando em arrumar uma mina e sossegar, mas é foda essa porra de sossegar, já que a mina que eu quero tá pouco se fodendo pra mim. *Patrão! O morro tá sussa. Tamo vigiando os pontos cegos, tá tudo mó paz.* *Valeu, Boca de Sacola. Não deixa os filhos da puta ficarem marolando, não. Esses do morro do Farinha tão na paz e isso é foda.**Pode deixar, patrão!*Coloquei meu radinho de lado e fui apreciar meu baseado. Tava de boa, relaxando, quando ouvi barulho de chave. Porra! Será que já tô na marola com a porra de um beck? — Luiz! — Ouvi a voz de Vanessa me chamando. Com certeza tô na marola. — Luiz, não tá me ouvindo? Tô te chamando! — O que faz aqui, Vanessa? — Meu trabalho terminou mais cedo, então vim dar um giro aqui em cima. Mas Halú e Macla não estão em c
Hannah Luiza (Halú)O baile do Jacaré estava bom pra caramba. Matheus, Gigante, Macla e eu estávamos exaustos, mas ainda animados. Durante o trajeto de volta pra casa, minha amiga e eu conversávamos empolgadas, enquanto Gigante mantinha os olhos na pista.— Esse baile foi bom pra um caralho. — Macla comentou, com um sorriso largo.— Foi mesmo, mas, ainda assim, não se compara aos da nossa favela.Minha amiga riu, concordando. Olhei pra frente e vi as luzes azuis e vermelhas piscando mais adiante.— Caralho! Os cana tão parando geral. Tamo fodido. — Gigante resmungou, claramente irritado.— Relaxa, Gigante, a gente não vai ser parado. — Tentei tranquilizá-lo, mas não tinha tanta certeza do que dizia.Apesar da minha tentativa de acalmar, o carro foi parado. Matheus desceu pra desenrolar com os policiais enquanto nós três ficávamos quietos, trocando olhares tensos. Depois de alguns minutos, ele voltou com um sorriso tranquilo no rosto.— Nada que uma grana não resolva. — Ele disse, rind
Minha casa estava mais movimentada do que o normal. Não que eu reclamasse, porque, apesar da bagunça, sempre gostei de ter gente por perto. Isso ajudava a abafar a solidão que, de vez em quando, insistia em aparecer. Estava na sala dobrando umas roupas da Carlinha quando ouvi a porta da frente se abrir com força. Nem precisei olhar para saber quem era. — Essa casa virou a casa da mãe Joana ou eu tô maluca? — A voz inconfundível de Macla ecoou pelo ambiente antes mesmo de ela aparecer. Soltei uma risada baixa, e Vanessa, que estava mexendo no celular ao meu lado, levantou os olhos e também riu. — Entra e faz mais barulho, Macla. Acho que ninguém percebeu que você chegou. — Brinquei, olhando para ela com diversão. — Não duvido nada. — Macla respondeu com aquele sorriso travesso enquanto jogava a bolsa no sofá. Ela veio me abraçar rapidamente antes de notar Vanessa. — E aí, irmã? Não sabia que você estava por aqui. — Resolvi dar as caras. Vim ver Halú e aproveitar pra sair co
Por TonhãoNa quebrada, o bar do Zeca era o ponto de encontro dos vagabundos como eu e o Gordo. Nada de muito luxo, mas tinha cerveja gelada e uma porção de torresmo que parecia ter saído direto do céu – ou do inferno, que era mais a nossa vibe.Eu tava sentado no canto, uma mesa de madeira velha que rangia com cada movimento meu. O Gordo chegou logo em seguida, carregando um sorriso sacana no rosto redondo e suado.— Tá tudo certo, Tonhão. — Ele se jogou na cadeira, puxando um cigarro amassado do bolso e acendendo com aquele isqueiro que mais falhava do que pegava.— Ótimo. — Respondi, pegando uma garrafa de cerveja e enchendo meu copo até transbordar. — Agora me diz, Gordo, como é que os otários vão reagir quando a gente pegar a princesinha deles?O Gordo soltou uma gargalhada curta, aquele tipo de risada que não trazia nada de bom.— Eles vão ficar putos da vida, Tonhão! O MT, então... Aquele maluco vai rodar. Vai querer arrancar a nossa cabeça com as próprias mãos.— É isso que eu
Por Maria Clara (Macla)O sol estava escaldante naquela tarde, mas o riso de Carlinha fazia qualquer coisa valer a pena. Ela corria na minha frente, os cachinhos balançando enquanto ela brincava de não pisar nas linhas do calçamento. A gente descia o morro tranquilamente, como duas amigas – ou quase mãe e filha, dependendo de como se olhava. Carlinha tinha uma energia contagiante, e estar ao lado dela era como uma pausa nos problemas do mundo.— Vamos logo, tia Macla! Quero pegar o maior sorvete que eles tiverem! — ela gritou, olhando por cima do ombro.— Calma aí, princesa, eu só tenho duas pernas! — brinquei, apressando o passo.Paramos na sorveteria pequena no pé do morro. Era um lugar simples, com cadeiras de plástico e um balcão de vidro exibindo os sabores coloridos. Escolhemos os nossos sorvetes – chocolate para ela e morango para mim – e sentamos em uma mesa perto da janela.— Tá gostoso, Carlinha?— Tá uma delícia! Obrigada por me trazer, tia Macla. A mamãe e o papai quase nu
Por TonhãoO quartinho era um buraco sujo, cheio de mofo e com um cheiro insuportável de cigarro velho misturado com rato morto. Mas era o que a gente tinha, e pra mim, tava bom demais. O moleque que chamavam de "Gordo" já tinha dado uma geral, tirado as tralhas que tinham por lá, e deixado o espaço minimamente habitável. O colchão jogado no chão era pra menina, e eu não tava nem aí se ela ia gostar ou não. Era ali que ela ia ficar até os otários dos pais dela entenderem que não se mexe com Tonhão.Segurei a pirralha pelo braço enquanto ela me olhava com aqueles olhos grandes de quem achava que ia me intimidar. Só rindo mesmo.— Quem é você? — perguntou, a vozinha firme apesar do tremor.Parei no meio do quartinho e me abaixei, ficando na altura dela. O sorriso no meu rosto era uma mistura de ironia e raiva.— Quem eu sou? — cuspi as palavras, aproximando meu rosto do dela. — Eu sou o desgraçado que odeia os filhos da puta dos seus pais.Ela arregalou os olhos por um segundo, mas log
Por Hannah Luiza (Halu)Não conseguia mais controlar o choro. Os soluços tomavam conta do meu corpo, e a sensação de vazio parecia me engolir. Meu coração estava em pedaços, e a imagem de Carlinha não saía da minha cabeça. Como ela estaria agora? Assustada? Sozinha? Com frio? Eu sentia como se cada segundo sem respostas fosse uma eternidade de sofrimento.Eu estava jogada na cama, ainda vestida com a mesma roupa de ontem. Não tinha forças para trocar, para comer ou sequer pensar direito. Minhas mãos tremiam enquanto abraçavam a almofada, buscando algum tipo de conforto inexistente. As lágrimas escorriam sem pedir permissão, e o peso da culpa me esmagava.Ouvi passos se aproximando, mas não tive energia para olhar. Era Matheus. Ele sentou-se ao meu lado, suspirando profundamente antes de falar: — Halu... me desculpa. — A voz dele estava baixa, quase um sussurro. — Eu não deveria ter me estressado com você. A culpa não é sua.Demorei alguns segundos para processar as palavras. Quando f