Hannah Luiza (Halú)O baile do Jacaré estava bom pra caramba. Matheus, Gigante, Macla e eu estávamos exaustos, mas ainda animados. Durante o trajeto de volta pra casa, minha amiga e eu conversávamos empolgadas, enquanto Gigante mantinha os olhos na pista.— Esse baile foi bom pra um caralho. — Macla comentou, com um sorriso largo.— Foi mesmo, mas, ainda assim, não se compara aos da nossa favela.Minha amiga riu, concordando. Olhei pra frente e vi as luzes azuis e vermelhas piscando mais adiante.— Caralho! Os cana tão parando geral. Tamo fodido. — Gigante resmungou, claramente irritado.— Relaxa, Gigante, a gente não vai ser parado. — Tentei tranquilizá-lo, mas não tinha tanta certeza do que dizia.Apesar da minha tentativa de acalmar, o carro foi parado. Matheus desceu pra desenrolar com os policiais enquanto nós três ficávamos quietos, trocando olhares tensos. Depois de alguns minutos, ele voltou com um sorriso tranquilo no rosto.— Nada que uma grana não resolva. — Ele disse, rind
Minha casa estava mais movimentada do que o normal. Não que eu reclamasse, porque, apesar da bagunça, sempre gostei de ter gente por perto. Isso ajudava a abafar a solidão que, de vez em quando, insistia em aparecer. Estava na sala dobrando umas roupas da Carlinha quando ouvi a porta da frente se abrir com força. Nem precisei olhar para saber quem era. — Essa casa virou a casa da mãe Joana ou eu tô maluca? — A voz inconfundível de Macla ecoou pelo ambiente antes mesmo de ela aparecer. Soltei uma risada baixa, e Vanessa, que estava mexendo no celular ao meu lado, levantou os olhos e também riu. — Entra e faz mais barulho, Macla. Acho que ninguém percebeu que você chegou. — Brinquei, olhando para ela com diversão. — Não duvido nada. — Macla respondeu com aquele sorriso travesso enquanto jogava a bolsa no sofá. Ela veio me abraçar rapidamente antes de notar Vanessa. — E aí, irmã? Não sabia que você estava por aqui. — Resolvi dar as caras. Vim ver Halú e aproveitar pra sair co
Por TonhãoNa quebrada, o bar do Zeca era o ponto de encontro dos vagabundos como eu e o Gordo. Nada de muito luxo, mas tinha cerveja gelada e uma porção de torresmo que parecia ter saído direto do céu – ou do inferno, que era mais a nossa vibe.Eu tava sentado no canto, uma mesa de madeira velha que rangia com cada movimento meu. O Gordo chegou logo em seguida, carregando um sorriso sacana no rosto redondo e suado.— Tá tudo certo, Tonhão. — Ele se jogou na cadeira, puxando um cigarro amassado do bolso e acendendo com aquele isqueiro que mais falhava do que pegava.— Ótimo. — Respondi, pegando uma garrafa de cerveja e enchendo meu copo até transbordar. — Agora me diz, Gordo, como é que os otários vão reagir quando a gente pegar a princesinha deles?O Gordo soltou uma gargalhada curta, aquele tipo de risada que não trazia nada de bom.— Eles vão ficar putos da vida, Tonhão! O MT, então... Aquele maluco vai rodar. Vai querer arrancar a nossa cabeça com as próprias mãos.— É isso que eu
Por Maria Clara (Macla)O sol estava escaldante naquela tarde, mas o riso de Carlinha fazia qualquer coisa valer a pena. Ela corria na minha frente, os cachinhos balançando enquanto ela brincava de não pisar nas linhas do calçamento. A gente descia o morro tranquilamente, como duas amigas – ou quase mãe e filha, dependendo de como se olhava. Carlinha tinha uma energia contagiante, e estar ao lado dela era como uma pausa nos problemas do mundo.— Vamos logo, tia Macla! Quero pegar o maior sorvete que eles tiverem! — ela gritou, olhando por cima do ombro.— Calma aí, princesa, eu só tenho duas pernas! — brinquei, apressando o passo.Paramos na sorveteria pequena no pé do morro. Era um lugar simples, com cadeiras de plástico e um balcão de vidro exibindo os sabores coloridos. Escolhemos os nossos sorvetes – chocolate para ela e morango para mim – e sentamos em uma mesa perto da janela.— Tá gostoso, Carlinha?— Tá uma delícia! Obrigada por me trazer, tia Macla. A mamãe e o papai quase nu
Por TonhãoO quartinho era um buraco sujo, cheio de mofo e com um cheiro insuportável de cigarro velho misturado com rato morto. Mas era o que a gente tinha, e pra mim, tava bom demais. O moleque que chamavam de "Gordo" já tinha dado uma geral, tirado as tralhas que tinham por lá, e deixado o espaço minimamente habitável. O colchão jogado no chão era pra menina, e eu não tava nem aí se ela ia gostar ou não. Era ali que ela ia ficar até os otários dos pais dela entenderem que não se mexe com Tonhão.Segurei a pirralha pelo braço enquanto ela me olhava com aqueles olhos grandes de quem achava que ia me intimidar. Só rindo mesmo.— Quem é você? — perguntou, a vozinha firme apesar do tremor.Parei no meio do quartinho e me abaixei, ficando na altura dela. O sorriso no meu rosto era uma mistura de ironia e raiva.— Quem eu sou? — cuspi as palavras, aproximando meu rosto do dela. — Eu sou o desgraçado que odeia os filhos da puta dos seus pais.Ela arregalou os olhos por um segundo, mas log
Por Hannah Luiza (Halu)Não conseguia mais controlar o choro. Os soluços tomavam conta do meu corpo, e a sensação de vazio parecia me engolir. Meu coração estava em pedaços, e a imagem de Carlinha não saía da minha cabeça. Como ela estaria agora? Assustada? Sozinha? Com frio? Eu sentia como se cada segundo sem respostas fosse uma eternidade de sofrimento.Eu estava jogada na cama, ainda vestida com a mesma roupa de ontem. Não tinha forças para trocar, para comer ou sequer pensar direito. Minhas mãos tremiam enquanto abraçavam a almofada, buscando algum tipo de conforto inexistente. As lágrimas escorriam sem pedir permissão, e o peso da culpa me esmagava.Ouvi passos se aproximando, mas não tive energia para olhar. Era Matheus. Ele sentou-se ao meu lado, suspirando profundamente antes de falar: — Halu... me desculpa. — A voz dele estava baixa, quase um sussurro. — Eu não deveria ter me estressado com você. A culpa não é sua.Demorei alguns segundos para processar as palavras. Quando f
Por BrunaO som da porta se fechando atrás de mim ecoou pelo pequeno quartinho, abafando o burburinho que vinha de fora. O cheiro de mofo e poeira era sufocante, mas eu não me importava. Tudo o que me interessava estava ali, naquele canto miserável, onde uma garotinha de olhos arregalados e rosto sujo me olhava como se eu fosse o próprio diabo.Carlinha estava sentada no colchão velho, com as perninhas encolhidas contra o peito, abraçando-se como se isso fosse suficiente para protegê-la. Patética. Aquela pirralha não fazia ideia do que estava acontecendo ao redor dela. Só sabia repetir como um papagaio o que Halu devia ter enfiado na cabeça dela.— O que você tá fazendo aqui? — ela perguntou, com a voz tremendo, mas carregada de uma coragem que, sinceramente, me irritou.Eu me aproximei devagar, cruzando os braços enquanto lançava um olhar cínico.— Isso importa? Você vai fazer o que eu mandar, pirralha melequenta.Ela piscou rápido, mas não desviou o olhar. Quanta petulância. Antes
Por Matheus (M.T)O calor da tarde estava de rachar enquanto eu e Luizinho atravessávamos o beco, a favela fervendo como sempre. O cheiro de fumaça, fritura e suor parecia grudar na pele. Quando a gente chegou no barraco onde os caras estavam, o clima já tava pesado. O lugar era apertado, cheio de caixas empilhadas e um ventilador capenga girando devagar. Do lado de fora, soldados armados olhavam de um lado pro outro, atentos a qualquer movimentação. Eu e Luizinho entramos, cumprimentando os homens com aquele toque de mão firme, cheio de respeito. Não era só uma visita amigável; era uma reunião estratégica. A tensão no ar era visível. — M.T, cadê a Halu? — perguntou Tigrão, um dos chefes aliados. Ele era um cara parrudo, com uma cicatriz atravessando o rosto, e sempre fazia questão de mostrar que não tinha medo de ninguém. — Esperava ver ela aqui. Essa treta toda é tanto dela quanto nossa. — Halu tá resolvendo uns bagulhos. — Minha resposta foi direta, mas minha voz saiu seca, car