Um Jogo de Olhares

Capítulo 2: "Um Jogo de Olhares"

(Leonardo Narrando)

Eu sempre soube que aquele dia chegaria. 

O dia em que meu pai e o Conselho cobrariam meu preço por ser um Moretti. Ninguém herda um império sem carregar cicatrizes. 

Eu já estava acostumado com isso, a perda da liberdade, das escolhas, de uma vida comum. Mas, casar com a filha de Marco Romano… isso estava além do que eu imaginava suportar. 

Sofia Romano.

O nome dela ressoava em minha mente, e eu não conseguia evitar a curiosidade mesclada com desprezo. 

A "princesinha da máfia," diziam. 

Fria, calculista, uma mulher que esconde por trás da beleza uma ferocidade digna de sua linhagem. Seria verdade? Eu estava prestes a descobrir.

Assim que entrei no restaurante reservado, o ambiente discreto e opulento refletia a essência das famílias que ele abrigava. Os lustres dourados, o aroma de madeira antiga e a privacidade das paredes de veludo me lembravam que estávamos em território neutro, mas essa neutralidade terminaria no instante em que eu cruzasse meu olhar com o dela.

Meus homens se mantinham estrategicamente posicionados, embora mantivessem uma distância respeitosa. 

Sentia o peso da expectativa de todos, mas nada se comparava ao frio que se instalava em meu peito. O que aconteceria naquele jantar decidiria o futuro de ambas as famílias.

E então, vi Sofia.

Ela estava sentada na mesa ao fundo, esperando por mim. Seus olhos estavam fixos na entrada, e, quando nossos olhares se encontraram, senti uma faísca de surpresa. 

Ela era ainda mais bonita do que eu esperava, mas não de uma maneira óbvia. Havia uma dureza em sua expressão que parecia quase indomável. 

Sofia Romano não era uma mulher comum. Eu podia sentir que ela exalava perigo e, ao mesmo tempo, uma fragilidade que parecia enterrada tão profundamente que poucos seriam capazes de perceber. 

"Fria. Distante. Poderosa."

Essas palavras me vinham à mente enquanto eu caminhava até ela, mantendo o olhar fixo, sem desviar. Sabia que ela me estudava tanto quanto eu a estudava.

Ao me aproximar, pude ver melhor cada detalhe. Seus olhos eram escuros, uma profundeza que escondia segredos e sombras. Ela me lembrava uma lâmina bem afiada, à espera do momento certo para cortar. 

Sofia não parecia uma mulher pronta para se submeter. Isso, em vez de me assustar, instigava algo perigoso dentro de mim. 

Cheguei à mesa, e, antes de me sentar, estendi a mão. Ela me olhou por um momento, antes de apertar minha mão. 

Seu toque era firme, e eu podia sentir a tensão em seus dedos, mas ela não desviou o olhar. 

Desafiadora.

— Leonardo Moretti. — murmurei, minha voz baixa e contida, analisando sua reação. Não pude evitar observar um leve levantar de sobrancelha, quase imperceptível.

— Sofia Romano. — respondeu ela, o tom igualmente controlado. A voz dela era suave, mas cheia de uma força que surpreendia.

Sentei-me de frente para ela, enquanto o garçom trazia o vinho que eu havia selecionado. 

Sofia não demonstrava entusiasmo pelo encontro, o que era esperado. Ela estava ali porque tinha de estar, assim como eu. Mas, em vez de se refugiar na formalidade, ela decidiu me encarar com uma frieza que me fez sorrir internamente. 

Ah, ela realmente não é como as outras.

Gosto disso. 

— Então, Sofia, — comecei, girando a taça de vinho em minha mão. — Imagino que estejamos ambos aqui contra nossa vontade.

Ela manteve a postura, olhando-me de forma direta, sem nenhuma tentativa de suavizar sua expressão.

— Aparentemente, a vontade de nossos pais supera a nossa própria. — respondeu ela, com um leve toque de sarcasmo na voz. — E você, Leonardo? Está tão entusiasmado quanto eu?

Sorri levemente, percebendo que ela tentava me testar. Sofia queria medir minha reação, talvez entender minhas intenções.

— Entusiasmo não é a palavra certa. Diria que estou... curioso. — Inclinei-me um pouco para a frente, observando-a. — Curioso para saber se a filha de Marco Romano é tudo o que dizem.

Ela estreitou os olhos, mas um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Era um sorriso irônico, quase desdenhoso.

— E o que dizem sobre mim? — perguntou, fingindo desinteresse, mas eu podia perceber a intensidade em seus olhos.

Eu não tinha motivo para ser sutil. Queria que ela soubesse que não tinha medo dela.

— Dizem que é fria, calculista, e que não recua diante de nada. Dizem que Sofia Romano é implacável. Mas será que essa fama é verdadeira? Ou é só uma máscara?

O sorriso desapareceu, e seus olhos brilharam com algo que poderia ser raiva ou fascínio.

— Acredito que terá bastante tempo para descobrir, Leonardo. — ela respondeu, o tom desafiador. — Mas não espere que eu me revele assim tão facilmente. As máscaras são úteis quando se está cercado de inimigos.

Inimigos.

 O peso da palavra pairou entre nós, e naquele momento entendi o que esse casamento realmente significaria. 

Sofia não me via como um parceiro, mas como alguém a ser superado, talvez até derrotado. Essa percepção fez algo em mim despertar. Era um jogo. E eu adorava um bom jogo.

— Curioso como ambos estamos sendo obrigados a esta aliança, e ainda assim, nenhum de nós está disposto a ceder. — falei, observando-a. — Mas talvez isso torne tudo mais... interessante.

Ela inclinou-se ligeiramente para frente, espelhando minha postura. Sua mão segurava a taça de vinho, mas seus olhos permaneciam fixos nos meus, como se tentasse ler cada um dos meus pensamentos.

— Espero que saiba que eu não sou o tipo de mulher que aceita um papel de submissa. — ela murmurou, a voz baixa, quase um sussurro carregado de intenção.

Inclinei-me ainda mais próximo, de modo que ela pudesse sentir minha respiração próxima à dela.

— Eu também não sou o tipo de homem que aceita ser desafiado. 

Por um segundo, o silêncio entre nós foi tão intenso que parecia palpável. 

Não havia mais nada a dizer. 

Naquele instante, ambos entendíamos as regras não ditas de nosso casamento, isso não seria uma aliança comum. 

Seria uma batalha, e ambos estávamos dispostos a ir até o fim para conquistar o controle.

Ela afastou-se, quebrando o contato visual. 

Um sinal de que nossa pequena troca havia terminado. Um novo começo se formava, mas não como um conto de amor, mais como o início de uma guerra. 

Eu sabia que aquela mulher estava disposta a lutar. E o mais estranho era que isso me fascinava.

“Ela é tudo o que eu esperava e mais." 

O pensamento me percorreu, e um leve sorriso se formou em meus lábios. Se a família dela esperava que essa aliança trouxesse paz, não imaginavam o erro que estavam cometendo. 

E, assim, naquele silêncio de significados não ditos, ambos concordamos em uma coisa, nunca nos submeteríamos um ao outro.

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