CAPÍTULO 1

Helena saiu pela porta dos fundos do clube, o que levou às docas de carga, e fez uma pausa pelo enorme gradeamento por tempo suficiente para garantir que o homem não tivesse saído atrás dela. Quando Mariana e Katia a convidaram para o "melhor clube da marina", elas não lhe disseram que o convite veio com um maldito perseguidor, que a importunou a noite toda até que decidiu partir sem sequer dizer adeus. 

- Isto é o que eu recebo por ser um idiota! -repreendeu a si mesma.

Ela olhou para seu relógio enquanto avaliava a situação, já passava da meia-noite e as docas estavam desertas. Pelo menos uma centena de navios estavam no porto de Marselha, e era uma visão e tanto caminhar sobre as tábuas encharcadas de sal, enquanto de um lado e de outro subiam aqueles belos gigantes brancos. 

Ele avistou a avenida principal a algumas centenas de metros de distância e acelerou seu ritmo, olhando por cima de seu ombro de tempos em tempos. 

A noite tinha começado de forma espetacular: Katia, Marina e ela tinham sido convidadas para um dos clubes mais exclusivos de Marselha. Muito poucos tinham acesso a ela, mas Katia era um modelo e Mariana não o era porque ela não queria ser; a questão era que elas eram um par de mulheres deslumbrantes que não passavam despercebidas em nenhum lugar, e não demorou muito tempo para que elas fizessem algumas amigas.

Helena era diferente. Com um sessenta e quatro anos, com seus cabelos pretos de ébano e suas curvas escuras, ela pensava em si mesma como um tipo diferente de beleza. Ela pode não atrair tantos olhares quanto seus amigos, mas ela atraiu apenas os certos. 

Ela se lembrou do italiano que havia encontrado mais cedo naquela manhã, um tropeço de sorte num café, um pedido de desculpas, um sorriso, uma troca nervosa de nomes e um "até logo" muito forçado: ele tinha ficado querendo mais e ela também. Ela havia passado o dia inteiro pensando nele, tão misterioso, tão seguro de si, tão bonito, tão... diferente dos novos "amigos" de Katia. 

Ou melhor, uma, que parecia estupidamente obcecada por ela. Ele era um homem com menos de trinta anos, razoavelmente bonito e bastante elegante, mas havia algo em seus olhos que fazia os cabelos de Helena ficarem de pé.

-Por que você não vai dançar com Samuel? - Mariana tinha insistido - Ele continua olhando para você, você pode dizer que ele gosta de você.

-Mas ele não gosta de mim. -Helena tinha levantado seu copo nervosamente. Ele tem um "eu não sei o quê" que não me dá uma boa sensação.

-E o que você planeja fazer? -Você vai se esconder atrás de nós a noite toda? Ao menos deixe-me pagar-lhe uma bebida.

-Não estou me escondendo, Katia. Eu só não quero dançar com ele... e não quero que ele me compre nada. 

-Bem, então, ponha esses olhinhos bonitos em outra pessoa, mas faça algo por amor de Deus. Você não pode ser uma puritana a vida toda, ir dançar com alguém, curtir com alguém... Não sei....

Ela e Katia tinham feito o mesmo gesto de aborrecimento ao mesmo tempo. A verdade é que Helena não conseguia se lembrar exatamente porque era amiga de Katia... Ah, sim, porque Gabriel gostava muito dela! Gabriel, o anjo protetor e a cola daquele bando que tinha decidido viajar pela França por duas semanas para comemorar o aniversário de Helena. 

Gabriel era aquele que sempre vinha em sua defesa quando uma das garotas a incomodava demais por sua óbvia falta de deboche, mas até mesmo Gabriel não estava dando muita atenção a ela no momento, porque um minx francês com cachos loiros e olhos flertados o tinha literalmente comido da mão dela. 

A noite estava ficando pior a cada minuto. O famoso Samuel não havia parado de tentar se aproximar dela, de convidá-la para dançar e outra coisa qualquer, e Helena se enfurecia cada vez que ele se aproximava dela para tentar falar ao seu ouvido. Ela não podia explicar o que era, mas havia algo sinistro na expressão do homem que a fazia sentir-se estranhamente repugnada. 

Finalmente tudo tinha terminado com a mão de Samuel tocando a coisa errada, e o joelho de Helena batendo nele onde mais doía. Depois disso, ela havia deixado de ser a garota que seus amigos sempre protegeram e, zangada como estava, ela havia tomado a decisão de ir sozinha para o hotel. 

E embora o ar fresco da manhã fosse um remédio muito bom para os enjoos do mar, não demorou muito para que ela percebesse que tinha sido uma má decisão. Ela continuou a caminhar entre os barcos atracados, e segundo a segundo sua pele começou a rastejar, como se ela sentisse que alguém a seguia. 

Ela usava um casaco preto com meias mangas, e debaixo de um vestido branco que era justo na cintura e realçava cada curva sem ser excessivamente provocante. Helena pensou que, se ela tirasse os calcanhares, poderia até correr sem que as delicadas dobras do vestido a atrapalhassem, mas não havia necessidade de entrar em pânico, afinal era apenas um medo sem fundamento, ninguém a seguia... ninguém...

-Você b**e forte para um anão sangrento! -O corpo que a interceptou saindo de trás de um dos barcos a parou em seu rastro.

Ela não tinha idéia de como Samuel tinha conseguido alcançá-la sem que ela o visse chegar, mas sua voz era áspera e ele tresandava a álcool. Helena endureceu como uma mão fechada sobre seu braço, apertando-o violentamente, e ela sabia que atacar o mesmo lugar duas vezes não funcionaria, então ela deu um pontapé mais baixo, direto sobre o joelho, tirando um grito de Samuel.

-Filho da puta! 

Aquele fugaz segundo de dor e surpresa quando o homem soltou o aperto foi suficiente para mandar Helena correr com todas as suas forças, ela se virou e não viu para onde ia, desde que estivesse longe de Samuel, mas toda vez que ela virava a cabeça, ela jurava que podia ver sua sombra se movendo contra as luzes fracas das docas.

-Você não está fugindo de mim, morenita. -A ameaça era um sussurro que ela podia ouvir. Você não tem para onde ir.

Seu coração bateu freneticamente no peito enquanto ela procurava qualquer sinal de vida, mas, inacreditavelmente, os navios pareciam abandonados a esta hora da manhã. Não havia onde se esconder, exceto para os barcos. Se ela entrasse numa, espera-se que encontrasse alguém para ajudá-la, mas se estivesse vazia, ela teria se metido em uma ratoeira da qual não poderia escapar.

Ela continuou correndo sem olhar para onde ia, virou uma esquina, depois outra, então... De repente ela sentiu que seu equilíbrio estava desequilibrado, algo puxado para ela e ela caiu de cara, machucando as palmas das mãos. Um dos calcanhares estava preso entre duas tábuas de madeira, Helena puxou-o com todas as forças, mas o maldito sapato não se soltava. Segundos preciosos se passaram enquanto ela tentava desatar as correias, ela podia se ouvir ofegante, tremendo, podia sentir o homem se aproximando, como ele iria pegá-la, como... E quando ela estava prestes a gritar, alguém a arrastou para longe.

Uma mão sobre sua boca, a outra contra seu pescoço e sob um de seus braços. Helena chutou para se libertar, mas o homem que a arrastava para um dos porões mais distantes do porto era visivelmente mais forte do que ela era. Suas unhas estavam cavando sulcos nos antebraços que a aprisionavam, mas ela ainda não conseguia se libertar. Finalmente ela sentiu um puxão que a fez dar a volta e antes mesmo de reagir, uma bofetada a mandou diretamente para o chão. 

-Infeliz...! -se gritou ela.

Ela colocou suas mãos no rosto e se encolheu, seu coração batendo na cabeça, o sangue bombeando histericamente através de suas veias, mas ela não ia desistir. Com os pés enfiados sob seu corpo, ela soltou a correia do sapato restante e se preparou para se defender. Ela sentiu o puxão no cabelo forçando-a a se ajoelhar e, com todas as suas forças, ela empurrou o calcanhar de treze centímetros para a parte mais macia da perna à sua frente, conseguindo enterrá-la alguns centímetros. 

Depois foi tudo um caos, gritos, sangue e terror. Se Samuel tinha sido um perseguidor impertinente, agora ele era uma besta cega pela raiva. Outro tapa a mandou para uma das paredes da adega, fazendo com que ela batesse com a cabeça. Ela estava atordoada e dorida, mas consciente o suficiente para sentir as mãos do homem rasgando a jaqueta fina, puxando o vestido branco que já estava completamente manchado pela sujeira e poeira no chão. Ela gritou, chorou, arranhou, bateu, continuou lutando como uma louca quando o homem a bateu novamente e rasgou as meias finas da cor da pele.... 

E então tudo parou. 

O ar se precipitou sobre ela quando Samuel caiu para trás, impulsionado por um golpe que Helena não sabia de onde tinha vindo. Um corpo que lhe parecia gigantesco ficou entre ela e seu agressor, que suportou apenas mais um soco antes de fugir como um covarde.

Essa foi a última coisa que ela viu antes que a adrenalina deixasse seu corpo. O gigante inclinou-se sobre ela e acariciou seu rosto.

-Helena! -Suas mãos eram suaves e sua voz estranhamente familiar. Helena, olhe para mim!

Ela tentou, ela realmente tentou, mas a sensação de segurança que sua proximidade lhe dava só fez seu corpo dar lugar ao choque do momento. Uma névoa cobriu seus olhos e os sons se tornaram cada vez mais distantes. Ela sentiu os braços levantando-a com gentileza urgente enquanto a voz continuava chamando seu nome. Quem era? Por que parecia familiar? Como ele sabia seu nome? Ela envolveu seus braços ao redor de seu pescoço, tremendo, e permitiu que tudo ficasse escuro. 

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