5. Amassos na neve

Depois de tomar um chá quentinho feito por ele, chá raiz, feito com folhas de hortelã, os pais dos gêmeos só tomam chá natural, Ravi me surpreende mais a cada dia. 

Enfim, tomei o chá de hortelã que estava divino, ali, deitada na cama dele com o próprio sentado no chão ao meu lado conversando sobre banalidades. 

Acho que desde que nos tornamos amigos, nunca ficamos naquele silêncio constrangedor. 

— Como você acha que está sendo o encontro da Stella e do meu irmão? — Ele me perguntou mudando de assunto.  

— Se seu irmão inventou uma aposta para chamar ela para sair, eu diria que não está tão bem. — Dei de ombros.  

— Ele gosta dela. — Ele me respondeu sem rodeios. 

— Mas? — Perguntei. 

— Liam nunca teve problemas com garotas e Stella é diferente. — Deu de ombros.  

— Tipo você? — Perguntei e mordi a língua em seguida. Não queria entrar naquele assunto com ele, ali, toda bagunçada e ranhenta.  

— É diferente. Eu nunca iria te beijar, por exemplo, sem um sinal seu, já Liam, aposto que foi a primeira coisa que ele tentou hoje. — Ele pareceu desconcertado. — Gêmeo bom, lembra? — Brincou me fazendo rir. 

Ravi era conhecido como o gêmeo bom na escola. Apesar dos dois serem dedicados e terem as melhores notas, além de se destacarem e serem populares, Liam era para atirado, direto e sem papas na língua, enquanto Ravi era mais contido e sempre tentava acalmar os ânimos quando necessário. 

— Então entramos neste assunto?  — Perguntei para mim mesma mordendo os lábios. 

Novamente estava ali, Ravi envergonhado e um pouco vermelho. 

— Aquilo foi um sinal, não foi? — Ele perguntou me olhando apreensivo. — Ontem! — Ele emendou como se eu não soubesse. 

— Definitivamente era um sinal. Era um outdoor enorme que você demorou para ver. — Brinquei o fazendo rir.  

— Ravi! — O chamei quando ele fez um movimento leve para se afastar. — Isso é um encontro. — Eu disse olhando fundo nos seus olhos e não demorou um segundo para o seu sorriso aumentar e ele se aproximar ainda mais do meu rosto. 

Não me aguentei e puxei para perto usando minhas mãos que ainda estavam em suas costas por dentro da jaqueta e finalmente senti seus lábios colados aos meus.  

Sim, eu finalmente estava beijando Ravi e não queria largá-lo nunca mais. Foi um selinho longo e logo senti uma das suas mãos passando por dentro da minha touca, pelos meus cabelos. Um aperto forte na cintura e eu tive certeza de que ele estava pronto para aprofundar o beijo. 

Sua língua pediu passagem tocando meus lábios levemente, mas assim que nossas línguas se tocaram Ravi foi arrancado de cima de mim. 

— Vocês estão bem? — Liam perguntou e não entendi como eu estava beijando Ravi há um segundo e agora ele estava sentado ao meu lado com Liam me oferecendo a mão para que eu me levantasse. 

— Mas que merda é essa? — Perguntei irritada arrumando os cabelos no lugar sentada no buraco que fizemos. 

— Eu ganhei. Stella foi nocauteada com uma montanha de neve que joguei nela e bem, Ravi estava te mantendo fora de combate, então nós vencemos a guerra. 

— Eu vou colocar tantas pulgas na sua cama que você vai perder o dia inteiro amanhã tomando banho com xampu antipulgas. — Ravi esbravejou do meu lado. 

— Apesar de você ter ficado doente, eu gostei muito de ontem. — Ele admitiu me olhando nos olhos. 

Se não fosse eu espirrar nessa hora, teria sido uma cena bem romântica. 

— Eu também gostei, tirando a parte do Liam nos atrapalhar. — Comentei como quem fala do tempo. 

— Eu queria ter ido para o cinema só para não deixar ele chegar muito perto da sua amiga hoje. — Ele brincou me fazendo rir. 

— Só por isso? — Perguntei sugestivamente. 

— Claro. Aposto que iríamos adorar passar nosso encontro inteiro perturbando os dois. — Sim, eu totalmente iria. 

Acho que o remédio estava fazendo efeito novamente. Comecei a me sentir mais leve e sonolenta e Ravi parece ter percebido, pois me ajudou a deitar na cama dele novamente. 

Eu já comentei que o travesseiro dele tem o cheiro da loção pós barba? É maravilhoso. 

Acho que cochilei mais um pouco e acordei com cheiro de comida no quarto. 

— Que bom que acordou. Trouxe comida para você. — Vi o rosto dele um pouco perto. 

Para a minha surpresa, minha garganta já não estava mais doendo.  

— Você já almoçou? — Perguntei tentando ajeitar os cabelos no lugar, afinal, eles deveriam estar tudo para cima. 

— Já. Você estava dormindo, então fui preparar alguma coisa. — Ele me respondeu sem importância. — Meus pais não deixaram nada pronto, pois iríamos todos sair hoje. 

Peguei o prato que ele havia deixado ao meu lado e já ataquei a comida. 

— Você sabe cozinhar? — Perguntei rindo. 

— Não têm nada que um vídeo na internet não ensine a fazer. — Ri com o comentário já conseguindo ver a cena na minha cabeça. 

Liz você é uma tarada! Já consegui ver Ravi com aquela bunda redonda dele nessa calça jeans, sem camisa, cozinhando concentrado. 

— Então o almoço foi chato? — Perguntei mais uma vez sacudindo a cabeça tentando espantar a imagem que fiz dele na cozinha. 

— Longe disso. — Ele respondeu rindo. — Comi sozinho assistindo televisão. — Ele deu de ombros. 

— Desculpe! — Me senti envergonhada. Ele estava sozinho por minha causa. 

— Pelo quê? Não foi uma reclamação.  — Afirmou na mesma hora.  — Fazia muito tempo que eu não conseguia comer assistindo o que eu queria. Liam sempre tem o controle da TV quando estamos sozinhos e meus pais não nos deixam comer assistindo televisão, nem mesmo em uma sexta à noite comendo pizza. 

— Coisa de irmão mais velho? — Comentei e ele sorriu. 

—  Só dois minutos mais velho — Deu de ombros com um sorriso. — E como está a comida? Espero que não tenha esfriado. 

— Está divina. Você deveria cozinhar mais — Não menti. 

Ravi ficou quieto por alguns minutos enquanto eu comia. Ele parecia perdido em pensamentos o que me deixou bem curiosa. 

— Um euro por seus pensamentos. — Eu disse assim que terminei minha refeição. 

Ele me olhou parecendo ponderar se me respondia a verdade ou não. 

— Estava me lembrando de como nos tornamos amigos. — Disse por fim e eu abri um sorriso.  

— Você parecia diferente, achei que valia a pena conversar civilizadamente uma vez na vida. — Brinquei o fazendo rir. 

— Ou foi porque Stella prometeu fazer você me conhecer? — Ele perguntou rindo. 

— Isso também. Me lembro que do nada ela começou a falar sobre você cada vez que nós falávamos ao telefone. Até mesmo quando eu estava viajando com os meus pais. Era cada adjetivo... — Comentei me lembrando das primeiras conversas em que ela falava quão bonito ele estava e como tinha crescido durante o verão. 

— Alguma coisa ali te fez mudar de ideia, afinal nos sentamos na mesma mesa no primeiro dia de aula. — Ele se lembrou com um sorriso no rosto. 

— Depois de mais de um mês alguém falando todos os dias como o gêmeo Ravi era um homem interessante, eu tive que ir conferir, não é? — Brinquei o fazendo rir. 

— Stella te contou por que ela prometeu me ajudar com você? — Ele me perguntou parecendo se divertir com tudo aquilo. 

Tentei me lembrar daquelas férias, que na verdade não fazia tanto tempo, mas nada me veio à cabeça. Eu sei que os pais deles são amigos e muitas vezes eles até viajavam juntos no verão, mas porque do nada ela começou a me perturbar sobre ele, não fazia a menor ideia. 

— Ela nunca me disse. — Dei de ombros tentando esconder minha curiosidade. 

— Eu prometi a ajudar com o Liam e dizer a verdade caso ele quisesse realmente alguma coisa séria com ela. — Aquela informação me deixou de boca aberta. 

Stella não tinha admitido nem para mim e Serena sobre Liam até alguns poucos meses. 

— Ajudar envolve dar uma ideia de guerra de bolas de neve? — Perguntei o fazendo rir. 

— Não. Isso foi por ele mesmo. Só sugeri que ele poderia sair com a Stella hoje para que você não tivesse para quem fugir caso o encontro fosse uma porcaria. — Ele respondeu rindo e me fazendo rir também. 

— Ora, ora... Ravi com medo de um encontro ruim? — Perguntei rindo. 

— Não... — Ele começou receoso. — Medo de você descobrir que me ama e entrar em pânico. — Ele brincou rindo e me fazendo rir. 

— Pelo visto o dia foi bom. — Escutamos Heitor entrando no quarto. 

Esses melhores amigos não saem nunca da casa dos outros? 

 — Voltou cedo. — Ravi comentou o olhando desconfiado. 

— Bernardo estava com frio. — Ele deu de ombros e olhei atrás dele. 

— E cadê ele? — Perguntei pelo seu namorado quando não o vi. 

— Foi fazer um chocolate quente na cozinha. — Heitor respondeu sem importância. — Você parece melhor, Liz.  

— Estou me sentindo melhor. — Confirmei animada. — Graças ao Ravi e o mel com limão. — Brinquei. 

— Sim, porque todos os remédios que tomou para gripe não têm nada a ver com isso. — Ravi afirmou nos fazendo rir. 

— Notícias da Stella? — Perguntei mudando de assunto. 

— Vi Liam e Stella tomando um sorvete no shopping e em algum momento vi os dois discutindo indo em direção ao cinema. 

— Discutindo? — Perguntei alarmada. 

— Bernardo disse que parecia que estavam discutindo qual filme assistir. — Heitor me tranquilizou. 

— Discussão justa. — Ravi afirmou me fazendo rir. 

Sim, eu conseguia visualizar nós dois ali tendo a mesma discussão. Teria sido muito bom. 

— Liz? Nunca pensei te ver nesse quarto. — Foi o comentário do Bernardo quando chegou assoprando uma caneca e com outra na mão que estendeu para o namorado. 

Achei melhor não responder, mas Ravi com a língua afiada não perdeu a oportunidade. 

— E espero que ela fique muito mais por aqui.  

Bernardo assentiu e Heitor tomou um gole do chocolate quente, todos em silêncio por alguns instantes. 

— Bernardo, vamos dar uma volta? — Ele perguntou na óbvia ideia de me deixar sozinha novamente com o seu amigo. 

— Mas acabamos de chegar. — Bernardo deu de ombros indo até a cama do Liam que estava vazia. 

— Sim, mas eu preciso mesmo te mostrar uma coisa. — Heitor insistiu me fazendo abafar um sorriso. 

Bernardo deu de ombros e seguiu Heitor para fora do quarto. 

— Ravi! — Heitor chamou antes de fechar a porta nos fazendo olhar para ele novamente. — Se quiserem terminar os amassos de ontem, sugeriu começarem logo. Liam não deve demorar. — Ele piscou para nós e eu tenho certeza de que eu estava vermelha e Ravi parecia sem graça. 

Heitor não nega ser parte desse grupo, mesmo com aquela cara de santo. 

— Eu vou colocar tantas pulgas na sua cama que você vai perder o dia inteiro amanhã tomando banho com xampu antipulgas. — Ravi esbravejou do meu lado. 

— O quê? Vai me dizer que finalmente você criou coragem, seguiu meus conselhos e vocês estavam dando uns amassos ali? — Liam perguntou olhando do irmão para mim enquanto eu tentava me levantar recusando sua mão estendida. 

—  Seguir seus conselhos é um pouco exagerado. — Foi a resposta de Ravi. 

Assim que consegui me levantar, tentei arrumar a minha roupa que estava um pouco torta. Eu podia sentir meus cabelos molhados por causa da neve. 

Liam me olhou com mais atenção enquanto eu arrumava os cabelos e pareceu sorrir animado. 

— Você definitivamente está com a marca do Ravi bem ali. — Ele respondeu apontando para o meu cabelo no lado direito. 

Fiquei sem entender o que diabos Liam estava falando. 

— Meu irmão sempre pega no cabelo das meninas da mesma forma. — Ele me explicou me deixando furiosa. 

— Cala a m*****a boca! — Escutei Ravi reclamando e logo Liam levou um tapa no braço e começou a rir. 

— Olha isso, galera! Liz e meu irmãozinho estavam dando uns amassos. — Ele comentou alegre para ninguém em particular me deixando vermelha. 

— Amassos é um exagero. — Resmunguei fazendo Ravi que estava mais perto rir. 

— E a culpa foi de quem?! — Ravi reclamou do meu lado, mas Liam ignorou a nós dois. 

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