Cora ― Tome o remédio que a mamãe te der, promete? ― estendi o pirulito na direção da pequena Diane.― Promete ― repetiu com seu sorriso banguela. ― Cadê o Cãos?Foi a minha vez de sorrir.― Está cuidando da casa. Assim que possível trago ele.Caos é meu cachorro Pitt Bull, meu best friend. A maioria das crianças erram o nome. Eu podia dar qualquer nome mais fácil e fofinho, mas aquele pestinha me deu muito trabalho, então o chamei de Caos. Era meu pequeno furacão, quebrando tudo por onde passava. Por sorte amadureceu e está mais responsável quanto ao bolso da dona.Amo crianças e animais. Desde pequena meu sonho é ter pelo menos cinco filhos em uma casa grande com cães, gatos, coelhos, todo o animalzinho que tiver direito. Quero me casar e todo fim de semana ter um almoço ou churrasco de família. Para isso só me falta o par. Acho que fizeram macumba, pois não consigo me conectar com ninguém. Já tentei em dois relacionamentos nos meus vinte e seis anos. Até que durou anos ambos, mas
CoraDias depois.― Senhorita Oliveira, desculpe por te fazer esperar. Vamos receber a visita do senhor Rodrigues hoje e todos ficam agitados. ― A mulher sorridente veio em minha direção.― Sem problemas. Meu voo só sai à noite. ― Devolvi o sorriso.― Obrigada pela compreensão. Você foi muito elogiada pelas nossas colegas da filial de Minas Gerais. Ela me disseram que as crianças te adoram, a você e o Caos.Sorri mais. Faço trabalho voluntario no orfanato dos Rodrigues, em Belo Horizonte, uma vez por mês, e sempre levo o Caos. Já ouvi falar muito dos donos, mas nunca procurei maiores informações. O importante são as crianças.― Quando vier oficialmente trago ele. Hoje só quis conhecer o lugar e dar uma olhadinha nas crianças.― Será um prazer apresentar.― Vera, vou precisar ir mais cedo hoje. ― Uma mulher grávida apareceu com a expressão de cansaço.― Não tem problema. Se acontecer alguma coisa, chamamos a emergência ou o que for necessário. Só me avisa se for ficar em casa os próxim
CoraDepois de um dia de trabalho, chego em casa e sou recebida pelos carinhos de Caos. Ele quase me derruba de tanto que pula em minhas pernas.― Oi, amiguinho! ― me ajoelho para falar com ele. ― Falta pouco. Logo você terá um quintal gigante e vou te deixar destruir tudo nele.O contrato de aluguel desse apartamento vence esse ano, e não vou renovar. Estou procurando uma casa.Depois de alguns carinhos, me levantei e segui para a cozinha com ele atrás.― Como foi seu dia? ― perguntei colocando ração e água em suas vasilhas. A pergunta era só uma desculpa para falar do meu dia.Enquanto fazia meu monologo, a campainha tocou. Era minha vizinha com seu poodle. Hora de levar os rapazes para passear.Ofereci a ela um pedaço do bolo da minha cliente e aproveitei para fazer propaganda do negócio dela.Enquanto, ela comia, troquei de roupa para sairmos até um calçadão próximo ao prédio.Seguimos com nossos amiguinhos. Enquanto eles corriam tentando escapar das coleiras, nós conversávamos so
CoraAcordei amarrada em uma cadeira. O lugar era sombrio. Paredes rústicas, uma mesa de madeira com algumas ferramentas dignas dos piores filmes de terror. Era como se eu acordasse dentro de um pesadelo.Pavor circulava por minhas veias.Deus, onde estou? O que vai acontecer comigo?Estou amordaçada e amarrada em uma cadeira. Coisa boa é que não vai acontecer. Será que minha irmã também foi pega? Será que machucaram ela? Quem são esses psicopatas?As perguntas na minha cabeça não paravam.A porta se abriu e o homem apareceu, o mesmo que sentou a minha frente no restaurante. Ao vê-lo surgiu uma pequena esperança de que fosse apenas uma brincadeira sem graça de Jessica. Se fosse eu nunca a perdoaria... mas preferia mil vezes que fosse isso.Tentei pedir para me soltar, mas a mordaça impedia minha voz, só saia sons estranhos.Ele se foi sem dizer uma palavra sequer. Só me olhou por alguns segundos com seu sorriso maldoso.Vez ou outra esse homem aparecia. Ele olhava para mim, balançava
AntônioChegar até Jessica naquele restaurante foi mais fácil do que pensei. Estávamos de olho nela e descobrimos que reservou todo o lugar. A pessoa que seguia seus passos descobriu que ela filmaria ali. Eu não queria nem imaginar que merda essa vadia filmaria.Ela estava sozinha quando entramos no restaurante. Era de um dos Pereira, então os funcionários sabiam exatamente o que aconteceria se ligassem para a polícia. Quanto a ligar para o dono, isso certamente fariam, então eu tinha pouco tempo.Sentei a mesa, de frente a ela. O demônio é belo, capaz de enganar até Deus, se não soubéssemos a sujeira por trás dessa cara de anjo.Ela agiu como se não soubesse quem eu era. Até quando acordou amarrada em uma cadeira. Olhava para o vestido que expunha suas pernas como se tivesse medo que arrancássemos ele.Não sei como uma pessoa que faz o que ela faz tem medo de estar no lugar de uma de suas vítimas. Para sua sorte, eu sou incapaz de algo assim, ainda que ela mereça. Sou incapaz de faze
AntônioCom muita raiva de mim mesmo por estar sentindo pena dessa vadia, ajoelhei no chão para cuidar de fazer arte na sua perna. Só mais uma e a deixo aos cuidados de alguém para que esteja pronta quando eu quiser continuar minha arte.Mal comecei quando meu celular começou a tocar atrapalhando a tortura. O aparelho estava sobre a mesa, perto de vários instrumentos. Deixei a vaca da Jessica curtindo as sensações e fui até a mesa. Vi que era uma mensagem de voz de Alexandre, mas decidi ouvir. Não estou com pressa mesmo.― Pausa para o café ― debochei. ― Depois que atender vou colocar uma música para nós. Gosta de rock?Jessica só me olhava. Acho que desistiu de rosnar na mordaça. Deve ter entendido que daqui só vai sair morta.Empurrei minhas ferramentas na mesa, sentei nela e coloquei a mensagem para reproduzir, enquanto olhava minha arte recém feita.“Irmão, está fazendo o que? André e Amanda estão aqui com a Beatriz e vão ficar para jantar. Amanda disse que vai sair para beber mai
AntônioEu não sei o que fazer. Me sinto como aquela criança que ficou para trás, aquele menino machucado, tão impotente quanto naquela época.Essa mulher em meus braços é inocente. Eu nunca na minha vida machuquei um inocente, sequer imaginei que um dia o faria. Sinto que minha cabeça vai explodir. Tenho vontade de explodir com um tiro. Só assim abafaria seus gritos de dor tão fortes ao ponto de escapar da mordaça.Eu marquei essa mulher, não só fisicamente. Eu lhe mostrei o medo, a impotência, assim como fizeram comigo, assim como Jessica fez com aquelas crianças.Não importa se são fisicamente iguais, não importa se não tinha como saber. Eu devia saber. Devia ter entendido os sinais do meu corpo tão incomodado com o que fazia.A levei para o meu quarto. Não havia ninguém na casa. Dispensei todos. A coloquei na minha cama.Ela acordou. Mas não dizia coisa com coisa. Falava algo sobre morte e caos, ração e caos. Deve estar delirando.Preciso fazer alguma coisa. Preciso chamar um médi
AntônioAinda estava com o bisturi na mão, olhando para ela dormindo.Meus olhos procuravam pequenas diferenças para sempre saber quem era Cora e nunca mais permitir que algo assim aconteça. A única coisa que gritava era o corte no rosto.Pensava em como compensá-la. E mal sentia minha mão levando o bisturi ao meu rosto. Só quando o corte começou foi que entendi que realmente queria isso.O corte já estava no fim quando alguém puxou o instrumento da minha mão. A voz era de Amanda.― Que porra é essa, Antônio? Caralho! ― ela me olhava como se assistisse um filme de terror. Seus olhos negros estavam arregalados. Nunca os vi assim. E eu me sentia dormente, impotente diante da situação. ― O que está fazendo? ― insistiu.Não respondi, apenas a olhava, sem realmente ver.― Fala, porra! ― ela me balançou e entendi que não pararia enquanto eu não reagisse.Eu queria falar, da mesma forma com que falei com Cora, mas não conseguia. Então usei os sinais de sempre.“Não é ela.” ― disse e repeti “