Anna MullerEu me olhava no espelho, ajeitando o véu com mãos trêmulas. O vestido branco, simples e delicado, parecia mais leve do que o peso que eu carregava no peito. Seis meses desde o noivado, e finalmente estava pronta para dar esse passo. Casar-me com João. Meus olhos se perderam por um instante no reflexo, buscando a mulher que eu esperava ser: confiante, apaixonada, decidida. Mas, por dentro, um turbilhão de emoções me assombrava.Senti um nó na garganta ao sair do apartamento. Era isso. Não havia volta agora. Meus pensamentos se misturavam com as memórias de todos os momentos que me trouxeram até aqui, desde a primeira noite em Cambridge até o dia em que João me pediu em casamento.O motorista da Helena estava na porta, esperando para me levar até a mansão. A cerimônia seria no jardim, algo íntimo, apenas com a presença da família e alguns poucos amigos. Perfeito, eu pensava, enquanto respirava fundo, tentando acalmar meu coração acelerado. Entrei no carro, ajustando o vestid
Anna Muller Acordei com uma dor pulsante na cabeça, como se mil martelos estivessem batendo ao mesmo tempo. Meus olhos se abriram lentamente, e a luz fraca que entrava pelas janelas quebradas do galpão me fez piscar repetidamente. O lugar era frio, úmido, com cheiro de mofo e abandono. Pisquei algumas vezes, tentando clarear a visão e entender onde eu estava. A memória foi voltando aos poucos: o carro, o motorista, o cheiro forte. Senti meu estômago revirar.Quando finalmente consegui focar, percebi que não estava sozinha. Harry estava de pé, parado a poucos metros de mim, com aquele sorriso sarcástico que eu conhecia tão bem. Ele estava impecável, como sempre, vestindo um terno cinza que contrastava com o ambiente decrépito ao nosso redor. — Finalmente acordou — ele disse, a voz fria e carregada de desprezo. — Você sempre teve o hábito de estragar meus planos, Anna. É a segunda vez que você não se casa. Primeiro, me deixou no altar, e agora quer casar com aquele moleque? Não vou pe
João Collins Espera a chegada de Anna com um nó no estômago, uma sensação ruim que eu não conseguia explicar. Hoje deveria ser o dia mais feliz da minha vida, o dia em que eu finalmente me casaria com Anna. Mas algo estava errado. A manhã passou em um borrão de preparativos e pessoas correndo para todos os lados, mas minha mente estava focada apenas em uma coisa: Anna.Olhei para o relógio pela décima vez. Anna estava atrasada. Ela não era de se atrasar, muito menos em um dia como hoje. Tentei respirar fundo, me convencer de que era só nervosismo, que logo ela apareceria e tudo ficaria bem. Mas o incômodo persistia, um aperto no peito que não me deixava em paz.Meu celular vibrou sobre a mesa, interrompendo meus pensamentos. Corri para pegar o aparelho, esperando ver uma mensagem dela, alguma explicação para o atraso. Quando abri a mensagem, senti como se o chão tivesse se aberto sob meus pés."Não posso me casar com você, João. Não te amo. Adeus."Li aquelas palavras várias vezes,
João CollinsO carro derrapou na curva, fazendo meu coração quase saltar do peito. Meu tio Joseph dirigia com uma velocidade desesperada, e eu não conseguia desviar os olhos do GPS no celular de Helena. A localização de Anna piscava na tela, nos guiando por ruas cada vez mais escuras e desertas. Eu apertava o assento, com o peito em chamas, esperando que estivéssemos chegando a tempo.Finalmente, o galpão apareceu à nossa frente, uma construção decadente cercada por mato e escuridão. Joseph parou o carro com um solavanco, e todos saímos em disparada. Meu pai, Jack, liderava o caminho, com a expressão de um homem decidido a enfrentar qualquer coisa para salvar quem ama.— É aqui! — Helena apontou, com a voz trêmula, enquanto corríamos para a entrada. A porta de metal estava entreaberta. Joseph e meu pai a empurraram, e o rangido agudo ecoou pelo galpão vazio. O lugar estava quase escuro, exceto por uma fraca luz pendurada no teto que oscilava, criando sombras dançantes nas paredes. No
João CollinsOs anos passaram como um borrão. A vida seguiu seu curso, com dias longos e noites ainda mais longas, especialmente durante os intensos anos de residência e especialização. Finalmente, eu estava formado em Medicina e trabalhando no mesmo hospital onde minha tia Helena era uma das cirurgiãs mais respeitadas. No meio das emergências e das intermináveis cirurgias, minha paixão pela neurocirurgia floresceu, preenchendo um vazio que eu nem sabia que estava lá.Minha rotina era exaustiva, mas gratificante. Cada dia trazia novos desafios, novos pacientes, e eu me entregava de corpo e alma à profissão que tanto amava. Mas, inevitavelmente, algo ficou pelo caminho. Anna e eu estávamos juntos, mas as obrigações e responsabilidades começaram a criar uma distância que, às vezes, parecia inalcançável.Anna havia retomado sua carreira na universidade, agora como professora titular e pesquisadora. Nosso filho, Alexander, crescia rápido, enchendo nossos dias de pequenas alegrias e moment
João CollinsO sol já se escondia no horizonte quando chegamos ao resort, a pouco mais de uma hora do hospital onde trabalho. Era um lugar tranquilo, cercado por montanhas e com um lago que refletia o céu alaranjado do final de tarde. Anna estava radiante, e Alexander corria de um lado para o outro, fascinado com as novidades do lugar. Eu me sentia aliviado de estar ali, finalmente longe das paredes brancas e da correria interminável do hospital. Por alguns momentos, tudo parecia perfeito.Passamos a manhã explorando o resort, entre mergulhos na piscina e brincadeiras na área de recreação infantil. Pela primeira vez em meses, pude aproveitar a presença da minha família sem a constante sombra das responsabilidades profissionais. No fim da tarde, exaustos, voltamos para o quarto. Anna e Alexander adormeceram rapidamente, e eu fiquei sentado na varanda, admirando o pôr do sol, sentindo um raro momento de paz.Meu celular vibrou em cima da mesa, quebrando o silêncio. Olhei para a tela e v
João CollinsJá fazia um mês desde o velório, e a dor continuava esmagadora. Cada dia parecia um borrão de horas que se arrastavam, sem propósito, sem direção. Eu acordava e ia dormir com o mesmo peso no peito, uma sensação constante de vazio que parecia impossível de preencher. A ausência de Anna e do nosso filho era uma ferida aberta, que doía a cada respiração. Meus pais e minha tia Helena vieram me visitar, e eu sabia que estavam preocupados, mas eu não tinha energia para tranquilizá-los. Era como se eu estivesse preso em um ciclo interminável de tristeza.Sentados na minha sala de estar, todos nós parecendo desconfortáveis, eles me observavam como se procurassem algo de João que já não estava mais lá. O silêncio era denso, interrompido apenas pelos ocasionais sons da cidade lá fora. Finalmente, Helena quebrou o silêncio com uma voz suave, mas firme. —João, nós entendemos o quanto isso tudo está sendo difícil, mas você não pode se entregar dessa forma.—ela disse, sua expressão er
Alexander Muller Estava sentado no consultório do diretor do hospital, as luzes fluorescentes lançando um brilho frio que combinava com a atmosfera da conversa. O diretor, um homem de meia-idade com óculos finos e uma expressão de cansaço, me observava do outro lado da mesa. Ele folheava alguns papéis, mas seu olhar estava fixo em mim, avaliando.— Alexander, eu entendo sua dedicação ao trabalho. Todos nós aqui reconhecemos o quanto você tem se esforçado, especialmente depois do que aconteceu. — Ele fez uma pausa, como se tentasse escolher as palavras certas. — Mas você não pode continuar assim. Trabalhando sem parar, cobrindo todos os plantões... você está se matando aos poucos.Eu me remexi na cadeira, sentindo o peso de suas palavras, mas ainda resistindo à ideia de desacelerar. Trabalhar era a única coisa que me mantinha longe dos pensamentos que me atormentavam.— Eu estou bem. Prefiro me manter ocupado — respondi, tentando parecer convincente.Ele suspirou, empurrando os óculos