— A empresa tá fazendo quantos anos? — perguntei.
— Quinze anos. — respondeu Ulisses olhando o trânsito à frente.
— Tu tá nela a quanto tempo?
— Um uns nove anos, incluindo meu período de estágio e como atendente.
— Tu sempre trabalhou nessa empresa?
— Eu fiz faculdade particular e meus pais se viravam nos trinta pra pagar, além das despesas que eu tinha aqui na cidade enquanto eles estavam em Santos.
— Santos é muito longe daqui?
Fomos em toda parte menos ao bar já que beber não era do feitio de Ulisses e o banheiro masculino por razões óbvias.— Manda uma mensagem pra ele — sugeriu Suzy.— Por que tu não manda?— Olhe, eu vou mandar mas não se acostume não, viu? Resolva seus próprios problemas.— Qual o problema de tu falar com ele?— Lis, quem tem o rabo preso com ele não sou eu não, é você.— E quem disse que eu tenho rabo preso com aquele tabacudo?... Sabe de uma coisa? Eu mesma
— Não sei onde é que eu tô errando. — disse Ulisses para mim e para Suzy no bar.— Quer que eu faça uma lista? — perguntei.— Vai Lis, eu tô falando sério.— Eu também. Na verdade a gente já falou demais e tu nunca quer ouvir. — Senti Suzy pisando no meu pé de leve — Oxe… Por que tais pisando no meu pé eu tô mentindo, é?— Lis, vamo conversar sobre isso em outro momento. Acho que agora o Ulisses precisa é de apoio.— Apoio? Eu mesma não vou apoiar essa safadeza, não.
Chegamos antes de Ulisses no bar. Amarramos os balões azuis nas costas das cadeiras e até mesmo nos copos. O bolo era de prestígio com duas velinhas brancas no topo, uma com o número três e outra com o número um. Pedimos cervejas e uma porção de batata frita. Conversámos empolgados sempre de olho na entrada do bar esperando Ulisses chegar, ele costumava ser pontual, mas agora eram nove da noite e ele ainda não havia chegado. Eu só poderia ficar até às onze e meia, mas não queria sair sem lhe dar um abraço de feliz aniversário e entregar a ele a minha lembrancinha nada ortodoxa. — Será que aconteceu alguma coisa? — questionou Paulo segurando o celular no ouvido, ele tentava ligar para Ulisses pela quarta vez e só caía na caixa postal. — O que a gente faz, hein? —
— Eu posso ir com Paulo e Suzy. — falei. — Eles moram do outro lado da cidade e a sua casa é na direção da minha. Não faz sentido eles te levarem. — respondeu Ulisses prendendo o cinto. — Pelo menos tu ia poder ficar um tempo sozinho. — E pensar bosta? Melhor ter você aqui falando bosta pra me irritar. — disse sorrindo. — Tu é que só fala merda, menino! O tempo todo! Tem vergonha nessa tua cara. — falei furiosa. Abrindo um sorriso largo ele deu partida no carro. Mas na verdade toda viagem foi em silêncio, eu não tive coragem de interromper seus pensamentos, ele estava alheio ao que acontecia ao redor, com o cenho franzido e dirigindo no auto
No dia seguinte, chegamos à SB Koffee, com os funcionários que já estavam lá antes mesmo de abrir, Ulisses foi chamando um a um a sua sala para conversar em particular. Seu objetivo era investigar os abusos da Laura e, para cada confirmação, oferecer apoio para que houvesse uma denúncia conjunta de todos os que tivessem sido vítimas dela. Até então uma coisa era muito conveniente, Laura não havia dado sinal de vida.— E aí Ulisses? — perguntei — Como tão as investigações?— Ao que parece algumas pessoas realmente confirmaram agressão verbal, injúria, abuso de autoridade nos momentos em que eu não estava, entre outras coisas. Mas poucos querem denunciar, mesmo sabendo que teria meu apoio
Eu estava na calçada sem saber se seguia para a esquerda, para a direita ou se atravessava a rua. Minha mente estava tão cheia que eu sentia pontadas na parte de trás da minha cabeça. Eu pensava na escola da minha filha e que sem a escola ela não teria mais acesso a psicoterapia; as despesas da casa da minha tia que agora teria que arcar com tudo sozinha; o curso barista, um dos melhores do mundo, que eu estava quase me formando e não teria condições de dar continuidade por conta própria; que Fábio poderia usar isso para pegar a guarda de Flor; como eu diria tudo isso para a minha família; Ulisses que nem eu nem sabia o motivo da demissão mas deveria ter sido por minha causa e agora uma guerra declarada na justiça. Enfim, tanta coisa passando na minha cabeça que eu não conseguia decidir por onde iria começar. Dei o primeiro
A cor natural da pele de Flor era um café com leite, com um toque de chocolate da minha parte e o leite vinha de Fábio. Mas naquele momento ela estava da cor de jabuticaba e ria como uma hiena. Olhos vermelhos por causa do cloro da piscina e nariz escorrendo por causa do picolé de chocolate que segurava. Ao seu lado esculhambado quase ao mesmo nível estava Bruno. Um garoto muito fofo de olhos castanhos, cabelos lisos e a pele cor de canela. Bruno e Flor se tornaram amigos inseparáveis e juntos estavam quase derrubando a casa dos pais de Ulisses. Sim. Nós viemos junto com Ulisses. Ele nos prometeu que antes de vir de vez queria pelo menos passar uns dias com a família, para depois resolver suas pendências no centro de São Paulo. Assim sendo, e já que não tinha nad
Suzy e Paulo chegaram na noite anterior e logo cedo Ulisses cumpriu sua palavra de nos levar para o Museu do Café.— Engraçado que eu achei que vocês iriam querer ver a praia daqui. — disse Ulisses para nós.— Mas menino!... Eu nasci e fui criada na praia que nem caranguejo. Mas vai ser a primeira vez que eu vou conhecer um pólo mundial de café!— Pois é… A praia eu também já conheço mas vir pra Santos sem visitar o Palácio da Bolsa Oficial do Café seria um desperdício pra uma barista. — falou Suzy.— Quem dera tivesse um museu do açúcar em Recife. — comentei.