Rafael olhou para o rosto aparentemente calmo de Gabriel e comentou, em tom cauteloso:— O senhor não parece tão bêbado assim… Ainda lembra quem eu sou, né?“No fim das contas, queria ligar pra Beatriz… E acabou ligando pra mim.”— Ele bebeu demais, sim. — Enfatizou Vitória, apressada. — Se não tivesse, não estaria sentado na calçada desse jeito, todo perdido.Rafael a encarou por alguns segundos. Sabia exatamente como aquela história terminaria se deixasse Gabriel sair dali com ela: caos, escândalo e arrependimento.Por isso, com firmeza, declarou:— O Sr. Gabriel está bem. Tá sóbrio. E tem duas reuniões internacionais marcadas pra essa tarde. Ele não pode faltar.Vitória, já com a boca aberta para sugerir que as reuniões fossem adiadas, foi rapidamente interrompida:— São projetos de bilhões. Se atrasar... Quem assume a responsabilidade? Você acha que pode lidar com isso?Vitória engoliu seco.Bilhões...Se Gabriel descobrisse depois que ela tentou impedi-lo de ir, estaria ferrada. E
Em meio a tanta contradição e confusão emocional, Gabriel foi tomado por uma raiva silenciosa. Com o semblante fechado, limpava os respingos de café da mesa com movimentos irritados.— A Beatriz tá se achando demais… Já são quatro dias com essa pose toda. Tá até esquecendo o sobrenome, pelo visto. — Resmungou, com amargura. — Com esse gênio, se fosse em qualquer outra família, já tinha sido posta pra fora. Não tem nome, não tem herança, e ainda não sabe valorizar o posto de Sra. Pereira. Tem uma boca, mas não sabe usar. Se não sabe conversar, pra que serve essa boca, afinal? A culpa é toda dela, mas age como se o mundo inteiro devesse alguma coisa para ela. Francamente...As palavras saíam como veneno. Gabriel jogava cada frase como se fosse uma descarga de frustração acumulada, jogando toda a culpa nela.Rafael, parado ao lado, assistia à transformação do Sr. Gabriel em um verdadeiro “marido rancoroso”. Ele não parava de resmungar, feito uma alma penada, despejando mágoa em cada frase
Gabriel olhou fixamente para a porta, sem reação, como se tivesse levado um tapa invisível.“Encarar o que sente?”O que aquilo significava?Desde quando ele não encarava seus sentimentos?Arrependimento?Do que ele se arrependeria, afinal?Que piada.Gabriel nunca se arrependeu de nada na vida.Nada.Pegou o documento que estava ao seu lado, mas, por mais que tentasse, não conseguia se concentrar. Acabou colocando o celular bem no centro da mesa, à sua frente, como se isso garantisse que não perderia nenhuma ligação.Mas, durante as horas seguintes, todas as chamadas que recebeu eram de funcionários, nenhuma da pessoa que ele, de fato, esperava.Do outro lado da cidade, em plena tarde.Beatriz caminhava tranquilamente entre os balcões de maquiagem ao lado de Letícia. Compraram cosméticos, perfumes, depois bolsas e alguns acessórios. Encerraram o passeio com um bom churrasco.O celular de Beatriz voltou a vibrar sobre a mesa. Ela lançou um olhar rápido para a tela e virou o aparelho co
Gabriel apertou os lábios e hesitou por longos minutos, até que, por fim, decidiu voltar para casa dirigindo.Beatriz não atendeu nenhuma de suas ligações. Será que estava mesmo sem celular... Ou o bloqueou de propósito?Ele havia comprado um aparelho novo para ela. Se o celular não estava mais em casa, significava que ela o levara consigo, o que queria dizer, sim, que o bloqueou. Pelo menos assim, se houvesse uma briga, ele teria argumento. Não sairia como o errado.Mas... E se ela não estivesse usando o aparelho?Como estaria passando os dias no hospital, então? Assistindo televisão? Lendo jornal?Com a cabeça cheia de dúvidas e agarrando-se a uma última esperança de ter alguma confirmação, Gabriel voltou ao condomínio.Subiu direto pelo elevador até o andar de sempre, abriu a porta do apartamento e seguiu reto até o quarto de hóspedes.A porta não estava trancada. Ele empurrou e, ao abri-la, parou de repente.A cama estava completamente vazia. Sem travesseiro, sem cobertor, apenas o
Como ele não sabia?!— Você é o quê dela? — Perguntou a enfermeira, surpresa com a reação dele.— Eu… Sou o marido dela. — Murmurou Gabriel, num fio de voz quase inaudível.A enfermeira franziu a testa, olhando-o de cima a baixo, com evidente desconfiança.— Se vocês são casados... Como é que você não sabe que ela teve alta?Gabriel não respondeu. O olhar perdido, vazio. A mente, completamente em branco.Alguns segundos se passaram antes que, de repente, ele despertasse e disparasse escada abaixo.“Se Beatriz teve alta ontem de manhã... Por que não voltou para casa?Para onde levou os travesseiros e os cobertores?Será que... Será que ela está morando com alguém?Teria alugado um apartamento?Mas com que dinheiro? Ela não trabalhava havia dois anos.Foi o avô dela quem deu?Não...Talvez... Talvez ela...Esteja morando com aquele veterano?!”A ideia atingiu Gabriel como um soco no estômago. O pânico foi rapidamente engolido por algo ainda mais avassalador: raiva.Os ciúmes e a fúria cr
Quando foi que ele assinou aquilo?Beatriz nunca tinha entregue aqueles papéis para ele!Se tivesse visto, como poderia ter assinado? Impossível!A mente de Gabriel girava em círculos, tentando lembrar em que momento tudo poderia ter saído do controle. Segurava o pedaço de papel entre os dedos, perdido em pensamentos, até que algo o incomodou.O toque... Estava estranho.Aquela assinatura... Não tinha a textura de uma caneta sobre o papel. Nada de relevo.Levantou o papel até a altura dos olhos, analisando com mais atenção.Cópia?!Passou os dedos de novo, desta vez mais devagar.Sim. Era uma cópia.Uma maldita cópia.No mesmo instante, o desespero cedeu lugar a uma nova explosão de raiva.— Beatriz! Sua louca! Você falsificou isso?! Tá me pregando uma peça com uma cópia falsa?! — Gritou, com os dentes cerrados, fora de si.Achou que era real. Achou que tinha mesmo assinado aquele acordo de divórcio.E ficou apavorado. Confuso...Não! Que bobagem!Ele não ficou apavorado, tentou conven
Beatriz estava simplesmente sem palavras. Ter se casado e vivido por dois anos com uma pessoa como aquela? Só de pensar, já sentia vergonha alheia.— Bia, tá tudo bem aí? — Letícia voltou com as cervejas e encontrou a amiga revirando os olhos, com aquela expressão clássica de “não aguento mais esse circo.”— Tudo certo. Só me irritei com um vendedor idiota. — Respondeu Beatriz, com um sorriso sereno.Mas era mentira.Ela sabia que tinha sido burrice da própria parte ter lido todas aquelas mensagens de Gabriel. Se já o tinha bloqueado, não devia nem ter dado esse gostinho de atenção.— Eu disse que devia ter deixado eu dar uma resposta bem dada pra esse otário. — Disse Letícia, sentando-se novamente. — Mas você, sempre boazinha, teve pena.— Eu bloqueei, sim. Só que mesmo bloqueado... Eu ainda fiquei com raiva depois de ver o que ele mandou.As duas brindaram e continuaram a comer. Beatriz jogou o celular de lado no sofá, sem nem olhar mais para ele.Seu desprezo silencioso contrastava
Vitória olhou para as marcas vermelhas em seu braço e, fingindo não saber de nada, perguntou com inocência:— O que foi que aconteceu, afinal?Gabriel estava sentado no sofá, de cabeça baixa, envolto por uma aura pesada de desânimo. Murmurou, quase num sussurro:— A Beatriz... Foi embora.— A Bia tá no hospital, não tá? Você ainda tá de ressaca daquele almoço, é isso? — Comentou Vitória, tentando soar leve.— Não... Ela já saiu de lá. A enfermeira disse que teve alta ontem de manhã... — Respondeu Gabriel, com o olhar perdido.— Sério? Nem eu nem você ficamos sabendo disso... — Disse ela, surpresa.— O quarto dela estava todo arrumado, limpo... Só deixou o celular que eu comprei para ela e... — A voz dele foi sumindo no ar.— E o quê mais? — Insistiu Vitória, fingindo curiosidade.Gabriel cerrou os dentes e fechou os punhos com força, dizendo entre os dentes:— Um monte de papel inútil, cópias... Achou que ia me intimidar com isso? Que idiota!Ao ouvir aquilo, Vitória franziu o cenho. C