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02. O Castelo, O Rei e o Quarto

Dentro o castelo era ainda mais deslumbrante e enorme do que pelo lado de fora. O piso branco com detalhes pretos quase cegava de tanto que brilhava. Tapetes belíssimos espelhados em cantos estratégicos e mais bandeiras na entrada de outra porta imensa. Desta vez reparei melhor na bandeira, havia o mesmo desenho da caixa. Coloquei a mão, com certa dificuldade por causa das algemas, em minha mochila e senti algo além dos meus cadernos.

– O que está fazendo? – desta vez ele não gritou comigo.

 – Espere um minuto! – esqueci da forma autoritária como ele me tratava.

– Nem mais um movimento! – ele levantou a voz – Pensa que sou tolo?

– O que? – achei graça – Na verdade penso que você é um idiota!

Ele bufou novamente e deu um puxão com a corda que estava amarrada as algemas. Quase vi meu rosto indo de encontro com o chão neste momento. Por incrível que pareça eu estava tendo sorte, ainda não havia me machucado. Eu realmente devia estar com sorte. Apesar de que ser presa, algemada, amordaçada e ainda ter a possibilidade de perder a cabeça não são bem a minha visão de “ter sorte”.

Paramos em frente a duas grandes portas fechadas. Alexis fez um gesto e homens de armadura abriam as portas sem muita dificuldade.

A outra sala era ainda mais incrível, provavelmente era a sala principal. Haviam longas cortinas nas imensas janelas, o piso tão brilhante quanto o da entrada, algumas estantes cheias de livros e, no centro, uma escadaria que se ajeitava à esquerda, acima de uma grande porta – mas nem se comprara ao tamanho da primeira porta, que era realmente grande.

– Príncipe Alexis!

– Príncipe Alexis!

– Príncipe Alexis!

– Príncipe Alexis!

– Príncipe Alexis!

Não sei dizer exatamente quantas vezes ouvi essa exclamação seguida de uma reverencia ao “príncipe”. Ela vinha de todos os lados, de vários tipos de pessoas. Homens, mulheres, camareiras e soldados todos pareciam ter apenas isso para dizer.

– Príncipe Alexis! – dois homens de armadura se aproximaram.

– Vigie está “senhorita”! – novamente ele foi mais gentil com um homem de armadura do que comigo.

– Prisioneira? – um deles perguntou.

– E traidora! – ele sorriu.

– Entendido! – um dos homens de armadura respondeu e novamente fez uma reverencia ao “príncipe”.

Alexis, ou seja lá qual for a forma como devo chamá-lo, entrou na sala abaixo da escada e fechou as portas.

– Será que posso me sentar? – perguntei a um dos guardas, mas fui ignorada. – Eu vou me sentar! – novamente fui ignorada.

Sentei-me no chão, mas um dos homens de armadura puxou a corda e não me deixou ficar sentada.

– O que é isso? – gritei – Se não queria que sentasse, pelo menos dissesse!

Tentei tirar a minha mochila, mas fui impedida novamente. O algo extra que estava lá ainda me incomodava.

– Eu só queria ver o que estava na minha mochila! – acho que nem preciso dizer que fui ignorada.

Quis tentar novamente, mas para minha segurança preferi ficar quieta. Não sabia até onde eles poderiam ir com uma “espiã de Leo qual quer coisa”.

Fiquei observando melhor o castelo e seus pequenos detalhes. As cortinas vermelhas com cordas douradas me fizeram lembrar a caixinha. As bandeiras com o desenho da tampa também estavam ali, como na sala anterior. Havia na escada um longo tapete vermelho, belíssimo, que acabei não reparando antes.

– Vocês são sempre assim... Caladões? – não sei o motivo de estar puxando conversa.

Não digo que o silêncio era total por que eu ainda ouvia alguns sons baixos. Ouvia alguns guardas do lado esquerdo da sala conversando bem baixinho, ouvia uns ruídos vindos da sala onde Alexis havia entrado, uns murmúrios vindos de uma porta a direita de onde estava – porta que também não havia reparado – e muitos sons que pareciam vir de dentro das paredes.

De repente, um susto. A porta da sala onde Alexis havia entrado se abre de forma barulhenta e Alexis sai um pouco nervoso.

– Dei-me! – desta vez ele tratou os homens de armadura da mesma forma como me tratava.

O homem de armadura rapidamente entregou para o Alexis a corda que me prendia. O tão poderoso "príncipe" me puxou sem dizer nada. Os guardas entraram conosco e pude ver que mais dois guardas apareceram para substituí-los.

– Veja, está é a traidora! – ele me empurrou com tanta força que fui ao chão.

Quando me recuperei do susto, vi que estava em uma sala imensa, com um longo tapete também vermelho. Segui com os olhos até o fim do tapete e me deparei com uma longa cadeira com o forro vermelho e vários detalhes dourados e outra cadeira, um pouco menor, a esquerda.

– Não parece uma espiã de Leone! – falou um senhor com porte de rei e barba marrom.

– Mas deve admitir que nunca vimos tal moça antes. – o insuportável começava a falar. – Ela apareceu dentro das propriedades do castelo, nunca antes alguém conseguiu invadir com tanta facilidade os territórios reais. Ela só pode...

– Espere um pouco! – arrisquei minha cabeça interrompendo.

– Isto que disse sobre atrevimento exagerado? –Outro homem, com uma aparecia mais jovem que a do rei e uma voz um tanto afeminada falou.

– Sim, é exatamente isto! – Alexis sorria maliciosamente.

– Vamos deixar a mocinha falar! – o senhor de barba marrom ganhou minha simpatia.

 – Obrigada! – fiz uma reverencia automática – Eu estava indo para escola quando passei na padaria com a Camila...

– Quem é Camila? – Alexis parecia fazer de propósito.

– Camila é a minha amiga! – tentei não piorar minha situação e fui educada.

– É onde está essa Camila agora? – o homem de voz afeminada já estava na minha lista negra.

– Eu também gostaria de saber! – fui um pouco mais rude. Ele me olhou com nojo e torceu o nariz. – Eu estava na padaria com a Camila e ela me disse que estávamos atrasados para escola, mas não estávamos.

– Espere um pouco! – Alexis novamente – Vocês estavam ou não estavam atrasadas? Está história está muito estranha!

– Nós não estávamos atrasadas, mas ela pensou que estivéssemos. Parece que o relógio dela havia parado. – voltei com a minha história tentando não me estressar – Depois disso eu tropecei em algo e machuquei os joelhos.

– Isso explica o estado deplorável que suas pernas se encontram! – o homem de voz afeminada.

– Mas isso pode ter sido durante a invasão ao castelo! – Alexis realmente queria a minha cabeça.

– Sim, pode ter sido! – o homem de voz afeminada jogava a mão direita na frente do rosto como se não concordasse muito, mas estivesse deixando passar.

 – Deixem a mocinha continuar, não a interrompam mais. Isso é uma ordem! – eu realmente havia gostado do homem de barba marrom.

– Onde eu havia parado?... Sim, na parte em que eu cai! – continuei mais aliviada. O homem de barba marrom parecia ter a palavra final. – Camila viu os meus joelhos e, exagerada como sempre, foi chamar ajuda. Eu resolvi procurar o que havia me derrubado e acabei encontrando uma caixinha vermelha...

– Uma caixinha? – desta vez o homem de barba marrom que interrompeu.

– Se me permiti, eu gostaria de conferir uma coisa? – aproveitei para tirar uma suspeita.

– Papai, pode ser perigoso. Ser for uma armadilha? – Alexis respondeu minha pergunta. O homem de barba marrom era o rei.

– Permissão concedida! – era tão bom ter a confiança do rei.

Abri minha mochila e joguei tudo o que tinha dentro no chão. Caiu cadernos, livros, bolsas, minhas maquiagens, um espelho e – como desconfiava – a caixinha.

– Está é a caixa! – tentei entregar ao rei, mas fui impedida pelos guardas.

Dei um passo para trás e Alexis tomou a caixa de minha mão. Ele olhou superficialmente para caixa, passou para o homem de voz afeminada que passou novamente para Alexis.

– A última coisa que me lembro depois de ter aberto a caixa é ver o seu filho me encarando. – conclui a história.

– Dei-me a caixa! – o rei agora estava muito sério.

– Tem certeza papai? Pode ser uma armadilha! – Alexis, o falador.

– Dei-me a caixa! – neste momento pude ver de onde Alexis puxou o jeito autoritário.

Enquanto o rei olhava a caixa, fiquei reparando nas roupas de todos os que estavam na sala. Alexis vestia uma longa calça marrom e sapatos que pareciam típicos de montaria. Usava uma camisa bege longa, cujas mangas pareciam amarradas a outra camisa de cor marrom escuro. Usava também uma capa marrom claro e uma bolsa branca amarrada na cintura. Tinha um único cordão, com um pingente vermelho e usava dois brincos na orelha direita. 

O homem de voz afeminada vestia um blazer vinho com detalhes lilás e roxo, usava luvas brancas e deixava amostra à gola da camisa que usava por baixo, totalmente branca.

O rei vestia uma longa capa vermelha, com uma camisa branca. Assim como o filho, havia uma longa manga amarrada a outra camisa, mas desta vez era preta. Suas calças eram grandes, feito balões, e tinham uma cor meio bege, meio branca. Seus sapatos eram grandes, de cor marrom com detalhes em vermelho. Usava também longos cordões, todos com pedras vermelhas e douradas. Ele usava muitos anéis, dourados e vermelhos e usava cinco brincos, que faziam a volta completa em sua orelha direita.

Os guardas usavam armaduras pretas com detalhes vermelhos e tinham grandes espadas penduradas em um suporte nas costas. Não conseguia ver o rosto dos soldados, apenas os olhos, que não demonstravam nenhum tipo de emoção. 

– Deixem-na em algum quarto por hora. – o meu rei favorito parecia ter salvado minha cabeça – Coloquem guardas vigiando-a, quero conversar melhor com essa mocinha. Depois arrume os cavalos, consigam um colar de rubi para ela e a levem para Neandro, será mais seguro se ela ficar com ele.

– Mas papai...

– Quero que pare de tratá-la como se fosse uma traidora. Ela não é uma traidora, nem poderia ser. – o rei entrou em minha defesa.

– Mas papai...

– Quero também que deixem alguns guardas rondando a casa de Neandro, está mocinha vai precisar de toda proteção possível! - o rei parecia ignorar o filho. Ele estava tomando do próprio veneno.

– Mas papai...

– Você quer que eu ordene mais regalias para essa mocinha? – desta vez ele parecia ter falado diretamente para o filho.

– Entendi. Perdoe-me papai. – ele se curvava diante do pai, que parecia lhe dar a benção ou qualquer coisa do tipo.

– Podem sair! – e o rei finaliza.

Alexis saiu da sala bufando de raiva, enquanto o homem de voz e trejeitos afeminados seguia atrás de mim, observando-me de cima a baixo. Os guardas continuaram na sala do rei.

– Levem-na para algum quarto. – Alexis ordenava com fúria - Não precisa ser um quarto de luxo, apenas digno de ser pisado pelo rei. Meu pai deseja conversar com... essa moça. E vigiem-na, ela pode querer fugir!

Os guardas me acompanharam até a longa escadaria, pude ver outros guardas tomando seus lugares. Um deles entrou em minha frente e o outro passou para trás de mim e subimos as escadas.

Foi uma longa subida e alguns corredores de viagem. Era engraçado ver como todo o castelo se parecia. Paredes bege com tochas espalhadas pelas portas, algumas espadas cruzadas no alto de algumas portas e armaduras do lado esquerdo, onde não havia porta nenhuma. As armaduras ficavam enfileiradas uma ao lado da outra, dando pequenos intervalos entre uma janela e outra.

As portas dos quartos também eram diferentes. As que tinha duas espadas cruzadas eram portas cheias de detalhes, toda em cor vinho, de maçaneta dourada e com o desenho da águia na parte superior delas. Já as outras tinham a cor marrom, a maçaneta de prata, os únicos detalhes eram dois retângulos que ficavam entre o desenho da águia, desta vez no meio da porta.

O quarto escolhido foi um de porta marrom e maçaneta de prata. Devia ser o quarto regular do castelo. Fui jogada como se fosse um saco de frutas podres. Esses soldados definitivamente não sabiam o que era cavalheirismo.

Para um quarto regular, até que ele estava bem confortável. Melhor dizendo, muito confortável. Realmente muito confortável. Se aquele era o quarto “regular” do castelo, realmente prefiro não conhecer o quarto excelente ou correrei o risco de ficar deslumbrada demais.

As paredes – como todos do castelo – era bege, mas neste quarto era em um tom mais claro, suave. Havia cortinas de seda lilás nas imensas janelas brancas. Um belo vaso de flores vermelhas da qual eu nunca tinha visto estava ao lado da janela. A cama era tão grande que caberiam três de mim nela. Estava com um belo lençol lilás, com uma colcha grossa roxa e dois travesseiros tão macios que poderia me perder dentro deles. O tapete continha um desenho belíssimo, me fazendo lembrar quadros de pinturas abstratas.

Havia também um guarda roupas, provavelmente inútil para mim, de cor marrom claro e totalmente entalhado. Minha curiosidade me fez abri-lo e – para minha surpresa – o guarda roupas estava cheio de vestidos e roupas parecidas com as do homem de voz afeminada. Ao lado do guarda roupa, uma cômoda de mesma cor que estava repleta de calças e roupas estranhas. Eram peças grandes e brancas, me faziam lembrar as roupas intimas do século passado – só então me veio à mente que provavelmente eram o que aparentavam ser.

Ao lado da cama havia uma penteadeira, com um belíssimo espelho onde pude ver o quão estranho estava o meu rosto. Minha pele, que já era clara, estava completamente branca e quase sentia o preto dos meus cabelos pularem de mim tamanho era o contraste de cores ali presente. Meus olhos pareciam assustados e quase não se notava a coloração mel de sempre. Meus joelhos haviam parado de sangrar, mas minhas pernas estavam manchadas de vermelho e temia que aquilo pudesse se tornar algo mais grave.

De repente a porta se abriu. Olhei rapidamente para o lado, em direção a ela. Era Alexis e a minha mochila.

– Tome! – ele jogou a mochila em cima da cama. – Caso deseje lavar-se, fique à vontade para usar o banheiro do quarto.

– O que deu em você para ser tão gentil comigo agora? – perguntei debochada.

– Eu apenas estou seguindo os pedidos de meu pai. – ele parecia decepcionado.

– Então você ainda acredita que eu seja espiã do Leo qual quer coisa? – fui simpática.

– Talvez não. Mas ainda irei descobrir o que tanto me incomoda em você! – ele não demonstrou muitas emoções.

– Você é uma pessoa implicante. – provoquei.

– Não tanto como você plebeia! – ele sorriu.

– Quer parar de me chamar assim! – reclamei.

– Eu ainda irei mandar cotar-lhe a cabeça por esses atrevimentos. – ele pareceu brincar desta vez.

– Você não está se achando de mais? – era inevitável não provocar.

– Tem sorte de ter o meu pai ao seu lado, caso o contrário, estaria muito encrencada. – desta vez suas palavras pareciam mais como ameaça.

– Talvez precise aprender muitas coisas com seu pai! – estava mais confiante tendo o rei ao meu lado.

– Como tem coragem de dizer o que tenho e o que não tenho que aprender? – aos poucos ele voltava a ser arrogante.

– É exatamente o que estou falando, você não sabe como tratar as pessoas! – levantei minha voz.

–  Você é realmente uma plebeia atrevida! – ele começava a gritar.

– Pare de me chamar de plebeia, meu nome é Beatriz! – gritei também.

Os guardas entraram e pareciam prontos para qualquer coisa. Isso era um pouco irritante, mas já estava me acostumando a ter tantas pessoas desconfiando de mim.

– Precisa de nós príncipe Alexis? – um dos guardas perguntou.

 – Apenas como testemunhas da forma desrespeitosa como esta plebeia insiste em agir comigo, o Príncipe de Monterra! – pude ver o ego dele atravessando o teto.

– Criatura irritante! – gritei e depois bufei virando-me de costas para ele.

 – Vamos deixá-la sozinha. Já fui insultado mais que o suficiente por hoje! – os guardas o acompanharam até a porta.

Depois que ele saiu resolvi aceitar o conselho do banho, realmente estava precisando de um. E como já era de se esperar, o banheiro era simplesmente incrível.

A primeira coisa que vi quando entrei no banheiro foi a imensa banheira, ao fundo. Havia um espelho bem grande, do qual podia me ver de corpo inteiro. Novamente pude ver o impacto das pessoas quando vi como o meu corpo ficava com aqueles joelhos vermelhos. Talvez eu também pensasse que fosse uma espiã. Ou não.

Haviam toalhas de algodão com o desenho da águia bordado em cada uma delas e uma pia de porcelana ao lado do espelho. Havia o, indispensável em um banheiro, vaso sanitário do qual não pude evitar reparar. O famoso “troninho”.

Tirei minha roupa e relaxei sem medo na água quente da banheira. Relaxei e tentei esquecer o que havia acontecido. Por alguns instantes tive momentos de paz.

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