**Sarah**O ar frio me atingiu quando saí da cabana, e a chuva escorria pelos vidros da janela, como se o mundo exterior sentisse pena do meu tormento interno. O motorista havia deixado o carro e pegado um táxi, me deixando sozinha com meus pensamentos. Cada curva do volante parecia me afastar mais da cabana, e de Cristhian, mas também me aproximava mais das minhas lembranças.Enquanto dirigia, o telefone vibrou no banco do passageiro. Uma ligação de Xavier. Sua voz, sempre firme e controlada, ecoou nos meus ouvidos.— Tive que voltar mais cedo, Rubí. Tem algumas coisas que preciso resolver.A palavra "coisas" me deu um calafrio. Era assim que ele costumava falar, como se o mundo girasse em torno dele e todos nós tivéssemos que nos ajustar à sua agenda. Mesmo assim, tentei manter a calma.— Tudo bem. Te espero em casa.Desliguei, sentindo que cada palavra dita se afastava de mim, como se cada vez que falava com ele, uma parte de mim desaparecesse. Quando cheguei em casa, a solidão me
*Xavier**O silêncio do escritório é perfeito, tão impecável quanto o tapete de lã tibetana sob meus pés, uma peça que custou mais do que alguém do meu passado poderia imaginar. As paredes estão adornadas com obras de arte exclusivas, mas há uma em particular, uma pintura do Renascimento, que ocupa um lugar especial. Eu a comprei em um leilão privado, depois de uma feroz competição com colecionadores que claramente não sabiam com quem estavam lidando. O couro italiano da minha cadeira estala sob meu peso enquanto observo a cidade pela janela. Tudo o que vejo daqui, eu conquistei, peça por peça.— Feito, senhor Xanders — a voz de Julius me tira dos meus pensamentos.Não levanto os olhos da pequena escultura de bronze na minha mesa, uma daquelas edições limitadas que alguns chamariam de "minimalista". Mas o preço dela seria suficiente para alimentar uma família por meses. É irônico.— Feito, senhor Xanders — diz Julius, meu empregado mais leal, depois de desligar o telefone.Assinto, ma
**Xavier**O telefone tocava enquanto eu esperava pacientemente, mas, na minha mente, já contava os segundos. Três toques até Rubí atender. Ela costumava ser mais rápida, mais eficiente nisso. O que estava demorando tanto?— Alô, Xavier — disse, finalmente, com a voz tranquila de sempre, embora não o suficiente para me enganar. Havia algo... uma tensão. Achava que eu não perceberia?— Olá, Rubí — respondi, deixando minha voz soar amigável, como se fosse uma conversa qualquer. Mas não era. — Como vão as coisas?Houve uma pausa. Isso não era comum nela. Nada dramático, mas era o tipo de coisa que sempre percebia. Finalmente, ela falou:— Está tudo bem. — O tom dela estava tão natural, tão perfeitamente ensaiado, que quase podia acreditar. — Acabei de sair da reunião de pais... e, bom, me escolheram presidente da comissão da festa de fim de ano.Ouvi sua risada, leve, encantadora. A mesma risada que enganava todo mundo, menos a mim. Porque eu sabia o que ela não dizia.— Claro que te esc
*Ryan**A manhã tinha passado como um sussurro entre meus pensamentos, e eu me encontrava em um hotel, me refugiando da tensão familiar que tinha explodido desde que enviei o vídeo. Desde então, todos em casa se tornaram sombras, me evitando com uma destreza que me fazia sentir como um estranho na minha própria família. Então, decidi me afastar, procurar inspiração para a próxima aventura que estava planejando e, quem sabe, encontrar um novo lugar onde escrever.A cafeteria era um cantinho aconchegante, cheio de aromas de café recém-feito e doces. Me sentei em uma mesa no canto, abrindo meu laptop enquanto observava as pessoas passarem. O som das conversas se misturava com a música suave, criando uma atmosfera perfeita para deixar a imaginação voar. Mas aquela tranquilidade foi quebrada quando eu o vi.Um homem entrou, vestido de maneira elegante, com um casaco preto e gravata. Ele não se encaixava no ambiente relaxado da cafeteria. Seus movimentos eram muito precisos, como se estives
***Sarah***O dia começou com uma ansiedade que me envolvia, como se o universo inteiro estivesse prendendo a respiração ao meu redor. Xavier não tinha voltado para o jantar na noite anterior, como prometeu, e essa incerteza me deixava inquieta. Eu tinha que enfrentar a rotina, mas hoje era diferente: era o dia da primeira reunião da comissão de pais. Sentia a necessidade de me agarrar ao meu papel, de ser forte.Ao chegar à escola, deixei Addy com a auxiliar na entrada, sentindo o nó no meu estômago se apertar. Caminhei até a secretaria com um objetivo claro, embora minhas mãos estivessem tremendo um pouco.— Você poderia me dizer em qual sala será a reunião da comissão de fim de ano? — perguntei, me esforçando para manter a voz firme.A secretária levantou o olhar, sorrindo com compreensão.— Sala B7.Não fazia ideia de onde ficava essa sala, mas vi que faltava uma hora para a reunião e decidi aproveitar o tempo. Minha mente se concentrou imediatamente em Zacky. Eu precisava vê-lo,
*** Ryan ***Eu tinha esquecido que o Julius estava usando um fone de ouvido, então, quando a ligação entrou, ele ouviu o som da chamada. Não demorou muito para ele voltar à cafeteria; parecia bem agitado, como se sua vida dependesse de recuperar aquele telefone. Por um momento, pensei em esconder o aparelho, mas já era tarde; ele me viu e, mesmo que não tivesse notado que o telefone estava nas minhas mãos, um movimento brusco me daria a certeza de que eu estava escondendo algo. Em vez disso, fiz um sinal levantando o telefone.— Você esqueceu o seu celular — falei, me levantando enquanto ele se aproximava —. Eu estava quase saindo correndo para te levar.Uma camada de suor brilhava na testa dele, e não pude evitar sentir um pouco de empatia pela situação dele. Eu entendia o quanto era irritante perder um celular: os contatos, as fotos, os documentos. Todo um mundo digital, em risco num piscar de olhos, se não tivesse feito um backup. Mas a preocupação dele parecia ir além de perder a
Sarah é RubíRubí e SarahNa penumbra da cabana, estou perdida nos meus pensamentos, a chuva batendo no telhado como um batimento ansioso. Me sinto presa entre dois mundos: o da mulher que fui e o da mulher que desejo ser. Mas, de repente, é como se um espírito que coexiste no meu corpo saísse dele. É uma mulher com cicatrizes no rosto, cabelo bagunçado, os olhos rodeados de olheiras. Faz tanto tempo que não via esse rosto no reflexo do espelho. É Sarah, a parte de mim que ficou oculta, ali, expectante, esperando para ouvir o que tenho a dizer. E é como conversar com uma pessoa diferente de mim, mas ao mesmo tempo sendo dona de um eco de lembranças e emoções que são tanto dela quanto minhas e que não desapareceram.Sarah, você sempre desejou vingança, ela diz, minha voz quase um sussurro. Mas eu... não tenho certeza de que é isso que realmente quero. Às vezes, sinto que todo esse ódio está me consumindo. Será que realmente precisamos machucá-los?Por que duvida, Rubí? pergunta Sarah,
Caminhava alguns passos atrás de Cristhian. De longe, vi Ryan acenando com a mão para que o víssemos onde estava, ou pelo menos para que Cristhian o visse. Eu não devia estar ali, percebi isso no instante em que Ryan me olhou. Seu rosto mostrava surpresa, o que era normal, mas também frustração. Na hora, soube que ele queria falar a sós com o irmão. Comecei a caminhar devagar, quase sem perceber, arrependida de ter ido a esse encontro. —Como vai, Rubí? —ele me perguntou depois de cumprimentar Cristhian. Algo no jeito como ele me olhou e falou comigo estava diferente desde a última vez que nos vimos. Seus olhos verdes estavam cheios de suspeita e curiosidade. Lembrei que Xavier queria que nos aproximássemos de Ryan, por isso eu aceitei o convite de Cristhian para almoçarmos juntos. Mas algo dentro de mim sabia que Ryan estava me encarando de outro jeito. Por quê? Eu não sabia. E se fosse ele? E se era ele a pessoa que me ligou dizendo que sabia o meu segredo? E se ele tinha chamado C