As luzes do apartamento de Dona Vera brilhavam contra o entardecer, emanando uma atmosfera sofisticada que Helena imediatamente percebeu ser o oposto da mansão Vasconcelos. Aqui, tudo parecia mais aconchegante e pessoal, um reflexo direto da dona do lugar.
Helena ajustou o vestido enquanto seguia Eduardo pelo hall de entrada. Apesar de sua postura impecável, sentia o peso de todas as expectativas que recaíam sobre ela. O casamento repentino não era apenas um acordo entre ela e Eduardo — agora envolvia a família dele, que ela teria que convencer. Dona Vera abriu a porta com um sorriso caloroso, a elegância evidente em cada movimento. Vestia um conjunto discreto, mas sofisticado, e sua presença iluminava o ambiente. — Ah, então esta é a famosa Helena! — disse Vera, avançando para abraçá-la com espontaneidade. Helena ficou paralisada por um momento antes de corresponder ao gesto. — É um prazer conhecê-la, Dona Vera — respondeu com um sorriso nervoso. — Nada de “Dona”! Me chame apenas de Vera — corrigiu ela, piscando. Em seguida, virou-se para Eduardo e arqueou uma sobrancelha. — Você finalmente trouxe alguém para eu conhecer. Já estava começando a achar que não tinha coração. Eduardo bufou discretamente, mas manteve o controle. — Helena é especial — disse ele, sem emoção, a frase soando como uma obrigação. — Especial? Isso eu vou decidir — brincou Vera, voltando seu olhar perspicaz para Helena. — Venha, querida. Quero saber tudo! Como vocês se conheceram? E o pedido? Foi romântico? Helena sentiu o coração acelerar. Apesar de ter ensaiado respostas para essas perguntas, a pressão do momento era avassaladora. — Nos conhecemos no escritório — começou Helena, forçando um sorriso. — A convivência foi... natural. Eduardo interveio, com sua habitual frieza: — O pedido foi direto, como eu sou. — Direto demais, imagino — respondeu Vera, estreitando os olhos para o filho como quem vê além das palavras. Helena tentou conduzir o restante da conversa de maneira suave, inventando detalhes sobre pequenos momentos e encontros fictícios. Apesar de seu esforço, sentia como se estivesse caminhando em uma corda bamba, temendo que qualquer deslize pudesse expor a verdade. Durante o jantar, Vera a observava atentamente, fazendo perguntas sobre seus gostos, hobbies e planos para o futuro. Helena respondia o melhor que podia, sempre mantendo a postura que Eduardo exigia dela. Então veio a pergunta que mudou o clima na sala: — Vocês estão pensando em crianças? Sempre quis netos! O olhar de Helena vacilou, mas Eduardo respondeu antes que ela pudesse dizer algo. — Não é uma prioridade no momento. A resposta abrupta causou um silêncio desconfortável. Vera o encarou por um longo momento antes de mudar de assunto, mas o desconforto já havia se instalado. --- De volta à mansão, o silêncio entre Helena e Eduardo parecia mais pesado do que nunca. Ele finalmente falou ao cruzar a porta da entrada: — Você quase estragou tudo. Helena girou o corpo para encará-lo, o rosto marcado por incredulidade. — O quê? — Sua atuação foi forçada. Nervosa demais. Minha mãe não é idiota. Helena sentiu o sangue ferver. — Foi a primeira vez que precisei mentir para alguém cara a cara, Eduardo. Desculpe se não atuei como uma atriz profissional. — Isso não é desculpa. Você aceitou o contrato. Sabia exatamente o que teria que fazer. — Eu estou tentando! Mas você não facilita! Como quer que eu finja sentimentos quando você nem tenta disfarçar que não tem nenhum? Eduardo estreitou os olhos e deu um passo à frente. Sua presença tornou o espaço entre eles ainda mais sufocante. — Porque eu não tenho sentimentos para fingir. E você sabia disso desde o início. Helena recuou, mas manteve o queixo erguido, como se aquilo pudesse protegê-la. — Eu posso ter aceitado esse acordo, mas não sou sua funcionária dentro de casa. Se quer que eu desempenhe bem meu papel, pare de me tratar como um estorvo. Eduardo permaneceu em silêncio por um momento, o olhar fixo nela, como se estivesse tentando decifrar suas palavras. Então, sem dizer mais nada, ele subiu as escadas, encerrando o assunto. Helena ficou onde estava, imóvel. Seu coração batia descompassado, e o peso do dia parecia finalmente cair sobre seus ombros. --- Naquela noite, no quarto designado por Eduardo, Helena sentou-se na beira da cama. O silêncio ao redor amplificava seus pensamentos, cada um mais pesado do que o outro. Ela pensou no pai. Pensou na mãe de Eduardo e em sua percepção afiada. Pensou em Eduardo e na muralha de gelo que ele havia construído ao seu redor. Por mais que tivesse preparado o coração para aquilo, nada a blindava da dor de ser tratada como um objeto, como uma peça de xadrez em um jogo maior. Deitou-se, encarando o teto enquanto as palavras dele ecoavam em sua mente: **“Você está aqui por um contrato.”** Mas Helena sabia que, por trás da frieza de Eduardo, havia algo mais. Ninguém era assim por completo. Ela poderia encontrar rachaduras naquela muralha. E essa ideia, mesmo tentadora, era perigosa.A primeira manhã na mansão começou com um silêncio incômodo. Helena despertou cedo, mas o corpo ainda se acostumava ao colchão macio demais e à ausência de sons familiares. Por alguns segundos, se permitiu esquecer onde estava. Mas, ao abrir os olhos, o quarto espaçoso, os móveis minimalistas e frios trouxeram a realidade de volta. Era o contrato. Ela se levantou devagar, ainda de camisola, e seguiu para a cozinha, na esperança de encontrar um pouco de normalidade na nova rotina. Mas normalidade não era uma palavra que combinava com a vida que havia aceitado. Eduardo já estava lá. Arrumado, impecável em um terno escuro, tomando café em pé como se o dia tivesse começado horas atrás. — Bom dia — murmurou Helena, hesitante. Ele a olhou de relance, pegou uma caneca extra e empurrou na direção dela. — Café? — Por favor. Ela aceitou, tentando não parecer desconfortável. O silêncio entre os dois era espesso, quase palpável. Eduardo voltou sua atenção para o celular, enquant
Helena congelou ao ver a mulher parada no meio da sala, deslumbrante em um vestido vermelho que exalava confiança e arrogância. Laura, como ela acabara de se apresentar, parecia completamente à vontade, como se fosse dona do lugar. A maneira como segurava a taça de cristal e olhava ao redor da mansão fazia seu status claro: ela não se via como uma intrusa. Quando os olhos de Laura pousaram sobre Helena, havia algo nítido em seu olhar — desprezo. Era o tipo de olhar que avalia, desqualifica e decide que o outro não pertence ao mesmo mundo. — E quem é você? — perguntou Laura, com um tom cortante, a voz carregada de superioridade. — A nova empregada? A pergunta veio como um golpe, mas Helena manteve a compostura. Antes que pudesse responder, uma voz firme ecoou do topo da escada. — Esposa — disse Eduardo, descendo as escadas com passos firmes, a palavra saindo como uma lâmina no silêncio. Laura congelou por um breve momento, como se precisasse de tempo para processar o que ele
O clima entre eles havia mudado desde a visita inesperada de Laura. Ainda que não admitissem, algo havia se instalado entre os dois — uma tensão que já não era apenas parte do contrato. Era algo mais... mais perigoso. Helena evitava Eduardo na casa, refugiando-se no quarto de hóspedes, mesmo que seu nome estivesse oficialmente nos papéis como esposa. Ele, por sua vez, também parecia mais calado. As provocações diminuíram, mas o olhar dele... aquele olhar que parecia perfurar sua alma, estava sempre ali. Na empresa, o ambiente não ajudava. Naquela manhã, Helena chegou cedo para adiantar alguns relatórios. A sala de Eduardo estava fechada, mas seu nome já aparecia no sistema. Ele estava ali. E a tensão em seu estômago voltou com força. No meio da manhã, enquanto organizava arquivos na sala ao lado, o celular vibrou. Uma mensagem anônima. **“Você sabe com quem está casada?”** O coração de Helena disparou. Ela olhou em volta, como se alguém pudesse estar a observando. Respon
O silêncio entre eles era tão palpável quanto a tensão que parecia preenchê-lo. Desde que Helena tocou a mão de Eduardo e ele recuou, algo havia mudado. Aquele momento, breve e carregado, havia criado uma barreira invisível entre os dois — uma barreira que Helena não sabia como atravessar, e que Eduardo parecia determinado a manter. Na mansão, Eduardo evitava sua presença com uma precisão quase ensaiada. Não compartilhavam mais o café da manhã; os olhares trocados haviam perdido qualquer resquício de calor, e, quando se cruzavam pelos corredores, eram pouco mais do que estranhos — unidos por um contrato, mas separados por muros emocionais que cresciam dia após dia. Helena sentia o peso desse afastamento com mais força a cada hora que passava. Havia algo em Eduardo que ela não conseguia decifrar completamente, algo que ia além do contrato ou da história com Valentina. Ele não era apenas frio; ele parecia com medo. No trabalho, as coisas não eram melhores. Eduardo retomara sua pos
A manhã começou como qualquer outra, repleta de compromissos da empresa e da tensão silenciosa que já se tornara habitual entre Helena e Eduardo. Ela estava concentrada na revisão de documentos quando a voz firme dele a tirou do foco. — Temos um jantar de negócios hoje. Sete e meia. Vista-se adequadamente. — Eduardo disse sem sequer levantar os olhos do notebook. Helena ergueu uma sobrancelha, intrigada. — Jantar de negócios? E eu vou por quê? Ele finalmente a encarou, o olhar sério e direto como sempre. — Porque você é minha esposa, lembra? Ainda que apenas no papel, nossa imagem como casal precisa ser convincente. Principalmente para investidores internacionais. Eles valorizam estabilidade... familiar. Helena cruzou os braços, desconfiada. — E o que significa “vestir-se adequadamente”? — Algo elegante, discreto, mas que combine com a imagem de uma mulher à altura do nome Vasconcelos. Ela sentiu a provocação embutida, mas não deu o gostinho da resposta. Apenas assen
Helena entrou na sala de reuniões com o maxilar travado e os pensamentos ainda fervendo pelo jantar da noite anterior. Valentina não era só uma ex encrenqueira. Era uma ameaça declarada. E agora, depois daquela aparição teatral, ela tinha plena certeza: o que estava vivendo com Eduardo não era simples, nem controlável. A mensagem que recebera naquela manhã havia sido curta, seca e típica de Eduardo: "Preciso te ver. Agora."Ele estava de costas para a porta, encarando a parede de vidro. As mãos repousavam nos bolsos do paletó, mas a tensão em seus ombros era quase palpável. Helena parou na entrada, cruzou os braços e falou num tom duro: — Já tô aqui. Vai me dizer o que tá acontecendo ou vai continuar com esse suspense idiota? Eduardo se virou devagar, os olhos carregados de algo que ia além do cansaço. Havia uma gravidade ali, um peso que ele não conseguia esconder. — Entraram no nosso sistema. — A voz saiu firme, mas baixa. Helena franziu o cenho, tentando entender. — Sis
A sala de reuniões parecia menor agora. O celular de Eduardo ainda estava sobre a mesa, a tela acesa com a mensagem ameaçadora — como um sussurro constante, venenoso, lembrando que Valentina estava mais perto do que nunca.Helena passou a mão pelos cabelos, tentando organizar o caos dentro de si. O ataque ao sistema, a manipulação, a ameaça. Ser usada como porta de entrada para algo tão sombrio. E agora... aquilo pairando entre eles, como eletricidade no ar.— A gente precisa agir logo — disse ela, firme. — Se ela fez isso uma vez, vai fazer de novo.— Já acionei a equipe de segurança e os advogados — respondeu Eduardo, andando de um lado a outro feito uma fera prestes a explodir. — Mas a Valentina não joga limpo. Ela vai usar tudo. Tudo. E me conhece. Sabe exatamente onde atingir.Ele parou, os olhos cravados nela.— E agora quer transformar você em uma dessas fraquezas.Helena ergueu o queixo, os olhos faiscando.— Eu não sou fraqueza. Sou quem vai te ajudar a derrubar essa mulher.
O café da manhã estava servido, e a mesa impecável parecia um contraste cruel ao turbilhão interno de Helena. As louças alinhadas, o aroma do café fresco e a tranquilidade da cozinha só faziam o silêncio entre ela e Eduardo parecer ainda mais ensurdecedor. Helena girava a colher na xícara de chá, sem vontade de beber. Seus pensamentos eram uma tempestade. Ela tentava, em vão, encaixar as peças daquela noite confusa, enquanto o vazio que Eduardo deixara com suas palavras frias continuava latejando. Quando ele desceu as escadas, o som dos sapatos contra o piso ecoou como um lembrete da sua presença, firme e imperturbável. O terno estava impecável, a gravata perfeitamente alinhada. Eduardo parecia intocado, como se a noite anterior não tivesse acontecido. — Bom dia — disse ele, com o tom neutro de sempre, quase entediado. — Bom dia — Helena respondeu sem erguer os olhos, a voz sem qualquer entusiasmo. Ele se serviu de café, verificando e-mails no celular com a tranquilidade cal