A primeira manhã na mansão começou com um silêncio incômodo.
Helena despertou cedo, mas o corpo ainda se acostumava ao colchão macio demais e à ausência de sons familiares. Por alguns segundos, se permitiu esquecer onde estava. Mas, ao abrir os olhos, o quarto espaçoso, os móveis minimalistas e frios trouxeram a realidade de volta. Era o contrato. Ela se levantou devagar, ainda de camisola, e seguiu para a cozinha, na esperança de encontrar um pouco de normalidade na nova rotina. Mas normalidade não era uma palavra que combinava com a vida que havia aceitado. Eduardo já estava lá. Arrumado, impecável em um terno escuro, tomando café em pé como se o dia tivesse começado horas atrás. — Bom dia — murmurou Helena, hesitante. Ele a olhou de relance, pegou uma caneca extra e empurrou na direção dela. — Café? — Por favor. Ela aceitou, tentando não parecer desconfortável. O silêncio entre os dois era espesso, quase palpável. Eduardo voltou sua atenção para o celular, enquanto Helena dava pequenos goles na bebida quente, estudando-o. Ele parecia frio como sempre, mas havia algo diferente em seus olhos quando a viu de camisola, com os cabelos desarrumados. — Precisa de algo específico para hoje? — ele perguntou, sem levantar o olhar. — Algo... específico? — Vai continuar trabalhando comigo, mas agora, como minha esposa, há... ajustes. A equipe vai comentar, especular. Precisamos alinhar o comportamento. Helena arqueou uma sobrancelha. — Vai me mandar um manual de conduta? — Se precisar, sim — respondeu, seco. Mas os cantos de sua boca quase se moveram, como se quisesse sorrir. Ela bufou, mas não insistiu. Sabia que Eduardo adorava comandar. E se desse qualquer sinal de fraqueza, ele a engoliria viva — com palavras afiadas e olhares desarmantes. --- Na empresa, o burburinho começou no momento em que entraram juntos no elevador principal. Os olhares curiosos, misturados a cochichos, se espalharam pelos corredores. Funcionárias lançavam sorrisos maliciosos, enquanto alguns homens as encaravam com misto de inveja e surpresa. Eduardo, como sempre, ignorou tudo. — Helena, preciso daquelas planilhas atualizadas até as dez — disse ele, diante da equipe. Ela assentiu, séria, tentando esconder o desconforto. Era evidente que todos os olhos estavam sobre eles, analisando, julgando. No escritório, a rotina seguia quase inalterada, exceto pelos pequenos momentos que diziam mais do que qualquer conversa. Toques rápidos ao entregar um documento. Pausas nos diálogos que deixavam Helena arrepiada. Ele ainda era o chefe frio e autoritário, mas algo na forma como a observava quando ela estava distraída a fazia sentir uma tensão que não conseguia decifrar. Quando Eduardo apareceu na porta da sala dela na hora do almoço, Helena se surpreendeu. — Almoçamos juntos? — perguntou ele, casualmente. — Aqui, no escritório? Acho que não é uma boa ideia. — Estamos casados. Seria estranho almoçarmos separados. — Estamos tecnicamente casados, Eduardo. Ele sorriu, um gesto raro e que, dessa vez, não parecia irônico. — Exatamente. A técnica exige consistência. Acabaram almoçando em um restaurante discreto, longe da empresa. Para Helena, foi estranho perceber que aquele era o momento mais “normal” que haviam dividido até agora. O silêncio não parecia tão desconfortável, e Eduardo até se mostrou mais humano. Helena o estudava com curiosidade. Ele falava pouco, comia devagar e evitava perguntas pessoais, mas havia algo nos olhos dele... uma constante sensação de cálculo, como se medisse cada reação dela. — Posso te fazer uma pergunta? — ela arriscou. — Já está fazendo. — Você realmente acredita que esse contrato vai funcionar? Eduardo apoiou os cotovelos na mesa, inclinando-se um pouco para frente. — Funcionar em que sentido? — Você sabe qual — respondeu Helena, olhando nos olhos dele. Por um momento, o silêncio voltou a pairar. — Eu acredito que... você vai cumprir sua parte. E eu a minha. — E quando tudo isso acabar? — Não pense no fim, Helena. Ainda nem começamos. Helena mordeu o lábio inferior, surpresa com a resposta. --- À noite, na mansão, Helena se acomodou no sofá da sala com o notebook no colo, revisando relatórios. Eduardo entrou na sala com duas taças de vinho, pegando-a de surpresa. — Achei que poderia relaxar um pouco — disse, oferecendo uma. — Tentando ser gentil agora? — Tentando ser justo. Ela aceitou a taça e deu um gole, deixando o vinho aquecer sua garganta e, talvez, seus pensamentos. — Então... estamos aqui. Dois adultos. Casados por contrato. Compartilhando vinho como se fosse natural. — Pode não ser natural, mas é funcional. — Você fala como um robô, sabia? Eduardo riu, um som baixo e raro. — E você fala como se ainda não tivesse aceitado que isso é real. — Eu aceitei. Mas isso não significa que me sinto confortável. Eduardo a observou por alguns segundos antes de se levantar e ir até o móvel da sala. Pegou um envelope e o estendeu para ela. — Parte do acordo. Dinheiro entregue em espécie, como você exigiu. Helena pegou o envelope, e, ao abri-lo, viu o valor que garantiu sua aceitação do contrato. Apesar de ser só dinheiro, o peso daquele envelope parecia sufocante. — Obrigada — disse, quase num sussurro. — Eu cumpro o que prometo. — E eu também. Mas não sou de ferro, Eduardo. — Nem eu — ele respondeu, desviando o olhar. Foi naquele momento, naquela troca breve de palavras e olhares, que Helena percebeu algo diferente. Algo incômodo, algo perigoso. --- Mais tarde naquela noite, Helena ouviu um barulho estranho vindo do andar de baixo. O som a despertou de um leve cochilo, e, com o coração acelerado, desceu as escadas com passos cuidadosos. Na sala, uma mulher, deslumbrante em um vestido vermelho justo, parecia completamente à vontade enquanto mexia em uma taça de cristal. Ela ergueu o olhar quando Helena entrou. — Quem é você? — perguntou Helena, tentando conter o nervosismo. A mulher a encarou com um sorriso, mas seus olhos exibiam uma pontada de desafio. — Sou Laura. A namorada do Eduardo. Helena congelou, a frase ecoando como um golpe.Helena congelou ao ver a mulher parada no meio da sala, deslumbrante em um vestido vermelho que exalava confiança e arrogância. Laura, como ela acabara de se apresentar, parecia completamente à vontade, como se fosse dona do lugar. A maneira como segurava a taça de cristal e olhava ao redor da mansão fazia seu status claro: ela não se via como uma intrusa. Quando os olhos de Laura pousaram sobre Helena, havia algo nítido em seu olhar — desprezo. Era o tipo de olhar que avalia, desqualifica e decide que o outro não pertence ao mesmo mundo. — E quem é você? — perguntou Laura, com um tom cortante, a voz carregada de superioridade. — A nova empregada? A pergunta veio como um golpe, mas Helena manteve a compostura. Antes que pudesse responder, uma voz firme ecoou do topo da escada. — Esposa — disse Eduardo, descendo as escadas com passos firmes, a palavra saindo como uma lâmina no silêncio. Laura congelou por um breve momento, como se precisasse de tempo para processar o que ele
O clima entre eles havia mudado desde a visita inesperada de Laura. Ainda que não admitissem, algo havia se instalado entre os dois — uma tensão que já não era apenas parte do contrato. Era algo mais... mais perigoso. Helena evitava Eduardo na casa, refugiando-se no quarto de hóspedes, mesmo que seu nome estivesse oficialmente nos papéis como esposa. Ele, por sua vez, também parecia mais calado. As provocações diminuíram, mas o olhar dele... aquele olhar que parecia perfurar sua alma, estava sempre ali. Na empresa, o ambiente não ajudava. Naquela manhã, Helena chegou cedo para adiantar alguns relatórios. A sala de Eduardo estava fechada, mas seu nome já aparecia no sistema. Ele estava ali. E a tensão em seu estômago voltou com força. No meio da manhã, enquanto organizava arquivos na sala ao lado, o celular vibrou. Uma mensagem anônima. **“Você sabe com quem está casada?”** O coração de Helena disparou. Ela olhou em volta, como se alguém pudesse estar a observando. Respon
O silêncio entre eles era tão palpável quanto a tensão que parecia preenchê-lo. Desde que Helena tocou a mão de Eduardo e ele recuou, algo havia mudado. Aquele momento, breve e carregado, havia criado uma barreira invisível entre os dois — uma barreira que Helena não sabia como atravessar, e que Eduardo parecia determinado a manter. Na mansão, Eduardo evitava sua presença com uma precisão quase ensaiada. Não compartilhavam mais o café da manhã; os olhares trocados haviam perdido qualquer resquício de calor, e, quando se cruzavam pelos corredores, eram pouco mais do que estranhos — unidos por um contrato, mas separados por muros emocionais que cresciam dia após dia. Helena sentia o peso desse afastamento com mais força a cada hora que passava. Havia algo em Eduardo que ela não conseguia decifrar completamente, algo que ia além do contrato ou da história com Valentina. Ele não era apenas frio; ele parecia com medo. No trabalho, as coisas não eram melhores. Eduardo retomara sua pos
A manhã começou como qualquer outra, repleta de compromissos da empresa e da tensão silenciosa que já se tornara habitual entre Helena e Eduardo. Ela estava concentrada na revisão de documentos quando a voz firme dele a tirou do foco. — Temos um jantar de negócios hoje. Sete e meia. Vista-se adequadamente. — Eduardo disse sem sequer levantar os olhos do notebook. Helena ergueu uma sobrancelha, intrigada. — Jantar de negócios? E eu vou por quê? Ele finalmente a encarou, o olhar sério e direto como sempre. — Porque você é minha esposa, lembra? Ainda que apenas no papel, nossa imagem como casal precisa ser convincente. Principalmente para investidores internacionais. Eles valorizam estabilidade... familiar. Helena cruzou os braços, desconfiada. — E o que significa “vestir-se adequadamente”? — Algo elegante, discreto, mas que combine com a imagem de uma mulher à altura do nome Vasconcelos. Ela sentiu a provocação embutida, mas não deu o gostinho da resposta. Apenas assen
Helena entrou na sala de reuniões com o maxilar travado e os pensamentos ainda fervendo pelo jantar da noite anterior. Valentina não era só uma ex encrenqueira. Era uma ameaça declarada. E agora, depois daquela aparição teatral, ela tinha plena certeza: o que estava vivendo com Eduardo não era simples, nem controlável. A mensagem que recebera naquela manhã havia sido curta, seca e típica de Eduardo: "Preciso te ver. Agora."Ele estava de costas para a porta, encarando a parede de vidro. As mãos repousavam nos bolsos do paletó, mas a tensão em seus ombros era quase palpável. Helena parou na entrada, cruzou os braços e falou num tom duro: — Já tô aqui. Vai me dizer o que tá acontecendo ou vai continuar com esse suspense idiota? Eduardo se virou devagar, os olhos carregados de algo que ia além do cansaço. Havia uma gravidade ali, um peso que ele não conseguia esconder. — Entraram no nosso sistema. — A voz saiu firme, mas baixa. Helena franziu o cenho, tentando entender. — Sis
A sala de reuniões parecia menor agora. O celular de Eduardo ainda estava sobre a mesa, a tela acesa com a mensagem ameaçadora — como um sussurro constante, venenoso, lembrando que Valentina estava mais perto do que nunca.Helena passou a mão pelos cabelos, tentando organizar o caos dentro de si. O ataque ao sistema, a manipulação, a ameaça. Ser usada como porta de entrada para algo tão sombrio. E agora... aquilo pairando entre eles, como eletricidade no ar.— A gente precisa agir logo — disse ela, firme. — Se ela fez isso uma vez, vai fazer de novo.— Já acionei a equipe de segurança e os advogados — respondeu Eduardo, andando de um lado a outro feito uma fera prestes a explodir. — Mas a Valentina não joga limpo. Ela vai usar tudo. Tudo. E me conhece. Sabe exatamente onde atingir.Ele parou, os olhos cravados nela.— E agora quer transformar você em uma dessas fraquezas.Helena ergueu o queixo, os olhos faiscando.— Eu não sou fraqueza. Sou quem vai te ajudar a derrubar essa mulher.
O café da manhã estava servido, e a mesa impecável parecia um contraste cruel ao turbilhão interno de Helena. As louças alinhadas, o aroma do café fresco e a tranquilidade da cozinha só faziam o silêncio entre ela e Eduardo parecer ainda mais ensurdecedor. Helena girava a colher na xícara de chá, sem vontade de beber. Seus pensamentos eram uma tempestade. Ela tentava, em vão, encaixar as peças daquela noite confusa, enquanto o vazio que Eduardo deixara com suas palavras frias continuava latejando. Quando ele desceu as escadas, o som dos sapatos contra o piso ecoou como um lembrete da sua presença, firme e imperturbável. O terno estava impecável, a gravata perfeitamente alinhada. Eduardo parecia intocado, como se a noite anterior não tivesse acontecido. — Bom dia — disse ele, com o tom neutro de sempre, quase entediado. — Bom dia — Helena respondeu sem erguer os olhos, a voz sem qualquer entusiasmo. Ele se serviu de café, verificando e-mails no celular com a tranquilidade cal
O escritório era cada vez mais sufocante. A tensão entre Helena e Eduardo atingia novos picos com cada interação. Ele parecia mais impaciente, mais seco, como se cada gesto dela o incomodasse profundamente. Helena, por outro lado, se mantinha firme. Trabalho era trabalho. E aquele casamento, apenas um contrato. Naquela manhã, Eduardo convocou Helena para uma reunião rápida na sala reservada. A postura dele era direta, os olhos fixos na tela do notebook enquanto passava por uma lista de exigências. — Certifique-se de que o discurso esteja alinhado com o perfil dos patrocinadores — disse ele, sem tirar os olhos da tela. — E cuidado com os improvisos, Helena. Esse evento representa a imagem da empresa. Ela ergueu os olhos das anotações, sentindo a provocação disfarçada no tom. — Vai estar tudo sob controle, senhor Vasconcelos. A troca de olhares foi rápida, mas carregada. Por um breve momento, ela sentiu algo ali — uma fagulha, talvez. Mas Eduardo desviou primeiro, encerrando q