O escritório era cada vez mais sufocante. A tensão entre Helena e Eduardo atingia novos picos com cada interação. Ele parecia mais impaciente, mais seco, como se cada gesto dela o incomodasse profundamente. Helena, por outro lado, se mantinha firme. Trabalho era trabalho. E aquele casamento, apenas um contrato. Naquela manhã, Eduardo convocou Helena para uma reunião rápida na sala reservada. A postura dele era direta, os olhos fixos na tela do notebook enquanto passava por uma lista de exigências. — Certifique-se de que o discurso esteja alinhado com o perfil dos patrocinadores — disse ele, sem tirar os olhos da tela. — E cuidado com os improvisos, Helena. Esse evento representa a imagem da empresa. Ela ergueu os olhos das anotações, sentindo a provocação disfarçada no tom. — Vai estar tudo sob controle, senhor Vasconcelos. A troca de olhares foi rápida, mas carregada. Por um breve momento, ela sentiu algo ali — uma fagulha, talvez. Mas Eduardo desviou primeiro, encerrando q
A mansão estava mergulhada no mesmo silêncio que envolvia Helena desde o evento beneficente. O som dos próprios passos nos corredores ecoava como um lembrete incômodo de que Eduardo havia a deixado sozinha, mais uma vez. Helena subiu direto para o quarto, fechando a porta sem fazer alarde. Queria distância. Queria entender por que, mesmo fingindo não se importar, aquilo tinha doído tanto. Do lado de fora, Eduardo passou pela porta entreaberta, hesitando por um instante. Mas não entrou. Não era o momento — e, na cabeça dele, talvez nunca fosse. ---Na manhã seguinte, Helena despertou com a mesma sensação de incômodo. Vestiu-se mecanicamente e desceu para o café. Eduardo não estava ali, como de costume. Melhor assim. Quanto menos o visse, melhor para manter o pouco de controle que ainda possuía. Foi a campainha que quebrou o silêncio. Ela mesma atendeu, sem chamar ninguém. O interfone soou duas vezes, insistente. — Entrega para o senhor Eduardo Vasconcelos — disse o entregador,
O clima na empresa estava mais gelado que o ar-condicionado central. Desde o evento beneficente, Helena e Eduardo evitavam qualquer contato além do estritamente necessário. A tensão entre eles era tão densa que parecia preencher todos os espaços, como uma presença invisível mas constante. Helena digitava concentrada, fingindo não notar o olhar constante vindo da sala de vidro. Eduardo a observava de longe, os olhos afiados acompanhando cada movimento. Ele estava inquieto, como se algo dentro dele estivesse prestes a explodir — e o mais perturbador era que aquilo não parecia raiva. — Senhora Helena, a reunião com o financeiro foi antecipada para as nove e meia — avisou a secretária, interrompendo o silêncio. Helena ergueu os olhos, agradeceu educadamente e se levantou com a pasta em mãos. Eduardo, de pé ao lado da janela, manteve os olhos fixos nela. Quando Helena passou pela porta, ele finalmente falou, sem se virar: — Ainda vai continuar agindo como se eu fosse um estranho?
Os dias que se seguiram àquela noite do vinho foram marcados por uma calmaria estranha. Não exatamente confortável, mas... possível. Eduardo e Helena passaram a se encontrar mais vezes pela casa, às vezes dividindo o café da manhã em silêncio, outras trocando breves palavras no fim do expediente. A tensão ainda estava lá, mas menos afiada. Mais domada. No escritório, a convivência profissional também se suavizara. Eduardo parecia menos impaciente, e Helena, menos na defensiva. Era como se um pacto não verbal tivesse sido firmado entre eles: dar um passo de cada vez. Certa noite, Helena tentava montar uma prateleira no escritório de casa — que estava há dias encostado em um canto. As instruções eram confusas, as peças pareciam nunca se encaixar, e a frustração dela crescia a cada tentativa frustrada. Foi quando Eduardo apareceu à porta, com as mangas da camisa arregaçadas e uma expressão divertida no rosto. — Você pretende declarar guerra à madeira ou posso ajudar antes disso?
Assim como nos últimos dias, nessa noite, o jantar foi simples, mas a leveza nova entre eles estava presente. A proximidade construída nos últimos dias fazia com que até o silêncio tivesse um sabor diferente. Helena arrumava os pratos na cozinha enquanto Eduardo, encostado no batente da porta, a observava com um meio sorriso. Não o sorriso arrogante de sempre, mas um que ela ainda estava aprendendo a decifrar. — Vai ficar me olhando ou vai ajudar? — ela disse, sem olhar para trás, percebendo a presença dele. — Estou admirando. Não posso? Helena virou-se com uma sobrancelha arqueada. Eduardo se aproximou devagar, pegando um pano de prato qualquer só para não sair de mãos abanando. Mas o que ele realmente queria não estava na pia. — A prateleira não te venceu — comentou, tentando quebrar o gelo. O sorriso dela foi suave. — Não quando você ajudou. E... obrigada por aquilo. Por tudo. Ele assentiu. Em silêncio, enxugou o último prato e o guardou. Quando passou por ela, seus d
Eduardo se mexeu na cama, ainda entorpecido pela noite anterior, e esticou o braço até o celular no criado-mudo. Olhou a tela por reflexo, sem esperar nada.Mais havia uma mensagem nada comum.Mas o remetente era anônimo.E a linha do assunto parecia um soco no estômago.Assunto: “Ela não é o que parece.”“Grupo L&R. Reconhece esse nome? Olhe o anexo. A filha do dono dorme na sua cama.”Ele piscou, sentando-se devagar. Os olhos se arregalaram.Grupo L&R.O nome pulsou em sua cabeça como uma bomba prestes a explodir.Abriu o anexo. Um PDF simples, sem firulas.Contrato social. Proprietário: Lúcio Ribeiro da Costa.O sangue gelou.Essa empresa tinha ferrado com ele no passado.Lá no começo, quando ele ainda tentava se firmar no mercado, foi a L&R que jogou sua proposta no lixo, puxou seu projeto debaixo dos pés e enterrou sua primeira grande oportunidade com uma jogada jurídica suja. Foi um baque que quase matou sua carreira antes de começar.E agora…A filha do dono daquela empresa dor
O céu cinzento daquele sábado parecia espelhar o peito de Helena. A casa continuava mergulhada em um silêncio cruel, e o cheiro do travesseiro de Eduardo, que ela apertava contra si, já começava a desaparecer. Como se até ele quisesse sumir de vez. Ela não sabia mais o que pensar, o que sentir. Só sabia que não suportava mais ficar ali, parada, à espera de um sinal que talvez nunca viesse. Mas havia algo que ainda pulsava dentro dela. Raiva. Não a raiva violenta, destrutiva. Era uma raiva silenciosa. Ferida. E ela precisava fazer alguma coisa com aquilo. Depois de lavar o rosto e prender o cabelo, pegou a chave do carro. Dirigiu até o hospital, decidida a cavar a verdade com as próprias mãos. Precisava entender melhor o quadro do pai, confirmar o que o laudo dizia, encarar tudo aquilo sem filtro. — O quadro é atípico — disse o neurologista. — Não conseguimos encaixar nos padrões clássicos, mas os sintomas existem. Confusão, desorientação... há algo acontecendo. Helena deixou o ho
O escritório estava mergulhado no silêncio, exceto pelo leve tique-taque do relógio de parede e o zumbido constante do ar-condicionado. Eduardo não havia saído dali desde a noite anterior. A discussão com Helena ainda ecoava em sua mente como um raio cortando o céu antes da tempestade. Ele não conseguia esquecer o olhar dela — partido, ferido, decepcionado. Aquilo o consumia mais do que ele gostaria de admitir. Sentado no sofá de couro, com a camisa amarrotada e a gravata afrouxada, ele segurava um copo de uísque pela metade, mas não o havia tocado. Seus olhos estavam vermelhos, não de bebida, mas de insônia e arrependimento. As palavras ditas por impulso tinham um gosto amargo na memória. Ele se odiava por ter duvidado dela. Algo dentro dele dizia que Helena nunca mentiria sobre o pai, mas a dor de se sentir enganado — mais uma vez — o fez agir sem pensar. Valentina. O nome dela vinha como um fantasma indesejado. Ela sim o havia manipulado, mentido, usado. E agora, ele percebia que