Eduardo se mexeu na cama, ainda entorpecido pela noite anterior, e esticou o braço até o celular no criado-mudo. Olhou a tela por reflexo, sem esperar nada.Mais havia uma mensagem nada comum.Mas o remetente era anônimo.E a linha do assunto parecia um soco no estômago.Assunto: “Ela não é o que parece.”“Grupo L&R. Reconhece esse nome? Olhe o anexo. A filha do dono dorme na sua cama.”Ele piscou, sentando-se devagar. Os olhos se arregalaram.Grupo L&R.O nome pulsou em sua cabeça como uma bomba prestes a explodir.Abriu o anexo. Um PDF simples, sem firulas.Contrato social. Proprietário: Lúcio Ribeiro da Costa.O sangue gelou.Essa empresa tinha ferrado com ele no passado.Lá no começo, quando ele ainda tentava se firmar no mercado, foi a L&R que jogou sua proposta no lixo, puxou seu projeto debaixo dos pés e enterrou sua primeira grande oportunidade com uma jogada jurídica suja. Foi um baque que quase matou sua carreira antes de começar.E agora…A filha do dono daquela empresa dor
O céu cinzento daquele sábado parecia espelhar o peito de Helena. A casa continuava mergulhada em um silêncio cruel, e o cheiro do travesseiro de Eduardo, que ela apertava contra si, já começava a desaparecer. Como se até ele quisesse sumir de vez. Ela não sabia mais o que pensar, o que sentir. Só sabia que não suportava mais ficar ali, parada, à espera de um sinal que talvez nunca viesse. Mas havia algo que ainda pulsava dentro dela. Raiva. Não a raiva violenta, destrutiva. Era uma raiva silenciosa. Ferida. E ela precisava fazer alguma coisa com aquilo. Depois de lavar o rosto e prender o cabelo, pegou a chave do carro. Dirigiu até o hospital, decidida a cavar a verdade com as próprias mãos. Precisava entender melhor o quadro do pai, confirmar o que o laudo dizia, encarar tudo aquilo sem filtro. — O quadro é atípico — disse o neurologista. — Não conseguimos encaixar nos padrões clássicos, mas os sintomas existem. Confusão, desorientação... há algo acontecendo. Helena deixou o ho
O escritório estava mergulhado no silêncio, exceto pelo leve tique-taque do relógio de parede e o zumbido constante do ar-condicionado. Eduardo não havia saído dali desde a noite anterior. A discussão com Helena ainda ecoava em sua mente como um raio cortando o céu antes da tempestade. Ele não conseguia esquecer o olhar dela — partido, ferido, decepcionado. Aquilo o consumia mais do que ele gostaria de admitir. Sentado no sofá de couro, com a camisa amarrotada e a gravata afrouxada, ele segurava um copo de uísque pela metade, mas não o havia tocado. Seus olhos estavam vermelhos, não de bebida, mas de insônia e arrependimento. As palavras ditas por impulso tinham um gosto amargo na memória. Ele se odiava por ter duvidado dela. Algo dentro dele dizia que Helena nunca mentiria sobre o pai, mas a dor de se sentir enganado — mais uma vez — o fez agir sem pensar. Valentina. O nome dela vinha como um fantasma indesejado. Ela sim o havia manipulado, mentido, usado. E agora, ele percebia que
Eduardo estava prestes a sair quando o celular vibrou. Um número desconhecido. — Alô? — É Lúcio. O pai da Helena. A voz do outro lado da linha estava firme, mas havia algo estranho. Uma hesitação entre as palavras, como se a mente do homem lutasse para se manter no presente. — Precisamos conversar. Hoje. Meia hora depois, Eduardo estacionou em frente à clínica. Uma parte dele dizia para ir embora, para não reabrir feridas. Mas ele entrou. Talvez por culpa, por medo do que ainda não sabia… ou apenas em busca de respostas. Lúcio o esperava em uma sala reservada. Estava mais magro, com olheiras fundas e expressão distante. Vestia roupas simples, mas bem cuidadas. O olhar... esse alternava entre foco e dispersão. — Obrigado por ter vindo — disse ele. Eduardo permaneceu em pé por alguns segundos antes de se sentar. — Por que me chamou? Lúcio piscou devagar, como se precisasse reorganizar os pensamentos. — Eu sei o que descobriu sobre mim. Sobre minha empresa. E sei também que ac
Helena acordou com uma sensação de peso no peito. A conversa com Eduardo na noite anterior ainda ecoava em sua mente — o pedido que fizera para ser liberada do contrato. Sabia que era o melhor a se fazer. Afinal, aquilo já não era mais um contrato. Era uma confusão de sentimentos que machucava. Conforme o dia passava, tudo parecia cada vez mais claro: afastar-se de Eduardo era a decisão mais sensata. Sentada no chão do quarto de hóspedes, começou a arrumar algumas caixas, tentando ocupar a mente e aliviar a ansiedade pela resposta de Eduardo. Aquele espaço sempre fora seu refúgio, seu lugar seguro quando tudo ainda era incerto. Estar ali despertava uma nostalgia agridoce. Enquanto organizava documentos antigos, encontrou um envelope que parecia estar ali a algum tempo. Curiosa, abriu-o sem hesitar e, ao ver a caligrafia no papel, seu coração disparou. Era a letra de Eduardo. A carta parecia antiga. Helena sentiu o ar faltar nos pulmões. "Helena, Não sei ao certo como tudo isso a
Eduardo estava sentado em seu escritório, os dedos tamborilando na mesa. A ideia de Helena partir para Londres, de deixar tudo para trás, pulsava em sua mente como uma ameaça iminente. A carta que ela encontrara no quarto de hóspedes ainda estava em sua cabeça, um lembrete cruel de que ele havia escrito tudo, mas nunca teve coragem de entregá-la. Seu orgulho e a raiva inicial haviam colocado tudo em risco. E agora, o peso de suas escolhas estava maior do que ele podia suportar. Ele precisava fazer algo. Algo que não fosse tarde demais. Depois de horas revisando documentos, tentando encontrar as palavras certas, Eduardo levantou-se e saiu do escritório. Cada passo parecia mais pesado enquanto caminhava pelo corredor até o quarto de Helena. Sabia que ela estava lá. Sabia que estava organizando suas coisas. E sabia que aquela era a última oportunidade de mostrar o que sentia de verdade. Eduardo parou à porta e respirou fundo antes de bater. — Entre — disse ela, sem muita emoção.
Os primeiros raios de sol invadiram o quarto de hóspedes, iluminando suavemente as caixas que ainda não estavam fechadas. Helena sentou-se à beira da cama, a cabeça apoiada nas mãos, sentindo o peso de sua decisão. Aceitar a proposta da GlobalTech parecia, ao mesmo tempo, um salto no escuro e a única escolha sensata. O envelope com a carta de Eduardo repousava ao seu lado, dobrado com cuidado, mas intocado. Ela havia passado a noite relendo aquelas palavras, ponderando cada frase escrita. A sinceridade crua que ele expusera era um reflexo do homem que ele podia ser — mas também um lembrete de quem ele vinha sendo até agora: frio, desconfiado, muitas vezes impenetrável. A conversa da noite anterior ainda ressoava em seus pensamentos. Ele finalmente dissera que a amava. Finalmente reconhecera que não queria perdê-la. Mas a questão não era mais só sobre o que Eduardo sentia. Era sobre o que ela precisava. E, pela primeira vez em muito tempo, Helena sabia o que isso significava: ela p
Os dias em Londres seguiam em seu ritmo habitual para Helena, mas ela se mantinha cada vez mais focada no trabalho. Era o refúgio perfeito para evitar pensar em tudo o que havia deixado para trás, especialmente Eduardo. A rotina na GlobalTech era intensa e desafiadora, mas, para Helena, era também uma oportunidade de mostrar a si mesma que estava no caminho certo. Cada dia que passava longe do Brasil parecia um passo em direção à independência que tanto buscava. Naquela tarde, enquanto revisava relatórios no escritório, Andrew Harper, o diretor regional, se aproximou com um semblante animado, um tablet nas mãos e uma ideia que, segundo ele, era impossível Helena recusar. — Helena, preciso conversar com você — disse ele, encostando-se na mesa dela. — Claro, Andrew. O que houve? — respondeu, fechando o arquivo e ajustando a postura. Ele gesticulou para que ela o acompanhasse até uma sala de reuniões. O entusiasmo dele era evidente e intrigante. Assim que fecharam a porta, Andrew co