O dia começou com o peso esmagador da decisão que Helena havia tomado. Após assinar o contrato, cada escolha parecia encaminhá-la a um destino inevitável, como uma peça de um tabuleiro que não podia ser movida de outra forma.
Antes de seguir para o cartório, um impulso a fez desviar o caminho. Precisava visitar o pai. Era uma necessidade emocional que não conseguia ignorar. Queria vê-lo, ouvir sua voz e, de alguma forma, reafirmar sua própria coragem. Na clínica, o ambiente era acolhedor, mas carregado de uma tensão invisível. Helena caminhava pelos corredores com passos rápidos, ignorando os olhares dos enfermeiros que a reconheciam. Quando entrou no quarto, seu pai estava sentado na cama, com o semblante sereno e fragilizado. Os olhos dele se iluminaram ao vê-la. — Helena, que surpresa boa — disse ele, com a voz baixa, mas gentil. Ela se aproximou, sentando-se ao lado dele na cadeira de plástico. — Como o senhor está? — perguntou, segurando sua mão gelada. Ele sorriu, o rosto marcado por linhas que contavam histórias de batalhas enfrentadas ao longo dos anos. — Melhor agora que você apareceu. Está tudo bem? Você parece... diferente. Helena engoliu em seco. Sabia que não conseguiria esconder completamente sua inquietação. — Estou resolvendo algumas coisas importantes. E em breve vou conseguir o dinheiro para os exames e o tratamento no hospital particular. Os olhos do pai brilharam, mas a preocupação logo surgiu em sua expressão. — Helena, você está se sacrificando demais? Não quero que faça nada que vá contra quem você é. — Não estou sacrificando nada, pai. Estou apenas me esforçando mais. Vai valer a pena. Ele a olhou em silêncio por um momento, como se estivesse tentando decifrá-la. — Filha, você não precisa provar nada para mim. Só quero que seja feliz. Se isso que está fazendo está te pesando, reconsidere. Nenhuma quantia vale sua paz. Helena sorriu, mas era um sorriso triste, carregado de uma certeza amarga. — Às vezes, pai, a paz é um luxo que eu não posso ter. O pai apertou a mão dela com mais força, transmitindo uma energia que parecia vir da vontade de protegê-la, mesmo em sua condição frágil. — Só não deixe que isso destrua quem você é. Helena inclinou-se para beijá-lo na testa, sentindo o nó em sua garganta apertar. Levantou-se e ajeitou a bolsa, respirando fundo. — Eu volto em breve, pai. Ao sair do quarto, sentiu uma mistura de culpa e determinação. Precisava fazer isso. Precisava seguir em frente. --- Quando Helena chegou ao cartório, já havia passado do horário marcado. Eduardo estava sentado na recepção, os braços cruzados e o semblante sério. Ele parecia esperar sem paciência, mas havia algo mais ali — algo que Helena não conseguiu identificar completamente. — Meia hora atrasada — foi tudo o que ele disse quando ela se aproximou. Helena parou e encarou o chão por um segundo antes de responder com simplicidade: — Desculpe. Eu precisava visitar meu pai. Eduardo estreitou os olhos, claramente irritado, mas não falou mais nada. Ela percebeu o leve movimento de alívio em seu postura, algo quase imperceptível, mas suficiente para despertar sua curiosidade. Ele se levantou e gesticulou para que ela o seguisse. — Vamos. --- A sala do cartório era pequena, fria e funcional. Helena sentou-se ao lado de Eduardo e encarou os documentos que o oficial apresentou. Cada folha parecia pesar mil vezes mais do que o papel deveria. Helena assinou com mãos firmes, mas o coração trêmulo. Eduardo, por outro lado, manteve sua postura calculada e recolheu os papéis com cuidado, verificando cada assinatura como se sua vida dependesse disso. Quando o fotógrafo apareceu para registrar o momento, Helena se viu posicionada ao lado de Eduardo, sentindo-se como parte de um espetáculo vazio. Olhou para a câmera, tentando manter a postura, mas sua expressão melancólica era difícil de esconder. Eduardo, ao seu lado, manteve o semblante frio e distante, completamente impassível. O clique da câmera capturou o contraste entre os dois — ela, envolta em tristeza, e ele, preso em controle absoluto. --- O trajeto para a mansão foi feito em completo silêncio. Eduardo dirigia com os olhos fixos na estrada, enquanto Helena olhava pela janela, absorvendo a ideia de que sua vida acabara de mudar para sempre. A mansão Vasconcelos era ainda mais impressionante do que ela imaginava. Linhas modernas, tons neutros e uma arquitetura impecável faziam a casa transbordar de poder. Mas, para Helena, era apenas uma jaula dourada. Eduardo saiu do carro e abriu a porta para ela com a habitual formalidade. — Seu quarto é o último do corredor. Não entre no meu sem permissão — disse ele, com a voz firme. — Suas malas já estão lá. Helena assentiu, tentando controlar as emoções que ameaçavam transbordar. — Certo. Ele a observou por um momento antes de continuar: — Arrume-se. Vamos visitar minha mãe.As luzes do apartamento de Dona Vera brilhavam contra o entardecer, emanando uma atmosfera sofisticada que Helena imediatamente percebeu ser o oposto da mansão Vasconcelos. Aqui, tudo parecia mais aconchegante e pessoal, um reflexo direto da dona do lugar. Helena ajustou o vestido enquanto seguia Eduardo pelo hall de entrada. Apesar de sua postura impecável, sentia o peso de todas as expectativas que recaíam sobre ela. O casamento repentino não era apenas um acordo entre ela e Eduardo — agora envolvia a família dele, que ela teria que convencer. Dona Vera abriu a porta com um sorriso caloroso, a elegância evidente em cada movimento. Vestia um conjunto discreto, mas sofisticado, e sua presença iluminava o ambiente. — Ah, então esta é a famosa Helena! — disse Vera, avançando para abraçá-la com espontaneidade. Helena ficou paralisada por um momento antes de corresponder ao gesto. — É um prazer conhecê-la, Dona Vera — respondeu com um sorriso nervoso. — Nada de “Dona”! Me cham
A primeira manhã na mansão começou com um silêncio incômodo. Helena despertou cedo, mas o corpo ainda se acostumava ao colchão macio demais e à ausência de sons familiares. Por alguns segundos, se permitiu esquecer onde estava. Mas, ao abrir os olhos, o quarto espaçoso, os móveis minimalistas e frios trouxeram a realidade de volta. Era o contrato. Ela se levantou devagar, ainda de camisola, e seguiu para a cozinha, na esperança de encontrar um pouco de normalidade na nova rotina. Mas normalidade não era uma palavra que combinava com a vida que havia aceitado. Eduardo já estava lá. Arrumado, impecável em um terno escuro, tomando café em pé como se o dia tivesse começado horas atrás. — Bom dia — murmurou Helena, hesitante. Ele a olhou de relance, pegou uma caneca extra e empurrou na direção dela. — Café? — Por favor. Ela aceitou, tentando não parecer desconfortável. O silêncio entre os dois era espesso, quase palpável. Eduardo voltou sua atenção para o celular, enquant
Helena congelou ao ver a mulher parada no meio da sala, deslumbrante em um vestido vermelho que exalava confiança e arrogância. Laura, como ela acabara de se apresentar, parecia completamente à vontade, como se fosse dona do lugar. A maneira como segurava a taça de cristal e olhava ao redor da mansão fazia seu status claro: ela não se via como uma intrusa. Quando os olhos de Laura pousaram sobre Helena, havia algo nítido em seu olhar — desprezo. Era o tipo de olhar que avalia, desqualifica e decide que o outro não pertence ao mesmo mundo. — E quem é você? — perguntou Laura, com um tom cortante, a voz carregada de superioridade. — A nova empregada? A pergunta veio como um golpe, mas Helena manteve a compostura. Antes que pudesse responder, uma voz firme ecoou do topo da escada. — Esposa — disse Eduardo, descendo as escadas com passos firmes, a palavra saindo como uma lâmina no silêncio. Laura congelou por um breve momento, como se precisasse de tempo para processar o que ele
O clima entre eles havia mudado desde a visita inesperada de Laura. Ainda que não admitissem, algo havia se instalado entre os dois — uma tensão que já não era apenas parte do contrato. Era algo mais... mais perigoso. Helena evitava Eduardo na casa, refugiando-se no quarto de hóspedes, mesmo que seu nome estivesse oficialmente nos papéis como esposa. Ele, por sua vez, também parecia mais calado. As provocações diminuíram, mas o olhar dele... aquele olhar que parecia perfurar sua alma, estava sempre ali. Na empresa, o ambiente não ajudava. Naquela manhã, Helena chegou cedo para adiantar alguns relatórios. A sala de Eduardo estava fechada, mas seu nome já aparecia no sistema. Ele estava ali. E a tensão em seu estômago voltou com força. No meio da manhã, enquanto organizava arquivos na sala ao lado, o celular vibrou. Uma mensagem anônima. **“Você sabe com quem está casada?”** O coração de Helena disparou. Ela olhou em volta, como se alguém pudesse estar a observando. Respon
O silêncio entre eles era tão palpável quanto a tensão que parecia preenchê-lo. Desde que Helena tocou a mão de Eduardo e ele recuou, algo havia mudado. Aquele momento, breve e carregado, havia criado uma barreira invisível entre os dois — uma barreira que Helena não sabia como atravessar, e que Eduardo parecia determinado a manter. Na mansão, Eduardo evitava sua presença com uma precisão quase ensaiada. Não compartilhavam mais o café da manhã; os olhares trocados haviam perdido qualquer resquício de calor, e, quando se cruzavam pelos corredores, eram pouco mais do que estranhos — unidos por um contrato, mas separados por muros emocionais que cresciam dia após dia. Helena sentia o peso desse afastamento com mais força a cada hora que passava. Havia algo em Eduardo que ela não conseguia decifrar completamente, algo que ia além do contrato ou da história com Valentina. Ele não era apenas frio; ele parecia com medo. No trabalho, as coisas não eram melhores. Eduardo retomara sua pos
A manhã começou como qualquer outra, repleta de compromissos da empresa e da tensão silenciosa que já se tornara habitual entre Helena e Eduardo. Ela estava concentrada na revisão de documentos quando a voz firme dele a tirou do foco. — Temos um jantar de negócios hoje. Sete e meia. Vista-se adequadamente. — Eduardo disse sem sequer levantar os olhos do notebook. Helena ergueu uma sobrancelha, intrigada. — Jantar de negócios? E eu vou por quê? Ele finalmente a encarou, o olhar sério e direto como sempre. — Porque você é minha esposa, lembra? Ainda que apenas no papel, nossa imagem como casal precisa ser convincente. Principalmente para investidores internacionais. Eles valorizam estabilidade... familiar. Helena cruzou os braços, desconfiada. — E o que significa “vestir-se adequadamente”? — Algo elegante, discreto, mas que combine com a imagem de uma mulher à altura do nome Vasconcelos. Ela sentiu a provocação embutida, mas não deu o gostinho da resposta. Apenas assen
Helena entrou na sala de reuniões com o maxilar travado e os pensamentos ainda fervendo pelo jantar da noite anterior. Valentina não era só uma ex encrenqueira. Era uma ameaça declarada. E agora, depois daquela aparição teatral, ela tinha plena certeza: o que estava vivendo com Eduardo não era simples, nem controlável. A mensagem que recebera naquela manhã havia sido curta, seca e típica de Eduardo: "Preciso te ver. Agora."Ele estava de costas para a porta, encarando a parede de vidro. As mãos repousavam nos bolsos do paletó, mas a tensão em seus ombros era quase palpável. Helena parou na entrada, cruzou os braços e falou num tom duro: — Já tô aqui. Vai me dizer o que tá acontecendo ou vai continuar com esse suspense idiota? Eduardo se virou devagar, os olhos carregados de algo que ia além do cansaço. Havia uma gravidade ali, um peso que ele não conseguia esconder. — Entraram no nosso sistema. — A voz saiu firme, mas baixa. Helena franziu o cenho, tentando entender. — Sis
A sala de reuniões parecia menor agora. O celular de Eduardo ainda estava sobre a mesa, a tela acesa com a mensagem ameaçadora — como um sussurro constante, venenoso, lembrando que Valentina estava mais perto do que nunca.Helena passou a mão pelos cabelos, tentando organizar o caos dentro de si. O ataque ao sistema, a manipulação, a ameaça. Ser usada como porta de entrada para algo tão sombrio. E agora... aquilo pairando entre eles, como eletricidade no ar.— A gente precisa agir logo — disse ela, firme. — Se ela fez isso uma vez, vai fazer de novo.— Já acionei a equipe de segurança e os advogados — respondeu Eduardo, andando de um lado a outro feito uma fera prestes a explodir. — Mas a Valentina não joga limpo. Ela vai usar tudo. Tudo. E me conhece. Sabe exatamente onde atingir.Ele parou, os olhos cravados nela.— E agora quer transformar você em uma dessas fraquezas.Helena ergueu o queixo, os olhos faiscando.— Eu não sou fraqueza. Sou quem vai te ajudar a derrubar essa mulher.